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Quem não leu o artigo, "Todos devíamos aprender com a França", de Frank Furedi, publicado na Folha de 13.11.05, deveria fazê-lo. Apesar de um certo saudosismo gaullista e clamar por novas idéias na política, ao mesmo tempo em que reconhece a falência da mesma, Frank Furedi levanta questões que se para alguns não é novidade, tem um peso diferente na mídia quando escrito por um analista "insuspeito". Sem querer polemizar com aquilo que o surpreende, Furedi começa mostrando a falência da política de assimilação na França e do multiculturalismo ao analisar a experiência inglesa. Aponta a possibilidade de levantes semelhantes aos dos subúrbios franceses em outros países europeus, onde as tensões se acumulam nos bairros periféricos, cada vez mais distanciados das áreas de "excelência" do primeiro mundo e mais próximo das favelas do terceiro. A apartheid social se alarga nos países ricos e pobres, a repressão aumenta enchendo as prisões, e a tão em moda política da inclusão se mostra vazia.
Apesar de reconhecer o esgotamento das elites e dos partidos políticos, Furedi parece desejar um poder com metas claras dirigido por essas elites que critica. Estranha a falta de objetividade da política, mas esquece que a não objetividade como a falta de metas é o reflexo de uma crise mais profunda, que já não deixa margens para iniciativas capazes de supera-la nos limites dados pela atual sociedade. Eis a razão da exaustão da política partidária e do Estado na França e no resto do mundo. Reconhece acertadamente que a "marginalização do movimento sindical tem seu paralelo no declínio da coerência no interior da elite francesa", afirmação que pode ser generalizada para as elites e movimento sindical dos demais países. Fica, no entanto, no meio do caminho e prisioneiro das políticas passadas; não consegue aprofundar crítica à sociedade em crise. Acho que esse mal acomete a maioria de nossa esquerda, principalmente aqueles que vêem na militância partidária e na chegada ao governo, a via possível das mudanças. Sem referências, tentam se agarrar à política de classes, que hoje "existe apenas em forma populista e caricaturada", como muito bem reconhece Furedi. Porém, isso não é o fim da história como muitos aclamam, é preciso descobrir novas categorias que supere o conceito marxista de classe do antigo movimento operário. Talvez, o que vem se passando nas ruas das grandes cidades, principalmente nos bairros pobres, cada vez mais descolados da produção de mercadorias, seja a expressão de algo novo.
A sociedade burguesa hoje se depara com o crescimento crônico do que poderíamos ainda chamar de exército industrial de reserva, fenômeno que antes se exacerbava nas crises, mas que voltava ao tolerável nos momentos de bonança. Furedi, como tantos outros, parece não enxerga que com as novas tecnologias dispensadoras da força de trabalho, a tendência é o crescimento sem limite deste exército. Muitos nem se quer conseguem ser socializados para produção capitalista, são recrutados sem essa premissa. O capitalismo hoje, na produção da miséria, já não gera mais proletários, mas o seus eternos reservas, cujas fileiras que dão volta ao mundo são formadas não só de imigrantes como quer dá entender a grande imprensa tentando restringir a crise. Daí o deslocamento do campo de batalha das fábricas para as ruas. Os "arruaceiros" de hoje nada tem a vê com os "arruaceiros" de ontem, estes bem comportados senhores preocupados em não serem mandado para reserva nos próximos cortes.
Da jovem rebelião tem-se exigido objetivos claros, propositalmente esquecem o seu lado certeiro que é, na luta de rua, a solidariedade e a crítica radical à mercadoria e suas formas hierárquicas, mesmo que num primeiro momento não se expresse conscientemente. Isso, porém, não é a garantia de que movimentos como este não seja absorvido pelo sistema que sabe muito bem exorcizar os seus fetiches nas horas de aperto. Como a sublevação dos pobres da periferia ainda carrega um certo desespero daqueles que no mercado não consegue trocar a força de trabalho por outras mercadorias necessárias à subsistência, pode se tornar presa fácil das manipulações dos administradores da crise.
Na sociedade produtora de mercadorias em que a acumulação deu lugar à simulação, onde as bolhas crescem e estouram em velocidade estonteante, a política não podia ser diferente: prisioneira dessa realidade, degringola e perde a identidade não por falta de missão, mas por sofrer os abalos da economia mundial que não se deixa governar e não respeita fronteiras em sua ação destruidora. As instituições nacionais já não respondem a esse novo momento do capitalismo global. Como reflexo dessa realidade e para esconder fragilidade em que se sustentam, a política e o poder local tende a ser cada vez mais espetacular.
23.11.2005
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