terça-feira, agosto 21, 2012

A indignação não é garantia de uma crítica radical


Rall

Escrever sobre a crise tem se tornado algo enfadonho e repetitivo. Mas, a revelação de alguns fatos, mesmo que não seja nenhuma novidade para forma como o capitalismo nos tempos atuais busca resistir ao ocaso, e as interpretações precipitadas desses fatos quando rapidamente descobre-se o “eixo do mal”, incita-nos a refletir mesmo consciente dos riscos do autoengano que pode nos levar um mundo incerto. Estou referindo-me como em geral se reagiu à manipulação da taxa Libor pelos grandes bancos, as notícias de lavagem de dinheiro inclusive do narcotráfico, e as afirmações de que a crise global se resume à bandalheira do sistema financeiro, sobre os quais não se tem mais controle.

É simplificar demais os fatos que brotam incessantemente de uma realidade complexa e instável, que resistem a intepretações precipitadas e a remendos superficiais costurados com muito dinheiro pelos governos e bancos centrais. Propala-se que o mal é a ganância sem limites dos bancos que sangra a economia real e o trabalho suado e honesto. Que o cassino financeiro onde se gera dinheiro e crédito do nada, entre outras coisas, vai nos levar ao desastre senão enfrentado com determinação pela mão pesada do Leviatã ou a mão invisível do mercado. Muitos analistas, à esquerda ou à direita, não acreditando que o Estado possa regular o funcionamento desses serviços, radicalizam suas posições e saem em defesa de se deixar os bancos à deriva, sujeitos as leis do mercado e a falência, mesmo que todos venham a quebrar numa reação em cadeia. No entanto, apesar das posições aparentemente pró-mercado, defendem que os governos deveriam dar garantias ao correntista e ao poupador.  

Os que só veem no crescimento descontrolado das finanças e seus efeitos colaterais destruidores o problema principal, não são capazes de entender que a exponencial expansão desse setor, surgiu como uma necessidade de suprir as deficiências de acumulação real da economia dos meados dos anos 70 para cá. Foi essa imensa máquina de geração de dinheiro sem substância (capital fictício), organizada em rede ao redor do mundo utilizando as novas tecnologias de informação, e suas imbricadas relações simbióticas com os Estados e empresas, que serviu e continua servindo como pulmão artificial que faz a economia moribunda respirar em bolhas efêmeras. Esse discurso simplificado de “são os bancos os culpados”, assumido por todos os matizes políticas e ideológicas, desvia o foco da questão central de que a crise financeira é a manifestação da impossibilidade do capitalismo resolver os limites de expansão da acumulação real através da criação de capital fictício.

As frequentes quebras das regras no jogo de “fazer dinheiro” extraindo-se mais-valia, que se acentuam agora em tempos difíceis, não é só privilégio de bancos e outros serviços financeiros, mas das indústrias quando vendem leite misturado a mijo de vaca(1) e outros venenos para turbinar os lucros, dos Estados que imprimem dinheiro para salvar esses mesmos bancos e indústria em dificuldades, ou seja, do capital como um todo.  O que se observa é um esgarçamento do tecido social em todos os níveis da sociedade, num salve-se quem poder, onde tudo é permissível para garantir o dinheiro no bolso ou nos bancos, mesmo que falso. Isso não deixa de ser um sintoma de uma profunda crise onde tudo relacionado com o valor e com o patriarcalismo apodrece e degenera em corrupção generalizada que age sem limites, contaminando corpos e almas em busca da salvação, por mais puros que se vejam.  

A visão maniqueísta, que busca os males do mundo num setor isolado mais exposto pela forma como a crise terminal do capitalismo se apresenta, sabota a discussão. Não estamos falando de saídas para crise que se espera serem apontadas por um movimento social vigoroso, que se ainda não despontou dá sinais que pode emergir, mas da crítica radical da sociedade da mercadoria e do esclarecimento das situações diversas que brotam dessa totalidade complexa que ameaça desmoronar sobre nossas cabeças. A crítica não pode se deixar contaminar e se curvar aos apelos às fáceis soluções, mesmo quando a indignação é universal.


21.08.2012

quarta-feira, agosto 01, 2012

Robert Kurz

Rall

As minhas primeiras leituras dos textos de Robert Kurz eram instigantes e intrigantes. Instigante, porque em seus escritos ia buscar em Marx coisas que a esquerda tradicional nunca viu ou não queria ver, ou se viu desfez-se ràpidamente como brasas que queimam as mãos. Intrigante, pois deixava-nos perplexos ao levantar questões que desmoronavam, em milessímo de segundos, nossas certezas construídas durante anos de militância. Como um potente raio cósmico, fulminava nossas pretensões de achar que conheciamos a verdade, mas enchia os caminhos com uma luz brilhante que iluminava e osfuscava ao mesmo tempo. Levantava questões novas para a Teoria Crítica que nos fazia entender melhor um mundo instável, mas deixava um rastro de incertezas que aumentava a angústia. Era polêmico e corajoso no enfrentamento do pensamento congelado por um mundo "naturalizado". Seu legado precisa ser gotejado, recuperado, reelaborado e publicado por aqueles que deverão continuar na revista Exit. A melhor homenagem que poderíamos prestar a Robert Kurz é mantê-lo  fustigando este mundo de mortos-vivos.

 

01.08.2012