quarta-feira, junho 14, 2006

A economia e seus paradoxos

Rall
O paradoxo de uma economia que cresce gerando miséria
A economia de países “subdesenvolvidos”, onde muitos produtos industrializados ainda não fazem parte dos meios de subsistência dos trabalhadores, tende a satisfaze-los com baixos salários.

À medida que a industrialização avança, novos produtos de consumo de massa lançados no mercado incorporam-se aos meios de subsistência forçando aumentos salariais. É claro que as variações para cima ou para baixo dos salários necessários para aquisição de mercadorias para manutenção dos trabalhadores e suas famílias, depende ainda do exército industrial de reserva, do grau de organização desses e da repressão patronal e policial a que estão sujeitos. Mas para o bem do capital, apesar do mórbido desejo, o trabalhador não pode morrer de fome, pois não haveria produção de mais-valia e o próprio capital para se realizar necessita vê as mercadorias consumidas.

Essa variação no tempo e no espaço de como se compõe os meios de subsistência dos trabalhadores tende a explicar as enormes disparidades salariais entre países e entre regiões de um mesmo país. Não estamos falando de diferenças individuais determinadas pelo trabalho qualificado. As formas como são satisfeitas as necessidades da população nas várias regiões pode ser uma das explicações para mobilidade do capital industrial: na busca incessante da valorização do valor, procura estabelecer-se, sempre provisoriamente, nos países onde os meios de subsistência necessários sejam mínimos e, se possível, onde o disciplinamento do trabalho humano abstrato tenha sido completado. Não é à toa a preferência pelos países antes ditos socialistas, onde as normas do trabalho assimiladas a manu militari, por mais brutais que sejam, são aceitas passivamente. Pouco conta o mercado interno dos países onde se instalam esse capital industrial itinerante - e o peso dos recursos naturais é relativo -, mais sim o rico mercado dos países “desenvolvidos” que é de fato o destino de seus produtos.

O barateamento das mercadorias aí produzidas, numa combinação de mais-valia relativa e absoluta, tende baixar o preço da “cesta básica” dos países do centro, consumidores desses produtos, permitindo um movimento aparentemente paradoxal de redução da massa salarial sem num primeiro momento reduzir o consumo. Por outro lado, observa-se nos países “subdesenvolvidos” que recebem investimentos estrangeiros na produção, que apesar dos indicadores positivos da economia, a estagnação ou até mesmo a redução do consumo de produtos tidos como essenciais é uma realidade. Recentemente foi publicada no Brasil, uma pesquisa que mostra que o consumo de gás de cozinha em 2005 retrocedeu aos níveis de 1997. Mesmo considerando outras variáveis é um consistente indicador da regressão das condições sócio-econômica da população apesar do tão festejado crescimento do PIB.

Um outro fenômeno é observado nos países ricos: apesar de inundados por mercadorias baratas vindas da periferia do capitalismo, a cada ano mais gente cai abaixo da linha de pobreza. Dados recentes do governo dos EUA expõe uma situação há muito escondida: paralelamente ao crescimento exuberante da economia, o número de americano que tem decaído abaixo dessa linha vem aumentando. A última pesquisa publicada falava em um milhão e trezentos mil só esse ano. O furacão Katrina mostrou que o sonho americano não é para todos.

A economia americana, que puxa as demais, move-se às custas de uma enorme bolha imobiliária e financeira que aumenta artificialmente o consumo das camadas privilegiadas, compensando a ausência daqueles que se descolaram do mercado cuspidos pela automação da produção. Fenômeno antes tido como marginal no capitalismo, a geração de capital fictício é defendida como fundamental para manter o crescimento econômico. A ajuda dada pelos bancos centrais desses países na formação das bolhas evidencia bem isso.

O que não se tem considerado é que a história mostra que as bolhas, como fraude da acumulação do capital, não inflam ao infinito. Ao chegarem ao limite de sua elasticidade explodem causando danos irreversíveis, proporcionais ao seu tamanho. De uma certa formas a tese das bolhas necessárias é um reconhecimento invertido da crise da valorização do valor.

30.09.2005

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