sexta-feira, dezembro 26, 2008

A economia nos tempos de crise do valor

Rall


Os fatos sucedem-se. Dessa vez acerta no coração da Wall Street. Seu algoz, o mais respeitado de todos: Bernard Madoff. Cinqüenta bilhões de dólares evaporam-se num passe de mágica e mesmo assim não deixa tão rico seu fraudador. Envolvidos nessas perdas não estão investidores desinformados, mas grandes financistas, investidores institucionais, profundos conhecedores do mercado de papéis e entusiastas de obscuras aplicações. São eles que captam dinheiro de desavisados ou não, ávidos por ganhos fáceis, e repassam aos Madoff para multiplicação. Os rituais milagrosos nos terreiros dos Maldoff, das Eron e tantos outros que haverão de se sucederem, é a história do capitalismo dos anos 80 para cá, do capital fictício simulando a acumulação.

Foi à forma que o capitalismo e seus agentes encontraram para acobertar a crise da chamada “economia real”, que com a crise do valor há muito já não é mais rentável. A expansão da atividade econômica e o lucro presumível das empresas só foram possíveis nos últimos 25 anos com o jogo financeiro. Nesse período, no decorrer dos anos, torna-se cada vez mais difícil a produção vantajosa de mercadorias descolada dos investimentos no mercado de papéis. Hoje, em todo mundo, é raro encontrar-se uma empresa não associada a um banco ou financeira, que lhe garantam o crédito fácil e o rateio do “lucro” das aplicações.

A fusão da atividade produtiva com a financeira, que no jargão dos tempos virou indústria, passa a ser total. A atividade empresarial transforma-se em apêndice da “indústria financeira” e passa a depender desesperadamente dos movimentos especulativos dessa para ser “rentável”. Os chamados ativos reais, geralmente associados a bens materiais ou imateriais, são lastros virtuais do capital fictício, e só existem enquanto valor na ficção contábil como mostra o estouro da bolha imobiliária. O tempo de trabalho socialmente necessário torna-se obsoleto como medida do valor, apesar de nas mercadorias ainda encontrar-se vestígios do trabalho abstrato.

Como crêem sair da crise?

O que se delineia não resolve o problema da não coincidência entre produção e consumo. As medidas articuladas para se contrapor a depressão podem alimentar novas bolhas. Nessa empreitada os governos assumiram a dianteira: baixam juros e jogam dinheiro à rodo no mercado, impressos nas casas da moeda, para compensar o capital que queima e as cinzas se espalham sem deixar rastros. Não obstante os tão em voga discursos demagógicos contra os especuladores, era esse capital evaporado, antes cobiçado e agora criticado, que sustentava o crédito fácil, alimentava o consumo desmedido e financiava governos. Sem ele, a atividade econômica é deprimida, o consumo e os investimentos param, e a deflação bate à porta assustando a todos.

O dinheiro fartamente distribuído pelos tesouros e bancos centrais, não passa de papel impresso sem nenhuma substância de valor, é capital fictício que se num primeiro momento estancar a deflação, pode mais na frente fazer explodir a inflação, mesmo considerando-se os mecanismos de contenção da expansão monetária que dispõe os bancos centrais. Portanto, as intervenções estatais estão longe de mudar a trajetória da crise. Podem até aliviar os sintomas, mas não cura o paciente moribundo.

Por outro lado, a esquerda tradicional, solapada pelas iniciativas da direita, se conforma em pintar com corres menos vivas os pacotes de interesse do capital. Aplaudem as medidas como o fim do neoliberalismo e clamam por um retorno ao bom capitalismo produtivo, livre da especulação financeira e regulado pelo Estado. Não é capaz de enxergar que é na produção de mercadorias que está o problema, que todo esse imbróglio financeiro surgiu como forma de empurrar para frente o trem capitalista emperrado pela baixa rentabilidade como resultado da desvalorização do valor. Avivada pela crise, a concorrência global busca novos mercados e uma maior produtividade, aprofundando a revolução tecnológica em todos os níveis da sociedade. Aumentam-se os investimentos na concentração dos meios de produção, intensificam-se as dispensas da força de trabalho, que motiva a queda da taxa de lucro realimentando a crise.


26.12.2008