domingo, outubro 08, 2006

Sobre o livro de Anselm Jappe

Rall



Nesse momento em que parte da esquerda ainda não saiu do outro lado do muro ou saiu para aderir as reformas neoliberais, o livro de Anlsem Jappe, “As aventuras da mercadoria”, é muito bem vindo. Em São Paulo, quando o livro foi lançado, acompanhado de um filme de Guy Debord no Cinesesc Augusta, um número inesperado de pessoas, principalmente jovens, mostrou que existe alguma coisa no ar.

Eventos como este indica que esquerda tradicional que no poder não se diferencia da direita tradicional, haja vista a sucessão de escândalos, já não consegue empolgar com os velhos chavões. A crítica à sociedade mercantil parece começar a fugir das fileiras partidárias e ganha as ruas com merecida liberdade. O socilogismo institucional, que por anos alimentou o movimento social, dá sinais de esgotamento e cede lugar a nova crítica não presa a estereótipos.

É nesse contexto que surge o livro de Jappe. Em linguagem acessível mostra a importância da crítica do trabalho, do valor, da mercadoria e do fetichismo em Marx, principalmente no primeiro capitulo do “O Capital” , para compreensão da sociedade da mercadoria e da crise social na qual afundamos cada vez mais, como produto da crise da “valorização do valor”, ou seja, da sociedade capitalista.

Faz um apanhado crítico da teoria do valor retomada por Gyorgy Lukács em “História de consciência de classe” e Isaak Rubin, nos anos 30, até autores mais recentes como Robert Kurz na Alemanha, Moishe Postone nos Estados Unidos e Jean-Marie Vicente na França, que chegaram a conclusões semelhantes sem nenhuma relação um com o outro, em estudos isolados.

Mostra que o trabalho, enquanto atividade humana que produz valor, é imanente à sociedade capitalista e que a diferenciação entre trabalho concreto e trabalho abstrato, o trabalho concreto como o “pólo positivo que na sociedade capitalista é violado pelo trabalho abstrato” apaga-se, pois o primeiro só existe enquanto base do segundo. Portanto, a superação da sociedade capitalista pressupõe o fim do trabalho assalariado, considerando que no processo incessante de valorização do valor, trabalho e capital são faces de uma mesma moeda.

Chama atenção a clareza com que é escrito o capítulo “A crise da sociedade mercantil”, que trata de questões muitas vezes pouco valorizada pela esquerda, mas fundamentais para o entendimento do capitalismo nos tempos atuais como o trabalho improdutivo e o domínio do capital fictício sobre a produção real, como forma de dribla a crise do valor.

Com a revolução da micro-eletrônica, o capitalismo não conseguindo definitivamente compensar o decaimento do valor com a ampliação do trabalho produtivo, todas as fichas são apostadas no chamado setor terciário, cuja expansão agravara mais ainda a crise do valor com o aumento do trabalho improdutivo. Os problemas não tardaram. Como resposta, vieram as reformas neoliberais, privatizando as atividades de seguridade social e de infraestrutura, antes tidas como de responsabilidade do estado, e cortando fundo o que cheirava a supérfluo nas empresas privadas, incluído aí benefícios como assistência médica, fundos de aposentadorias e outros resquícios das conquistas trabalhistas no fordismo. Os “encargos secundários” que não poderam ser varridos pela fúria neoliberal são terceirizados e, a partir daí, incrementa-se a mais-valia absoluta.

Apesar da ineficácia das medidas, a crise de um sistema em colapso é adiada com ajuda das bolhas financeiras que se manifestam no endividamento pessoal, das empresas e do estado e na supervalorização das ações, dos imóveis, das commodities e outros ativos. A especulação financeira de toda ordem tem criando um volume absurdo de dinheiro totalmente descolado da produção real, que mais tarde ou mais cedo terá que prestar contas através da inflação ou da deflação.

À luz da crítica do valor analisa os escritos de alguns autores em moda como André Gorz e, principalmente, a “versão pós-moderna melhorada do operaismo italiano dos anos setenta” de Antônio Negri e Michael Hardt em ácida passagem intitulada “A última mascarada do marxismo tradicional”. Em diálogo tenso mas amistoso, busca visualizar caminhos ao impasse em que se encontra o movimento social que ainda se move dentro do leque de opções determinado pela sociedade capitalista, enquanto agrava-se a crise.

Uma advertência: apesar das evidências de que o capitalismo pode ter chegado ao limite com revolução tecnológica da micro-eletrônica que faz ruir o valor, ao mesmo tempo em que cria possibilidade do alvorecer de uma sociedade não assentada no trabalho abstrato e no fetichismo, não fica fora dos horizontes a prevalência de um capitalismo cada vez mais destrutivo, afundado na barbárie vinda de todos os lados.

O livro de Jappe pode ser encontrado na Livraria Cultura ou na Editora Sem Fronteira, Fortaleza, telefone (85) 3081-2956, e-mail: criticaradical@bol.com.br


08.10.2006