sábado, agosto 21, 2010

A complexidade da crise confunde governos e analistas

Rall

As notícias sobre a crise que começaram a escassear voltam às páginas dos jornas com a queda global da produção industrial, a percepção do agravamento das dificuldades financeiras de estados europeus e os indicadores negativos do mercado de trabalho da América do Norte. A instabilidade das bolsas, com seu humor bipolar que reflete as incertezas conjunturais, mostra quão pouco é o controle que se tem sobre os fatos econômicos. Num primeiro momento parecia para os desavisados, que a entrada do Estado em cena em socorro ao seu irmão siamês, o mercado, tudo estaria resolvido. Agora, sem que os problemas do mercado tenham sido solucionados, apesar dos trilhões de dólares fabricados e despejados pelos bancos centrais ao redor do mundo, a crise assume uma feição mais grave, pois sem que a economia tenha se recuperado, as ações de socorro dos estados ou se esgotam ou simplesmente deixam de existir pelo colapso financeiro que os atingem.

Torna-se monótono a ladainha dos analistas oficiais sobre a crise, que aparenta na grande imprensa a retomada autônoma da acumulação, apesar da marcha lente da produção e do comércio nos EUA e Europa. A crise parece ter sido superada quando vista pelo olhar de observadores confiantes no desempenho dos países em desenvolvimento. Fatos novos que abalassem esta fé pareciam distantes. No entanto, enquanto o tilintar dos copos festejam o futuro promissor, desconsiderando um tumultuado passado e sem querer olhar as dificuldades do presente, forças tectônicas destruidoras acumulam-se velozmente em todas as direções enquanto se estreitam a possibilidade de novas intervenções para conter abalos no mercado que possam empurrar a economia no precipício.

A forma de manifestação da crise tende ser diferente nas diversas economias, apesar da essência ser a mesma: a crise da valorização do valor na economia real. Isso ficou claro no último encontro do G20 onde o que parecia consenso no enfrentamento da crise, transformou-se em divergências entre os Países Europeus e a América, principalmente entre EUA e Inglaterra, em relação à manutenção dos estímulos estatais e aplicar ou não planos de ajuste a dívida pública. É possível às economias se auto-sustentarem sem as transferências maciças de recursos dos Estados para os mercados? Apesar de aparentar o contrário, a maioria das autoridades financeiras acredita que não, ou, timidamente, defende a redução do déficit público carregada de dúvidas sobre a possibilidade de uma retomada autônoma da acumulação.

A questão, porém, é que o déficit público na maioria dos países fez crescer de tal forma a dívida pública que pode levar a insolvência e consequentemente ao calote, Estados tidos antes como seguros para o mercado. Os primeiros sinais desse novo fenômeno da crise vieram da Europa, sendo a Grécia, por ser parte do elo mais frágil, a primeira vítima. Outros virão na esteira destruidora da crise, não importa o tempo. A Europa, que pela história passada da dívida pública associada à hiperinflação e também a guerra, tende a lidar de forma diferente dos EUA quando se trata de déficits. A experiência americana é outra. Na segunda guerra mundial a dívida pública superou 100% do PIB, mesmo assim, no pós-guerra, o País continuou com crescimento acelerado e reduziu significativamente a relação dívida/PIB. Essa história aparentemente bem sucedida mantém-se viva na memória desse povo. Há sempre, porém o risco de histórias passadas se repetirem como farsa.

Não tendo em que se segurar por ter esgotado todas as possibilidades das políticas neokeynesiana e monetarista, os Governos dos países desenvolvidos, principalmente o americano, passa acreditar no impacto que as reformas financeiras e as regulações resultantes destas deverão trazer na movimentação do capital. Há a esperança de que os capitais saiam da especulação e aporte na produção. O capital aporta onde lhe oferece rentabilidade, a vontade dos governos não será suficiente para que este mude de rumo. Sua enlouquecida movimentação nos mais recônditos cantos do globo é determinada pelo ilimitado desejo de se multiplicar. E se não é isso que lhes oferece a economia real, vai continuar em seu movimento especulativo, mesmo que aí só se gere capital fictício e bolhas financeiras prontas para estourar. O desenrolar misteriso da crise tem mostrado que o homem não controla os fatos econômicos que agem às suas costas, apesar de terem sido induzidos pelas ações do própio homem.

21.08.2010