terça-feira, agosto 09, 2011

O segundo grande espasmo da crise

Rall

Para assumir os prejuízos do setor financeiro e de grandes empresas e compensar a redução da arrecadação em função da queda do consumo e da produção, o Estado, elevado agora à instância salvadora do mercado, vem aumentando de forma descontrolada o déficit fiscal e a dívida pública em todo mundo, desde o último espasmo da crise, 2007/2009, para compensar a queda da arrecadação e o dinheiro liberado no resgate do setor financeiro e grandes empresas. A liquidez forçada pela pelo grande volume de dinheiro despejado pelos bancos centrais no mercado, quase não utilizado no consumo e na produção como se desejava, aportou nas bolsas e nas commodities, ensaiando novas bolhas. Induzidas pela grande bolha de crédito dos Estados, era de se esperar que durassem até os primeiros sinais de deterioração das dívidas “soberanas”.

Apesar dos Estados, tomadores/emprestadores de última instância, criarem dinheiro do nada, contabilizando em contas a pagar sem nenhuma garantia a serem liquidadas com arrecadações futuras, era previsível o surgimento de graves problemas.  Qualquer contador de boteco de esquina sabe que isso poderia resultar em inflação pelo excesso de dinheiro sem substância circulante e em incapacidade dos Estados arcarem com seus compromissos pelo tamanho do serviço da dívida, levando-os a falência e arrastando consigo a cambaleante economia. O que assistimos na Europa, com início na Grécia, alastra-se a grande velocidade para outros países e continentes, mesmo aqueles aparentemente sólidos.

Como a economia real não deu nenhum sinal de recuperação de seu estado terminal com as medidas tomadas para reanimá-la, o financiamento do Estado ficou complicado, pois a arrecadação não reagia ao mesmo tempo em que se tinha de por dinheiro no setor privado. Buscou-se como saída, incialmente na Europa e logo em seguida nos EUA, conter a farra de se jogar dinheiro de avião, mesmo que fosse este papel de coloração especial. Fato que imediatamente repercutiu negativamente nos mercados. Se a economia real estagnada não consegue produzir suficientemente riqueza abstrata (dinheiro) para a alegria de todos, as transfusões de capital fictício dos Estados para o paciente agonizante não podem parar sob o risco de um final sem retorno à acumulação simulada.

Portanto, desde o estouro da bolha imobiliária e outras geradas nos mercados, exigiu-se uma intervenção dos Estados(1) jamais vista mesmo em tempos de guerra, para o que foi apelidado de Grande Recessão não se transformasse em Grande Depressão. Foram utilizados todos os artifícios na geração de capital fictício para essa operação: desde a compra de toneladas de ativos tóxicos pelos bancos centrais para recapitalizar o setor financeiro em bancarrota, até mesmo a desmensurada e irresponsável impressão de dinheiro.

A ilusão de que um segundo mergulho da economia no precipício pela quebra dos Estados poderia ser amenizado com a força dos emergentes BRICs não tem fundamento. Que força rogada, quando sabemos que esses países representam menos 25% da economia mundial e dependem do mercado dos ricos cujas economias se encontram em franco declínio? Este raciocínio esbarra ainda nas complicações da inflação ascendente, que tem se mostrado resistente às políticas monetárias aplicadas nos países emergentes, por ter como um dos seus determinantes o “afrouxamento quantitativo” (ou seja, a impressão de dinheiro sem lastro), levado a cabo pelos bancos centrais dos EUA e Europa. Por outro lado, já não existem condições para mais uma onda de megainvestimentos em infraestrutura na maioria desses países, principalmente na China, que possa reanimar as economias internas. É bom lembrar que muitos dos investimentos feitos nos últimos três anos são pouco rentáveis ou não rentáveis e jamais se pagarão. A repetição do neokeynesianismo na atual conjuntura pode ser mortal para disparada inflacionária, principalmente na periferia do capitalismo.

Depois do abandonar os discursos otimistas do que o pior já passou, governantes e analistas oficiais falam, ainda pelos cantos, na possibilidade de uma longa crise mundial, que seria cozinhada em banho-maria talvez por uma década. Há, no entanto, a resistência de se reconhecer que a crise é de uma forma de produção cujo objetivo final é a acumulação de “riqueza abstrata” (Marx), e que à dificuldade em acumulá-la nesse momento do capitalismo, responde-se com mais crédito fácil e superprodução de mercadorias, turbinada com a corrida à produtividade movida pela lógica cega da concorrência. O resultado é a destruição sem limites da natureza e dos sujeitos na irracional busca de transformar tudo em mercadoria.

A crise nos remete aos anos 80, quando a revolução tecnológica ganha grande impulso e vem liberando forças que não cabem mais na forma de produção de mercadoria. À medida que o impasse prevalece e a situação se deteriora, a saída por meios violentos surge como uma possibilidade. O assassinato em massa de jovens na Noruega é um sintoma de que monstros(2) se agitam em seus casulos ao pressentirem tempos difíceis onde gostam de navegar. 
09.08.2011