domingo, junho 30, 2013

A estratégia do poder é tomar a dianteira do movimento para melhor controlá-lo

Rall

Depois do susto das ruas, o governo e os partidos políticos buscam tomar a dianteira do movimento se articulando com as instituições-satélites. Apesar da posição defensiva frente ao movimento e algumas afirmações maldosas, as centras sindicais, levantam a bandeira de manifestações (não mais uma greve geral), e de uma marcha até Brasília. Não esperem queda da Bastilha, mas uma grande mesa de negociação, com direito a farta exposição à grande imprensa, quando será anunciado o atendimento a um grande número de reivindicações previamente acordada. De lá deverão sair o líder dos movimentos produzidos pelo poder instituído, com quem os governos poderão "negociar" sem medo, pois tem cara, nome e domicílio. Não é  a massa amorfa que a cada ocupação das ruas fica mais compacta e assusta, pois não se sabe de onde veio e para onde quer ir sem lideranças e com infinitas reivindicações.

É importante que se entenda em que contexto as centrais querem por o bloco na rua. Partidarizadas, acordam de um longo sono com o barulho das ruas e, meio que sem jeito, são empurradas pelos partidos irmãos para salva a situação. Mas hoje há uma diferença muito grande entre o que os dirigentes articulam em gabinetes e suas bases carentes de lutas. Neste ato, não estarão mobilizando os trabalhadores para um show-comício com distribuição de prêmios e falas ocas, em um espaço controlado. Nas ruas, as palavras de ordem pode ganhar um sentido que não se queria dar e a massa posta em movimento pode seguir um caminho diferente do previamente traçado. Não acho que essa carona deva ser hostilizada. Acredito que o movimento pode mobilizar para mesma data, como espontaneamente vinha fazendo, engrossando sem confronto o caldo dos que neste dia vão as ruas, mas sem abdicar das posições conquistadas.

As  centrais sindicais vão ter muito recurso para esse evento. Provavelmente água, seguranças prontos para agir contra os mais afoitos, carros com sons potentes  para inclusive abafar palavras de ordem hostis a ordem estabelecida. Tudo pago pelo imposto sindical, outrora tão criticado por garantir a continuidade de pelegos nas direções dos sindicatos. Essa relação tão estreita com o poder, inclusive a cobrança pelo Estado desse imposto dos trabalhadores e repassado as centrais e sindicatos, faz dessas organizações entidade quase-estatais. Aliás, uma boa ideia para este dia é o movimento recobrar a palavra de ordem pelo fim do imposto sindical, excrescência da ditadura de Vargas, antes tão em moda nas oposições sindicais e hoje situação, bandeira agora enterrada como se enterra um produto radioativo pelos seus próprios formuladores para o resto da vida.

Os sindicatos e suas entidades maiores, já nasceram no Brasil amarrados à lógica das políticas autoritária do Estado, que pretendia arbitrar e "harmonizar" os conflitos trabalhistas. A subsunção do trabalho ao capital é completada com um arcabouço jurídico que regula as relações de compra e venda da força de trabalho. A chamada justiça do trabalho foi criada com essa finalidade. É impossível admitir a existência de "liberdade sindical", mesmo nos limites do campo de opção dado pela sociedade capitalista, considerando  todo emaranhado de leis tecidas em nome da "paz social" para administrar a ação, e a cooptação forçada das entidades que, para sobreviverem, dependem de um imposto cobrado arbitrariamente dos trabalhadores, sindicalizados ou não, além de outras benesses estatais. Tudo leva a uma acomodação burocrática.

A perda de autonomia dos sindicatos aumentou na medida em que de "correia de transmissão" como antes já funcionavam, atrelaram-se em definitivo aos partidos políticos, aprofundando sua dependência ao poder estatal e as políticas por este traçado após o fim da ditadura militar. Isso faz uma grande diferença entre a autonomia do movimento que tomou as ruas, que busca independência do Estado, dos partidos políticos, das direções verticalizadas das entidades atreladas e que tem o apoio 81% dos brasileiros (Folha de São Paulo - 29.06.2013), do que querem as centrais sindicais com sua mobilização retardatária. No entanto, pode o movimento responder nas ruas a esse chamado, mobilizando com intensidade e alegria, com autonomia e sem violência, organizando-se horizontalmente a partir dos vários pontos das cidades, mas não permitindo que sua energia criadora seja usurpada por organizações burocratizadas, cujo desejo em consonância com os partidos e governos é de "que tudo deve mudar para que tudo fique como está” *.

*Il Gattopardo, de Giuseppi Tomasi Di Lampedusa


30.06.2013

domingo, junho 23, 2013

Rastro de fogo que não se apaga*

Rall

As ruas continuam sendo ocupadas agora por jovens e adultos. Num sentimento difuso de insatisfação nunca visto nesse País, os jovens pressionam os pais para que sigam o mesmo caminho. Muitos terminam aderindo por convicção ou medo de deixa-los sozinhos na multidão. E o que ouvimos das pessoas próximas, mesmo aquelas mais pacatas e, como diríamos, poucas chegadas a qualquer outra discussão que não seja relacionada a seu mundo familiar, é que é preciso fazer alguma coisa para mudar o rumo da história. O que ouvimos empiricamente é confirmado nas pesquisas de opinião que mostram um poio de até 72% as manifestações.  Apesar dos vários motivos que tem levado o apoio e a adesão tão maciça as ruas, há um eixo comum que é o repudio as formas políticas e a sensação da incapacidade do institucionalizado resolver os problemas deixados no rastro da crise global.  

O movimento pelo passe livre e a repressão policial nas primeiras manifestações, foi só a fagulha que incendiou este País dos grandes centros urbanos a mais pacífica vila do interior. Há muito que esse combustível foi consumido. A maioria esmagadora que hoje sai às ruas nem se quer sabe da existência desses ou daqueles grupos. Sai às ruas por que querem manifestar sua indignação, por não mais aceitarem a mediação dos políticos, dos grupos, dos que se acham donos dos movimentos e da opinião alheia e tentam canalizar a explosão de energia para acumular poder. Por outro lado, vê-se que a imprensa e o Governo forçam o estabelecimento de “porta-vozes” como forma de domar o movimento. O que diferencia esse movimento dos outros e garante uma energia crescente que a todos contamina é a espontaneidade e a horizontalidade.

Por outro lado, para que ele resista ao embate com as forças repressivas, que sentem ameaçada suas supostas lideranças, inclusive os grupos que gostam de se apropriar e aparelhar os movimentos segundo seus interesses, é necessário aprofundar a organização horizontal, com discussões nas escolas, nos bairros, nas empresas, buscando aonde for possível às formas mais direta de participação, e que se aprofunde o entendimento do que têm levado as pessoas às ruas. Encontros já vêm acontecendo em vários lugares, mas parece ainda restrito aos momentos de elaboração de cartazes e outros materiais de difusão das manifestações. O meio disponibilizado pela tecnologia de informação, permitindo a comunicação entre as pessoas em tempo real, tem funcionado como um tremendo facilitador na implementação das organizações horizontalizadas.  

O movimento vem apresentando uma grande resistência ao mandonismo dos que se acham no direito de conduzi-lo, ou seja, a todo tipo de autoritarismo tão arraigado à sociedade brasileira e as práticas políticas. As reações negativas aos partidos políticos começam a ser taxada por certos grupos com interesse especifico como “reacionária,” numa tentativa de reprimir e por na defensiva a grande massa portadora desse sentimento. Toda e qualquer manifestação de violência deve ser contida e condenada. No entanto, o que se observa é uma repulsa a esse tipo de organização, própria da sociedade burguesa, que já não consegue dar resposta às demandas sociais e vem perdendo rapidamente sua legitimidade enquanto representante dos interesses da sociedade e dos anseios por mudanças. É isso que os partidos de esquerda e seus grupos satélites querem negar.  Sem nenhum auto-questionamento das suas práticas políticas, resmungam contra a direção tomada pelo movimento e se isolam sem nada entender.  Mas, o impacto do real é muito mais transformador nas cabeças das pessoas do que o engodo contido nos discursos vazios.

Porém, não podemos deixa de reconhecer que os impulsos espontâneos das massas não se sustentam por muito tempo e o movimento ou parte deste, pode ser acoplado a elementos regressivos, sob pressão do “sujeito automático” (Marx), se se mantém à superfície do cotidiano das pessoas. O aprofundamento das discussões, a apropriação dos conhecimentos necessários ao entendimento da realidade em crise, o rompimento das dicotomias entre os que pensam e os que fazem na prática política e a organização interna ascendente é importante para que o movimento prossiga e alcance novos patamares. É possível ensaiar a construção coletiva do conhecimento e da ação, da práxis que transcenda as reivindicações mais imediatas e questione a socialização capitalista. Essas questões não estão postas no momento atual do movimento, cuja consciência obnubilada da crise do valor manifesta-se em um indefinido mal-estar social.

* Tomei emprestado o título de uma citação em um dos romances de Don DeLillo, se a memória não me falha, ou de outro autor.  

23.06.2013

quinta-feira, junho 20, 2013

Quando as ruas são ocupadas

Rall

As manifestações nas ruas de São Paulo apontam para um distanciamento da forma tradicional de se fazer política. A retumbante vaia, na última segunda-feira, dirigida a um pequeno grupo que portava bandeira de um determinado partido de esquerda, é a expressão de um sentimento de descrédito em relação aos partidos e repúdio a política, sentimento que vai além dos que estavam na manifestação. A percepção de que os partidos, não importa a cor, quando no poder abandonam suas bandeiras transformadoras ou não, e passam a síndicos da burguesia e administradores da crise socioeconômica, girando e manipulando em torno de seus interesses excludentes em relação ao conjunto da sociedade, difunde-se rapidamente principalmente entre os jovens. O movimento que se articula em claro confronto com as formas ardilosas das políticas partidárias, deve estar pondo a velha esquerda em pavorosa ao sentir o mar, que antes navegava e manipulava a vontade, revolto e sem controle.

A credibilidade dos políticos e seus partidos, em baixa há muito tempo, não mais se sustenta com a crise que escancara a impossibilidade desta forma de organização enfrentar novos desafios que exijam respostas  fora das fronteiras da sociedade produtora de mercadorias. O jogo jogado no espectro direita/esquerda sempre se deu nos limites da sociedade capitalista, mesmo considerando as diferenças de atuação. Quando a margem de manobra se estreitou, por ter a lógica interna do capitalismo atingido o limite absoluto, os partidos, que nasceram umbilicalmente ligados a essa forma de produção, com ela entraram em crise. O que observamos nos movimentos sociais que ressurgem, é uma salutar desconfiança em relação a esse tipo de organização e a contestação da sua legitimidade enquanto meio de expressão dos desejos de transformação que assolam o mundo.

É muito comum ouvir-se que esses movimentos não apresentam um projeto claro de mudança. Não poderia ser diferente. Qualquer tentativa de direcionar o movimento para este ou aquele caminho deve ser visto no mínimo com cuidado, pois, sem um amadurecimento, pode desembocar no mesmo beco sem saída dos partidos políticos. A resistência ao desmantelamento dos serviços de saúde, educação, previdência social, transporte etc, que se apresenta como reivindicações pontuais do movimento, pela melhoria da qualidade e mais serviços gratuitos, apesar de insuficiente enquanto crítica social mostra-se mobilizador. No entanto, a crítica radical as categorias do capitalismo deve sim vir acompanhada das lutas, se o que se deseja são mudanças reais, ou ela se esgotará em si mesma, frustrando as expectativas.

Esse é um bom momento para rever-se o equívoco da esquerda tradicional que confunde estatismo com socialismo. Clarear a função do Estado Moderno na sociedade capitalista e a relação deste com o mercado como partes de um todo indissoluvelmente articulado. O Estado teve um papel fundamental na consolidação do capitalismo. Na acumulação primitiva era o Estado que mandava seus exércitos e armadas expropriarem e saquearem. As sangrentas guerras coloniais, tão importantes na expansão global do capitalismo, foram promovidas pelos estados nacionais colonialistas. A  concorrência entre estados/nações pela riqueza disponível que normalmente desembocava e ainda desemboca em guerras, a competição entre empresas, da mesma forma que as lutas do movimento operário, foram os principais motores que impulsionaram os avanços das ciências e a revolução tecnológica, aumentando a produtividade e criando condições para se superar o modo de produção capitalista. Pode se dizer que o Estado foi moldado pelas lutas sociais e até chegou ao Estado de Bem Estar Social em muitos países. Porém, é nos interregnos da bonança que o Estado mostra sua verdadeira face. Na crise atual, nunca houve tanto dinheiro, mesmo que seja fictício disponibilizado pelos estados e seus bancos centrais para os setores privados, enquanto os gastos sociais minguam. E aí não se faz diferença entre países ricos e pobres.

A mobilização, ajudada pela tecnologia de informação e pela repressão policial, mostrou que existe uma energia no ar com potencial transformador e poder de expansão. Porém, movimento para se sustentar vai depender de seus erros e acertos. É difícil traçar caminhos. Os movimentos sociais geralmente ganham dinâmica própria. Isto não quer dizer que não se faça sentir as ações de indivíduos ou, principalmente, de grupos organizados que muitas vezes tentam canalizar a energia mobilizada para seus objetivos. Se não podemos predizer o comportamento dos movimentos sociais, é possível, porém, refletir sobre o que pode levar um movimento refluir. A paciência que as pessoas tiveram ao suportar o trânsito infernal, por exemplo, pode transformar-se em impaciência e resistência. Logo, as passeatas quando banalizadas podem perder apoio e força, desgastando e isolando o movimento da população, que deve ser vista em perspectiva como a grande aliada. Qual o limite? Difícil dizer. É importante buscar outras formas de mobilização e diversificar. Outro problema são as ações que destoam do movimento levadas a efeito por grupos organizados. Tendem ser espetaculares, geralmente com fins bem definidos,  buscando mobilizar a atenção da grande imprensa e de parcela do movimento. As provocações visando desestabilizar e isolar não pode deixar de ser consideradas em qualquer manifestação. O aparelho repressivo é mestre neste jogo.

As manifestações podem se esgotar com o atendimento de reivindicações mais imediatas. Tanto o Estado e seus órgãos repressivos, como o próprio movimento, podem passar a impressão que as questões se resolveram aí. Isso pode ter duas consequências: se as reivindicações foram atendidas e o movimento continua, fica mais fácil justificar a repressão junto à população. Por outro lado, o movimento pode esvaziar-se ao limitar as expectativas às questões mais pontuais, como por exemplo, a redução das tarifas dos transportes coletivos que podem ser atendidas. É preciso transformar as reivindicações das questões que mobilizam em "gancho" para aprofundar a discussão da crise do capitalismo, as sequelas sociais daí advindas, e como ultrapassar os limites do campo delimitado pela sociedade produtora de mercadorias e suas instituições para superar o momento atual. O caminho em direção as reais mudanças que ainda não está dado é longo, exige determinação, paciência e solidariedade.



20.06.2013

sábado, junho 01, 2013

Notas sobre a crise e emancipação

Rall


1. A finalidade do processo de produção capitalista é a produção de mais valia para o capital. Não a produção de valor de uso para atender necessidades. A utilidade da mercadoria é marginal e subordinada a “valorização do valor”. Não se produz o que não dar lucro, por mais útil que seja o produto. No processo de produção absorve-se mais trabalho do que foi comprado. A absorção do trabalho vivo não pago pelo trabalho morto, adicionando mais valor, é o objetivo da produção capitalista. No capitalismo, portanto, trabalho produtivo é aquele capaz de “adicionar valor ao valor antigo”, num processo contínuo de valorização do capital só interrompido pelas crises. A revolução tecnológica da microeletrônica, que tem levado a automação da atividade humana, dispensando o uso da força de trabalho na produção de mercadorias, reduz a geração global de mais valia e, consequentemente, o stock de capital "real", uma inversão da lógica interna do capital.

2. A onda de terceirização surge como forma das empresas se livrarem do trabalho improdutivo e dos setores meios, permitindo que estes setores em mãos de terceiros, constituídos em empresas, tornem-se produtivos no sentido de produzir mais valia. A possibilidade de trabalhadores transformarem-se em patrão de si mesmo foi enaltecida nos quatros cantos do globo por décadas como defesa da desregulamentação das relações de trabalho e da terceirização. No entanto, a relação de trabalho continua existindo entre o trabalhador considerado “autônomo” e a grande empresa; a compra da força de trabalho se realiza com a formalização de um contrato onde a responsabilidades sociais deixam de existir. A terceirização é uma forma experta de se intensificar a produção de mais valia, inclusive absoluta, sempre acompanhada de precarização do trabalho. O trabalhador desregulamentado nunca se libertou da relação com o capital, pois sua autonomia limita-se em vender sua força de trabalho na condição de “autônomo” ou ser contratado por empresas de serviços terceirizados onde os salários e condições de trabalho são degradantes. Na luta pela apropriação de parcela da mais valia social, as empresas detentoras de marcas ou que centralizam a produção, impõem às terceirizadas e suas condições e preços. Estas por sua vez, tentam manter a rentabilidade sempre negociando para baixo o valor da força de trabalho.    

3. A fórmula neoliberal da terceirização, não se revelou o Santo Graal da retomada da economia como se vaticinava. Deixa-se agora com o Estado e o mercado a função de estimular a economia, através geração crescente de capital fictício pelos mais variados mecanismo, onde se inclui o crédito ao infinito, as mais diversas formas de "inovações" e especulação financeira, e a pura e simples impressão de dinheiro sem substância de valor, que necessariamente desembocam em bolhas. As crises financeiras instalam-se em tempos cada vez mais curto e com dimensão cada vez maior, sem o controle dos governos e dos mercados apesar da aparente regulação, como forma destruidora do capital financeiro excedente. As crises financeiras tendem a se alastrar, atingindo a economia real, principalmente os setores aonde o capital fictício é mais fortemente reciclado. A tendência é, portanto, com o aumento da frequência dessas crises, a paralisia regressiva da totalidade da economia mundial, cuja manifestação assimétrica causa euforia e depressão expressadas nas análises bipolares dos analistas econômicos burgueses.

4. O excesso de capacidade instalada e superprodução de mercadorias, outra faceta da crise, acirra a concorrência global. Os países melhor posicionados quanto à capacidade de impor preços, rotulados como competitivos, mesmo à custa de salários miseráveis quando comparados aos demais, e que utilizam uma gama de incentivos para suas empresas exportarem, tendem a desbancar os demais do mercado internacional numa concorrência sem trégua, levando a desindustrialização de vastas regiões e Continentes, ao despejarem aí mercadorias baratas e sem concorrentes. É o caso da China em relação principalmente aos países em desenvolvimento, que são rebaixados a condição de fornecedores de matéria prima da "fábrica do mundo".

5. Pelo lado dos países ditos desenvolvidos, os EUA vêm adotando uma política de "reindustrialização", com incentivos e pesados investimentos em tecnologia, como forma de reverter os circuitos deficitários e sair da crise. O repatriamento da manufatura não traz de volta os empregos como muitos esperam, ao contrario, ao saírem de regiões onde se faz uso intensivo da força de trabalho, reinstalam-se com uso intensivo de capital fixo, dispensando a força de trabalho(1). Quando observado globalmente, no balanço geral há aumento da produtividade e redução do trabalho empregado. O País torna-se competitivo, mas tendem a reduzir ainda mais a massa total de mais valia, ou seja, a valorização global do capital pelo fechamento de postos de trabalho em outros países. O Brasil e semelhantes, que há pouco tempo atrás eram vistos como motores auxiliares da retomada do crescimento, derrapam feio com um PIBs medíocres. O que era esperança para os países em recessão, principalmente na Europa, agora vira problema, pois tendem agravar a conjuntura.

6. As formas de trabalho humano nos recantos do mundo já não escapam mais a subsunção ao capital. Por outro lado, o trabalho torna-se cada vez mais supérfluo com as novas formas de produção que utilizam máquinas e equipamentos com grande densidade tecnológica. Chama atenção como a administração familiar ao longo dos anos vem sendo rapidamente varrida das empresas em todo mundo, para dar lugar a uma administração 'profissional' que se ajuste a uma competição feroz e crescente do capitalismo em crise. Portanto, já não é mais supérflua só a força de trabalho dos trabalhadores desempregados, mas também dos capitalistas da administração familiar não adaptados aos novos tempos de fazer dinheiro com rapidez e a qualquer custo, ou os que administram empresas com recursos insuficientes para investimentos em tecnologia e gestão quando se tem que  lidar com a velocidade estonteante do capital financeiro metamorfoseando-se nos mercados.

7. No momento em que Marx dissecava a lógica interna do capital, ainda se preservava algumas formas de produção artesanal ou pré-capitalista. A medicina, o ensino, a arte e outras formas de produção autônoma que pareciam resistir ao tempo foram empresariadas. Mesmo o mais singelo consultório, ou o mais animado artista de rua, estão umbilicalmente ligados à geração de valor e, em última instância, na sua relação com o todo da sociedade capitalista, de fazer dinheiro, não importa o serviço que estão a oferecer ou a qualidade da arte que se propõe a expressar. Nada hoje escapa a lógica do valor, nem as mais santas cabeças. Já nascemos imersos nesse substrato que invade e domina nossas mentes, define nosso jeito de ser apressados atrás do dinheiro, transformando-nos em zumbis do valor. Emancipar é nos libertar, num esforço coletivo, dessa situação que nos aprisiona.

8. A emancipação passa pelo despertar desse sono letárgico em que os humanos foram lançados, embalados pelo desejo de acumulação de riqueza abstrata. Esse despertar pode ser os primeiros passos para saída da crise, que não podem ser dados sem buscar a emancipação. O impasse entre essa possível saída e o aprofundamento da crise, se duradouro, pode jogar homens e mulheres em décadas ou séculos de horrores, impossível predizer. Por outro lado, o tempo para conter a velocidade dos espasmos destrutivos da economia capitalista e as mudanças climáticas advindas da lógica dessa forma produção, vai se encurtando. Buscar sair da crise em direção à emancipação é lutar para deixar de ser zumbi da coisa-mercadoria, coisa-dinheiro, domar a produção desencantando o seu produto para que de fato possa atender as reais necessidades das pessoas em equilíbrio com a natureza.

01.06.2013