domingo, fevereiro 15, 2009

O Protecionismo e seus conteúdos

Rall

Os primeiros gritos em defesa do emprego e da produção nacional começam ecoar nos países europeus e nos EUA. É um indicador importante da incapacidade dos políticos e das camadas dirigentes reverterem a crise sistêmica com os mecanismos monetários ou keynesianos conhecidos. Buscam-se remédios antigos para uma situação que vinha se acumulando desde o início dos anos 80, quando se acelera a destruição de empregos com o impacto das novas tecnologias utilizadas na produção de mercadorias. A cada sinal da crise que estava por vir, aumenta-se a produtividade e novos postos de trabalho são fechados; a concorrência, em todos os níveis da sociedade, torna-se cada vez mais feroz, e, para compensar a queda da massa total de mais valia e lucro, infla-se ativos reais e imaginários, como forma enganosa de garantir o crédito em expansão para os próximos séculos, e com isso o consumo.

Já vejo o indignado leitor, com o dedo no gatilho, oferecendo-se para ser parte do pelotão de fuzilamento pronto a ajustar contas com aqueles que trapacearam o mundo. Calma senhores, não é bem assim! Quantos de nós nos locupletamos utilizando as vantagens oferecidas pelo sistema financeiro para fazer nosso dinheiro “crescer”? O que investimos em papéis, mesmo que sejam os restos de um minguado salário, obedece à mesma lógica do mega-investidor de bilhões de dólares. Essa lógica, que é a lógica do capital de fazer mais dinheiro, fictício ou não, se estabelece na sociedade capitalista independente das vontades mais poderosas. O discurso, culpando a especulação financeira pelos sofrimentos do “bom capital produtivo” é demagógico, pois, apesar de toda reclamação continuam pondo trilhões de dólares no sistema colapsado. É perigoso, pois desvia a atenção dos motivos reais da crise e elege setores da sociedade como bode expiatório de uma lógica cega e destrutiva, sem nenhum átomo de crítica.

Nas crises do capitalismo, em particular essa pela sua dimensão global e pela dificuldade de se enxergar no horizonte saídas, onde se destrói sem piedade capitais e milhões de empregos, pondo em risco a sobrevivência de parte da população do planeta, traz à tona não só o medo, mas o que há de pior gerado no cotidiano barbarizado e recalcado em tempos “normais”. Os acenos dos governos ao protecionismo refletem a incapacidade de gerenciarem a crise, mas também as pressões daqueles que ao verem seus empregos ameaçados, buscam no outro o motivo de sua miséria. O conflito se estabelece não só com o outro de fora, mas também com o outro de dentro, o imigrante. E o outro de dentro já não é só mais o imigrante dos continentes distantes: África, Ásia, América Latina, esse há muito saco de pancada dos grupos e partidos de direita de conotação racista e fascista. O outro de dentro é o próprio europeu do leste, mesmo aqueles dos países que fazem parte da União Européia.

A crise ainda não mostrou sua verdadeira face, mas as notícias do ressentimento de trabalhadores da Europa Ocidental contra os que ocupam postos de trabalho por uma mísera remuneração são cada vez mais evidentes. É como fossem estes os culpados pela destruição de empregos e precarização do trabalho e não a busca incessante do capital por maior rentabilidade. O aumento da intolerância dos governos com os imigrantes é o outro lado da moeda. Aonde se assume mais abertamente a repressão ao imigrante, como na Itália de Berlusconi, são os primeiros sinais do que está por vir com o agravamento da situação. Acusar os imigrantes e outros grupos minoritários pela crise do trabalho e pela insegurança na sociedade, é uma estratégia nada desprezível para se ganhar o apoio das massas ameaçadas pelo desemprego ou já desempregada, deixando incólume o capitalismo de uma crítica mais categorial. O alimentado medo do terrorismo completa o cerco que se fecha na Europa contra extrangeiros e filhos destes já há muito estabelecidos.

Nesse caldo de cultura, a generalização da violência de grupos nacionalista, racistas e protofacistas, hoje esporádica, é uma possibilidade, como também o crescimento dos partidos de direita xenófobos, que com seus discursos belicosos e simplistas aumentam as tensões contra os de “fora”, acusando-os de invadir a sociedade ocidental com mercadorias baratas, principalmente a tão parcamente remunerada força de trabalho, ameaçando os sagrados empregos do homem branco ocidental. Corre ainda nesse rio caudaloso, pronto a se tingir de vermelho, um antissemitismo surdo e rancoroso, nunca totalmente extirpado da sociedade européia, principalmente nesse momento em que no capital financeiro são depositadas todas as mazelas da crise global do capitalismo. Nos momentos mais destrutivos da crise, a guerra interna e externa, como forma extrema da política na sociedade burguesa, é sempre uma solução, regressiva, mas racionalmente planejada.

15.02.2009