segunda-feira, dezembro 31, 2018

A crise que se avizinha de 2019


Rall Canti

Responsabilizar a crise pele ganância dos bancos, é uma simplificação chula dos fundamentos da crise. Achar também que há muita dívida e pouca poupança, é manter-se na superfície do fenômeno e leva a interpretações equivocadas que a crise pode ser resolvida, solucionando as dívidas através do aumento da poupança. Só que não se enxerga que na crise da “valorização do valor”, a retomada autônoma da acumulação como no final das crises cíclicas do passado, sem bombear de forma permanente dinheiro sem valor na economia, agora torna-se impossível. 

Analista burgueses e da esquerda tradicional mantêm-se presos a esse passado e não avançam um milimetro na crítica da crise, acreditando na possibilidade de que os expurgos do capital fictício, das dívidas impagáveis, das empresas não lucrativas, com o fechamento de muitas delas, produzidos pela força destruidora da crise, fará renascer um novo mundo capitalista mais produtivo, novas tecnologias de produção com potencial de ampliar o mercado para novos produtos e incorporação da força de trabalhos supérflua. Porém o que se observa a nível global é o endividamento crescente, o encolhimento da força de trabalho e a formação de novas bolhas de capital fictício como meio de adiar o colapso total, mas que tendem a explodir na mesma velocidade com que se forma, com danos irreparáveis a economia.

Achar que a crise pode ser superada com mais poupança, onde não se pode mais poupar; solucionando-se as dificuldades do crédito, eliminando ou reduzindo as dívidas a patamares aceitáveis, onde o aumento das dívidas surge como solução, mesmo que ilusória, capaz de evitar a paralização do modo de produção capitalista, empurrando para frente desfechos mais severos, é não entender a essência categorial da crise.

A “destruição criativa” de Joseph Schumpeter, tão popular à direita e à esquerda, já não se aplica a essa nova forma de crise que atinge profundamente as categorias reais do capitalismo como valor, trabalho, mercadoria, dinheiro, mercado mundial, Estado, Nação, direito, política, democracia e a relação entre gênero na construção social do masculino e feminino, desarranjando todo edifício social construído a ferro e a fogo durante os séculos de consolidação do capitalismo para dar sustentação à acumulação do capital.

O que tenderá suceder quando crescentes montanha de créditos podres vergarem sobre sua base e nova crise financeira se instalar, será um salto no endividamento dos Estados e do setor privado, como vimos em 2008, apesar de ser o peso da dívida o desencadeante desse processo. Esse ciclo, sempre acompanhado do aumento das dívidas, tende a se repetir em tempos cada vez mais curtos, até o esgotamento desse artifício com a paralisia da produção em um momento determinado e falência das instituições construídas para serem os pilares da sociedade capitalista, como aliás já se observa.  
    
Com o aprofundamento da crise de valorização do capital e a redução da taxa de lucro, a tendência das empresas é operarem no vermelho, ficando na dependência crônica do crédito e da geração de capital fictício especulando com o sistema financeiro. A economia global está cheia de empresas zumbis, que endividadas e operando no negativo, só existem sustentadas pela especulação financeira, mantendo a base material como garantia para especular. Sobrevivem pelo endividamento permanente e crescente e pelo jogo que lhes permite se apropriar ou não de parte do capital fictício gerado no mercado financeiro ou no Estado. Na verdade, o objetivo das empresas é fazer dinheiro, não importa se produzindo mercadorias gerando mais-valia ou, quando a produção desta não é possível, buscando outros meios como a especulação financeira capaz de gerar dinheiro fictício para ser reciclado na produção. A produção material transforma-se em uma forma de “esquentar” o dinheiro sem substância e, ao mesmo tempo, o substrato material que garante às empresas o direito à especulação.

O segredo da aparente solução da última crise do crédito (2008), foi o deslocamento da dívida do setor privado para o público, com o aumento da dívida total. Ou seja, além da política de zerar os juros ou de juros negativos e da compra de papeis sem nenhum valor do setor privado pelos bancos centrais, das renuncias fiscais aumentando o déficit e a dívida pública, o setor privado teve que se endividar, mesmo que com juros negativos para fazer o dinheiro girar.

As duas operações mais comuns, envolvendo grande volume de dinheiro emprestado, são as operações de carry trade, onde o operador toma dinheiro em um país com taxas de juros baixas, para investir em moeda de outros país que oferece taxas de juros altas, embolsando a diferença. A outra, as empresas tomam muita dívida para comprar as próprias ações.
   
Por que as empresas tomam muita dívida para comprar suas ações? O efeito da crise do valor nas empresas de um modo geral, é a desvalorização. Para “superar” esse efeito tendem especular na bolsa comprando suas ações, fazendo que as mesmas subam, apresentando-se ao mercado a partir da bolsa como uma empresa aparentemente lucrativa e sólida, estimulando terceiros comprar também ações em busca de lucro, levando a uma valorização fictícia de seu patrimônio.

Parte dessas empresas há muito deixaram de ser lucrativas, sobrevivem como zumbis alimentando-se de capital fictício. Um abalo na bolsa, por menor que seja, ou em outras áreas que corte o suprimento de capital fictício, pode levá-las à dificuldades e até mesmo a falências. Não se sabe a extensão das empresas que não conseguem mais sobreviver gerando mais-valia suficiente capaz de “valorizar o valor” na produção, mas pelo número das endividadas e pelo volume de empréstimos que envolvem operações especulativas, não devem ser poucas. Hoje é difícil encontrar uma empresa que não esteja envolvidas nesses tipos de operações, mesmo as aparentemente sólidas no que diz respeito a produção de mercadorias.

Outro tipo de operação muito comum em tempos de juros baixos nos países do centro, mas altos na periferia, é tomar empréstimos no centro para especular na periferia do capitalismo, praticando o carry e outras formas de especulação. A facilidade de se gerar dinheiro, mesmo que fictício, nesse tipo de operação, leva os operadores acreditarem que não estão sujeitos a variáveis não controladas e situações de volatilidade como crise cambial, aumento de juros, que podem levar a desvalorização súbita das moedas dos países da periferia, como observado recentemente no Brasil e na Turquia, que causaram grandes perdas e aumento das dívidas das empresas envolvidas nesse tipo de operações.

Além dessas, outros tipos de especulações financeiras estão presentes e já não se pode separar o que é só mercado financeiro operado por bancos ou corretoras e o que são empresas do chamado setor produtivo não rentáveis envolvidas nisso, que para manterem a aparência de lucrativas, necessitam desesperadamente de empréstimos e dessas operações geradoras de capital sem substância.

Apesar dos altos riscos e da consciência da volatilidade das moedas, principalmente nos países da periferia do capitalismo, um reflexo da instabilidade da economia global, quem consegue ter acesso a empréstimos, em moedas a juros baixos ou negativo para aplicar em operações de carry trade nos mercados de câmbio em moedas com juros elevados, não deixa de fazer, pois acreditam que o retorno alto compensa o alto risco.

Mas isso é parte do movimento do capital que não conseguindo o retorno esperado na economia real, busca lucro fácil e rápido, mesmo cientes dos riscos de os juros subirem nos países onde são tomadores e caírem nos países onde o dinheiro emprestado é aplicado.

Se o mercado de ações cair, seca uma importante fonte geradora de capital fictício, fundamental, como todos reconhecem, para fazer girar, mesmo que em falso, a economia global.

Quando a “valorização do valor” era o esperado na economia real e a especulação fugia a norma, o mercado de ações era dirigido pela situação em que se encontrava a economia, e a valorização das ações das empresas estavam associadas aos momentos de valorização do capital. Com a crise do valor levada a efeito pelo aumento da produtividade, movida pela concorrência e a expulsão do trabalho -substância do valor- da produção, dificultando a valorização do capital, a situação se inverteu: as bolsas passaram a subir acionadas por mecanismos especulativos construídos pelas empresas e pelo capital financeiro, como tomar dinheiro emprestado a juros baixos ou negativos, para comprar suas ações fazendo-as subir, valorizando artificialmente seu patrimônio, gerando com isso capital fictício que volta à economia real para ser reciclado.

De fato, a economia real não dirige mais nada com a crise de valorização do capital, se alimenta por um enorme volume de capital fictício gerado pelo crédito e manipulação do dinheiro emprestado, e pelo dinheiro fácil despejado pelos órgãos dos Estados, gestores da economia como os Bancos Centrais.

Com o capital-dinheiro circulando à velocidade da luz, buscando se reproduzir a todo custo, as crises financeiras se instalam em velocidade semelhante e passam a fazer parte do que os economistas burgueses chamam do “novo normal”, ou seja, crises financeiras cada vez mais frequentes e cada vez mais destrutivas. Essa é a lógica quando se busca saídas nos limites do modo de produção estabelecido. Frente a crise da economia real que não consegue mais produzir “riqueza abstrata”, jogar dinheiro através do crédito (não precisa ser de helicóptero), cada vez mais sem limite no tempo, foi a forma inicialmente encontrada para empurra para frente o enfrentamento do problema. Como esse mecanismo começou a se esgotar - e a crise de 2008 expressou isso - apelou-se para impressão de dinheiro, compra de crédito podre pelos bancos centrais, renuncia fiscal e aumento do endividamento dos Estados. Por outro lado, o mercado financeiro e as empresas nele mergulhado, a medida que a crise do valor se aprofunda, tornam-se mais criativos e agressivo na busca do capital e na geração nunca vista de capital fictício.   

A dívida pública e privada em crescimento constante, em determinado momento torna-se impagável e desaba sobre si mesma. Então, a geração de capital fictício tende a emperrar, tornando-se as montanhas de dívidas acumuladas nesse processo altamente inflamável. Uma simples faísca, e a economia e a política em crise têm soltado muitas, vira uma labareda infernal donde nada escapa. 

Se as bolsas desabarem como esperado e as taxas de juros subirem ainda mais, empresas endividadas sem condições de honrar compromissos, ao perderem as fontes que lhes garantem os empréstimos para valorização fictícia de suas ações, não conseguirão pegar dinheiro no mercado para pagar as dívidas. Mas esperam confiantes, que suas dívidas agora impagáveis, sejam “compradas” mais uma vez pelos bancos centrais e que os governos ajudem com renúncias fiscais como ocorreu em 2008.

A história pode se repetir em 2019, mas o socorro esperado a economia global pode vir como farsa.

31.12.2018

segunda-feira, outubro 29, 2018

O paradoxo da produtividade e aumento do trabalho improdutivo como sintoma do agravamento da crise do valor

Rall Canti


A imprensa especializada tem publicado uma série de artigos onde, tardiamente, analista econômicos com Martin Wolf, Adair Turner e outros, depois de muitas dúvidas frente aos fatos que não podem mais ser negados, reconhecem que o aumento da produtividade pela automação da produção gera desemprego e que o trabalho humano se torna supérfluo. Acompanhando essa discussão há uma tentativa de explicar a queda da produtividade média na economia global que, segundos os analistas, é a principal causa da estagnação e, até mesmo, da redução salarial.

Em recente artigo, no jornal Valor Econômico Adair Turner afirma: “os trabalhadores individuais podem encarar como estimulantes muitas ocupações nas quais é impossível, no todo, contribuir para o bem-estar geral”. Entenda-se “ocupações nas quais é impossível, no todo, contribuir para o bem-estar geral”, como trabalho improdutivo não gerador de mais-valia e de acúmulo de capital

Mais na frente afirma: “…a pista do paradoxo da produtividade pode estar nas atividades onde os trabalhadores que perderam o emprego passaram a trabalhar. David Graeber, da London School of Economics, argumenta que 30% de todo o trabalho é realizado em "empregos mambembes", que são desnecessários para produzir bens e serviços verdadeiramente valiosos, mas que advêm da competição por renda e "status".

Se o desemprego que acompanha o aumento da produtividade, como constata o analista, tem como resultado a geração de empregos “mambembes” que são desnecessários para produzir mercadorias, valor, mas são necessários para atender demandas sociais ou das empresas, seria, então, a expansão dessa forma de “ocupações nas quais é impossível, no todo, contribuir para o bem-estar geral” a outra ponta do “paradoxo da produtividade?”

Em síntese, poderíamos concluir das afirmações acima citadas pelo presidente  do Instituto para o Novo Pensamento Econômico e ex-presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido, que o aumento da produtividade na economia, que leva a eliminação de empregos produtivos e o aumento da produção de bens e serviços, parcela dos trabalhadores que se tornaram supérfluo, ao retornar ao mercado encontram vagas em atividades onde a força de trabalho não produz, mas consome mais-valia: empregos improdutivos considerando a lógica de reprodução do capital, que não contribui para formação de “riqueza abstrata’’, dinheiro.

A soma zero a que se refere, só pode ser entendida se considerarmos o deslocamento de trabalhadores de empregos produtivos para empregos improdutivos com o aumento da produtividade dos primeiros. É possível aí um “jogo” onde para que um ganhe outro tem que necessariamente perder. Esse jogo torna-se mais acirrado e os empregos cada vez mais precarizados, a medida que a massa total de mais-valia vai se contraindo com o aumento da produtividade, evento impossível de ser detectado quando o olhar não ultrapassa a superfície do mercado, limita-se a análise ao comportamento dos capitais individuais e de seus agentes na busca imediata de uma maior lucratividade. 

Mas mesmo considerando o crescimento proporcional do emprego improdutivo, o balanço é negativo: fecha-se mais postos de trabalho do que são ofertados. As empresas em concorrência para gerar e se apropriar de uma maior fatia da mais-valia, incorporam mais tecnologias que dispensam trabalho, aumentando o número de desempregados. Só parcela pequena destes, voltam ao mercado em empregos que geralmente não produz mais-valia. Como a expressão monetária da massa salarial nesse ambiente é finita e com tendência a redução, o excedente da força de trabalho tende empurrar para baixo os valores monetários dos salários nos empregos gerados.

Em países como o Brasil, a rotatividade no trabalho em tempo cada vez mais reduzido, que empurra os salários para baixo e torna a legislação trabalhista inócua, é a expressão desta realidade. Além do desemprego, a cada ano que passa o emprego precarizado torna-se mais instável, forçando a redução dos salários sem aumento da produtividade para garantir o lucro das empresas.  Seria isso um retorno à mais-valia absoluta, mesmo considerando o modo de produção capitalista se caracteriza pela tendência em criar mais-valia relativa?

As empresas mais competitivas ganham mercado de outras, sem, no entanto amplia-lo, ao reduzir os preços das mercadorias e, ao mesmo tempo, se apropriam de uma parcela maior da mais-valia relativa pela redução dos custos da força de trabalho. No entanto, a massa total de mais-valia tende a cair com o movimento que se inicia com aumento da produtividade por pressão da concorrência, aumento da taxa de mais valia-relativa e, paradoxalmente, redução da massa total de mais-valia por tornar supérfluo o trabalho produtivo.

Se nesse jogo o que conta é a produção e distribuição de “riqueza abstrata”, apesar dos vencedores individuais no curto prazo, a tendência é uma queda na acumulação dessa riqueza. Essa lógica cega, onde os vencedores são obrigados eliminar “trabalho abstrato” – o alimento da galinha dos ovos de ouro – para vencer, não é percebida pelos agentes do capital. Ao contrário, só podem conhecer a vitória enquanto concorrentes singulares se seguirem essa lógica destrutiva, mesmo que a galinha seja mais na frente sacrificada, pondo cada vez menos ovos, até cessar de produzir este tipo de riqueza.  

Como o trabalho improdutivo não produz mais-valia, o interesse em aí aumentar a produtividade é tardio e estar mais relacionado ao que é usualmente conhecido como redução do desperdício, ou seja, redução do consumo improdutivo da mais-valia. O movimento contra tudo que dificulta o lucro das empresas, teve grande impulso no Ocidente, a partir dos anos 80 do século passado, com Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos EUA, quando foram criadas as condições jurídicas para a terceirização do trabalho improdutivo em larga escala. A solução encontrada foi a constituição de empresas especializadas, que passaram a prestar os serviços necessários, agora a partir da organização do trabalho vivo produtivo em substituição ao que antes era incorporado à produção como trabalho improdutivo. Esse movimento deu fôlego curto a produção de mais-valia e ajudou a deixar para trás na geração de “riqueza abstrata” o bloco do chamado socialismo real e congêneres da periferia do capitalismo.

O movimento para zerar todo trabalho improdutivo e aumentar o lucro das empresas, continuou pressionado pela concorrência. Mais recentemente, a cientifização da produção apresentou novos resultados com a introdução de tecnologias integradas e a utilização de inteligência artificial na organização do trabalho, na gestão e na produção, com automação de setores antes não alcançada. Criam-se, então, as condições para automatização das atividades nos serviços, reduzindo com isso a necessidade de terceirização das atividades administrativas improdutivas. Os aplicativos contábeis já disponíveis no mercado, podem eliminar, total ou parcialmente, a necessidade de contratar trabalho dos escritórios de contabilidade, com resultados mais precisos e mais rápidos, só para citar um exemplo entre muitos. Essa nova fase do uso das tecnologias, tende impacta negativamente na criação de novos empregos, “mambembes” ou não, aprofundando a crise do trabalho e do valor.    

Marx denominava de “improdutivo” o trabalho, que apesar de necessário, não era capaz de gerar “riqueza abstrata”, considerando que o único objetivo do modo de produção capitalista é reproduzir essa forma de riqueza que se expressa na forma dinheiro. Na sociedade capitalista as duas formas de trabalho, produtivo, gerador de mais-valia, e improdutivo que só consome e não gera mais-valia, convivem e atende as necessidades dessa forma de produção. A mesma fábrica que precisa do trabalhador produtivo para fabricar pneus ou outras mercadorias, necessita do contador para calcular os custos de produção dos pneus e o dinheiro que retorna para o bolso do capitalista acrescido do lucro.

Com o aumento da produtividade pela introdução de máquinas que substitui os trabalhadores produtivos na linha de produção das indústrias, nos serviços e na agricultura, o trabalho improdutivo se mantém e, até mesmo se expande relativamente ao trabalho produtivo para atender antiga e novas demandas. Observemos essa passagem no mesmo artigo em que o articulista trata das “atividades de soma zero”: “Várias ocupações se enquadram nessa categoria: cibercriminosos e os especialistas cibernéticos empregados pelas empresas para rechaçar seus ataques; advogados (tanto pessoais quanto corporativos); boa parte das transações financeiras e da gestão de ativos; contadores fiscais e autoridades de arrecadação; publicidade e marketing para consolidar a marca X em detrimento da marca Y; políticos em campanha e institutos de análise e pesquisa que defendem políticas públicas opostas; e mesmo professores que tentam garantir que seus alunos obtenham as notas relativas mais elevadas para sustentar o sucesso futuro.”

Continuando, “…os dados disponíveis sugerem que as atividades de soma zero cresceram significativamente. Como destacaram Gary Hamel e Michele Zanini em artigo na "Harvard Business Review", cerca de 17,6% de todos os postos de trabalho americanos, que recebem 30% do total dos salários, são em funções "de gestão e administrativas", que tendem a envolver significativa atividade de soma zero.”

Portanto, a medida que a automação avança na indústria, na agricultura e nos serviços, tende eliminar postos de trabalhos produtivos e improdutivo, mas tende expandir relativamente postos de trabalho improdutivos, sem, no entanto, freiar o aumento do desemprego. Há de se considerar nessa tendência o aumento das atividades assistenciais e do cuidado de toda ordem, mesmo considerando que nem todo trabalho assistencial é improdutivo conforme a lógica do capital.

Trabalho não gerador de mais-valia, são geralmente por sua natureza de baixa produtividade. A queda da produtividade geral na economia, pode está relacionada a esta tendência na geração de novos empregos. Com a intensificação da revolução tecnológica pode-se afirmar: primeiro, quando visto na totalidade, o número de postos de trabalho gerado é inferior aos postos de trabalho fechados, não importa a forma de trabalho. Segundo, dos empregos gerados a grande maioria não produzem mais-valia, mas consomem, são improdutivos do ponto de vista do capital e, de modo geral são de baixa produtividade quando considerado a produção de bens e serviços por trabalhador. A crise do valor, da acumulação de “riqueza abstrata”, tem em sua origem a expulsão da produção do trabalho produtivo, substância do valor, pelo aumento da produtividade. A tendência em aumentar o trabalho não gerador de mais-valia, quando comparado com o trabalho produtivo, agrava mais ainda a crise de valorização do capital.     


A relação da crise do valor com o capital fictício e as crises financeiras e ecológica

O aumento da produtividade pela automação da produção, tornando supérfluo o trabalho, derrete a substância do valor, o “trabalho abstrato”. Sem o trabalho produtivo vivo, a valorização do capital que se dá pela geração da mais-valia tende a reduzir até paralisar. A revolução tecnológica traz consigo questionamentos da forma de produção capitalistas. Primeiro, com o aumento da produtividade e substituição do trabalho por máquinas, pode parar a reprodução da “riqueza abstrata”. Segundo, apesar da escassez do dinheiro substancializado, todos tem contas a pagar. Terceiro, a escassez da “riqueza abstrata” torna a concorrência mortal: empresas e nações são forçadas buscar novas tecnologias para aumentar a produtividade se não quiser ficar para trás ou fechar as portas. Quarto, quanto mais tecnologia, maior a produtividade, mais desemprego, maior produção de bens e serviços, menos trabalho produtivo de mais-valia. Sexto, a redução da produção de mais valia leva a uma maior oferta de crédito antecipando a mais-valia futura e a geração de mais dinheiro dessubstancializado, ou seja, “sem lastro”, termo antes usado no sistema padrão-ouro, para designar o dinheiro sem valor, quando o ouro, na forma de equivalente geral, forma-dinheiro, era ultrapassado pela circulação excessiva de papel-moeda que passava a não mais espelhar o valor real do ouro no mundo das mercadorias. Esse excedente de papel-moeda em relação ao ouro, funcionava como dinheiro fictício que era depurado nas crises conjunturais do capitalismo. Hoje, o papel-moeda excedente em relação a “riqueza abstrata” real é gerado pelo crédito, supostamente garantido por uma mais-valia futura que nunca virá a ser produzida, ou seja, dinheiro “sem lastro”, capital fictício cujo o volume só cresce.

O padrão-ouro foi rompido durante a primeira guerra mundial, quando as potências européias em guerra decidiram imprimir dinheiro sem lastro no ouro, capital fictício para financiar o conflito armado. Logo após o final da guerra o padrão-ouro foi restabelecido de forma precária, pelos países vencedores. Em 1944 o padrão libra-ouro, que perdurou de 1870 a 1914, deu lugar com o Acordo de Bretton Woods ao padrão dólar-ouro que vigorou até 1971, quando os Estados Unidos pressionado pela dívida interna e a imprimir dinheiro para financiar as despesas militares e guerras como a do Vietnã, romperam o acordo que permitia a conversibilidade do dólar em ouro, abolindo unilateralmente o sistema padrão-ouro, que não mais se sustentava numa economia militarizada que exigia o financiamento de guerras regionais cada vez mais difíceis e caras. Manifestam-se aí sinais fortes de que a produção de mais-valia já não era suficiente para financiar as despesas correntes.         

A forma encontrada para dribla o colapso total da produção capitalista, foi jogar para um futuro incerto a realização da mais-valia, através de um crédito que se refinancia à velocidade da luz. Como a valorização não pode mais se dar na produção automatizada que dispensa o “trabalho abstrato”, substância do valor, as máquinas dos bancos centrais são postas em movimento para imprimir dinheiro sem substância, para tapar os buracos abertos no sistema financeiro pelo crédito malparado. O mercado ajuda conforme seus interesses, rolando as dívidas contraídas no passado e no presente para serem resolvidas não se sabe quando; os créditos podres, sem pagadores à vista, são sepultados para sempre; a especulações financeiras e nas bolsas passam a ser vistas como partes da “normalidade” econômica. O capitalismo só se sustenta fraudando seus fundamentos com a produção de capital fictício pelo Estado e pelo setor privado. A naturalização da pós-verdade é parte do processo de subjetivação desse momento de ruína do sujeito do valor que busca na ideologia pós-moderna alimento para suas ilusões.

Sem solução para o crédito, as dívidas crescentes vão se amontoando e apodrecendo, até quando não mais se sustentam desabam sobre si mesma na forma de crise financeira, que se repetem em intervalos que tendem ser cada vez mais curtos e mais destrutivas. O que parecia absurdo e era tão criticado, o dinheiro fácil gerado do nada, retorna com mais força e já se preparando para o próximo baque – vide pós 2008. Hoje, o capital fictício resultante da compra de crédito podre pelos bancos centrais dos países do centro do capitalismo e da especulação financeira, já ultrapassa em muito o período pré-crise financeira de 2008. Quem está pagando a conta neste momento são os países da periferia do capitalismo, mas isso não salva o centro: quando por aqui as águas malcheirosas do rio transbordar com inusitada força como se desenha, a lama deve sujar feio a porta dos ricos e adentrar seus condomínios num tsunami perfeito.           
  
A crise do “trabalho abstrato” é a crise da valorização do valor e do dinheiro. Se os desempregados não conseguem vender sua força de trabalho para subsistir, o capitalista só consegue investir usando o dinheiro sem substância da fraude. Porém, apesar da crise do valor, a produção de riqueza material e imaterial aumenta. Num determinado ponto do caminho percorrido pela produção capitalista, as duas riquezas “abstrata” e os valores-de-uso - materiais e imateriais - se bifurcam e se distanciam sob pressão do aumento da produtividade resultante da revolução tecnológica. A “riqueza abstrata” que tem como medida o “tempo socialmente necessário” à produção de uma determinada mercadoria, se torna escassa pela falta da substância do valor. Então, a produção da riqueza material é acelerada pelo aumento da produtividade como forma de compensar a perda da substância do valor, o “trabalho abstrato”.

Ao acelerar a produção de mercadorias para compensar a desvalorização, a natureza é volvida sem preocupação com a destruição total. A terra em visível aquecimento se transforma num imenso lixão seco e molhado, com o ar, os oceanos, a fauna, os rios e florestas definhando. A crise do valor e a crise da natureza engalfinhadas, fazem parte de um mesmo todo em processo.
          

O aumento da produtividade pela incorporação de novas tecnologias - A Terceira Revolução Industrial

A incorporação de novas tecnologias seja na gestão, seja na organização da produção com automação visando toda “cadeias de valores”, impacta profundamente na produtividade e no emprego como vimos, principalmente após a Terceira Revolução Industrial da micro-eletrônica que teve início nos meados dos anos 70 do século passado. Esse novo momento, movido pela concorrência entre empresas e nações vem, rapidamente, tornando supérfluo o trabalho humano na mesma velocidade em que aumenta a produtividade.

A intensificação da cientifização da produção com a incorporação de novas tecnologias em setores de ponta da indústria, que teve como marco a automação da indústria automobilística nos anos 70 do século passado, expande-se rapidamente para os outros setores da economia. Nesse período, os países que não conseguiram acompanhar esse movimento, muitas vezes por falta de recursos para investir em máquinas e equipamentos, por políticas econômicas e de desenvolvimento científico-tecnológico equivocadas, ou por estados falhados e disputas internas fratricidas entre facções, deixaram de ser competitivos e foram atingidos pelo fenômeno da desindustrialização por não suportar a concorrência global. 


A cientifização e a incorporação de novas tecnologias de automação, intensifica-se na indústria e espalha-se pela agricultura e serviços com grande movimentação da força de trabalho

Três momentos do desenvolvimento do capitalismo resultam em grandes levas migratórias do campo para cidade nos últimos séculos. O primeiro momento, no transcorrer da revolução industrial do século XVIII e XIX sedenta de força de trabalho nos principais países europeus. O segundo, a introdução do fordismo e a massificação da produção, que teve seu auge um pouco depois do meado do século XX, exigiu novos contingentes de mão-de-obra para suprir a expansão da indústria nas áreas urbanas em todo mundo industrializado, principalmente após a segunda guerra mundial. O terceiro momento, mais recente, caracteriza-se pela onda de cientifização e automação da produção que atinge fortemente o campo e pela expansão da grande propriedade rural do agronegócio.

No Brasil, esse processo que teve início nos anos setenta do Século passado, pequenos proprietários arrancados da terra, ou trabalhadores que perderam o emprego para as máquinas, são empurrados para periferia dos centros urbanos. Nas duas primeiras situações, a dispensa da força de trabalho pelos saltos tecnológicos e aumento da produtividade, foram acompanhadas pela expansão da força de trabalho com o surgimento de novos ramos de produção e abertura de novos mercados. Não podemos afirmar o mesmo para o terceiro momento, principalmente do final dos anos 80 para cá, quando o desemprego passa a ser um fenômeno crônico.

Sem expectativas, o trabalho supérfluo passa compor o contigente de desempregados crônicos em contínuo crescimento. Periferias, e as vezes cidades inteiras nos arredores de grandes centros urbanos, sem infraestrutura para receber os fluxos migratórios, acumulam conhecidos problemas além da falta de trabalho: ausência do Estado e ocupação territorial pelo crime organizado, violência de toda ordem com altos índices homicídios principalmente de jovens e pessoas negras, falta de  moradia, creche, escolas, saneamento básico, serviços de saúde entre outros.

Mais recentemente, uma nova onda de automação potencializada pelo desenvolvimento da inteligência artificial, avanço da robótica e integração de tecnologias, intensifica-se na indústria e ganha corpo nos serviços, com robôs que atendem desde Cal Center à investidores na bolsa, transações bancárias e mercado financeiro, veículos coletivos e pessoais autônomos, traduções, reconhecimento facial, segurança urbana, comércio varejista, serviços de saúde, advocacia, só para citar os mais evidentes. Esse movimento de automação que por enquanto percorre veredas, mas tem pela frente enormes avenidas a ocupar, é chamado nos países do centro do capitalismo por onde começou de Quarta Revolução Industrial pelo impacto que vem causando na produção industrial, agrícola e serviços e no mundo do trabalho.

As tecnologias mais recentemente incorporadas, além de atingir em cheio o setor serviço que antes era tido como “repositório” sem limites do trabalho dispensado na indústria e na agricultura, permite que as fábricas funcionem praticamente só com robôs altamente especializados em atividades variadas, em turno de 24 horas, dispensando da produção praticamente toda força de trabalho. Apesar do grande avanço tecnológico e da produtividade que se vislumbra, esse processo que se autonomiza e foge ao controle dos sujeitos econômicos, expõe a “pulsão da morte” latente na lógica cega que organiza a sociedade capitalista e seu modo de produção.

O desemprego maciço resultante das rupturas estruturais do passado nos momentos de crise, era resolvido seguindo a retomada da acumulação e expansão dos mercados, em um novo patamar das forças produtivas. Agora tornou-se crônico e global, pois na Terceira Revolução Industrial da microeletrônica, os trabalhadores dispensados da produção, são quantivamente superiores aos admitidos.

Por outro lado, o grande contigente de força de trabalho supérflua e em crescimento, pressiona os salários para baixo e precariza as atividades dos que conseguem se manter empregados. Com as nuvens negras que despontam no horizonte, fala-se nos países do centro do capitalismo em programa de renda mínima e cobrar impostos de robôs, proposta defendida por personagens como Bill Gates, que deve saber do que está falando. São saídas fadadas ao fracasso por estarem presas aos limites definidos pelas categorias do capital.


O limite interno do capitalismo

“Pela primeira vez na história o ‘trabalho abstrato’ é questionado pelo próprio desenvolvimento do capitalismo (Kurz)”. Essa nova forma de crise indica que o capitalismo chegou a um impasse e se aproxima rapidamente do limite do seu desenvolvimento. No entanto, com a cientifização da produção e o aumento da produtividade nunca se produziu tanto, a riqueza material nunca foi tão abundante, com potencial para resolver os problemas básicos das populações como alimentação, vestuário, moradia, saneamento etc., mas continua inacessível a parte significativa da população do Globo.

Porém, não se pode dizer o mesmo do dinheiro que se “dessubstancializa” pelo derretimento do “trabalho abstrato”, substância do valor. Esse descolamento das duas formas de riqueza com o aumento da produtividade (riqueza material em superprodução e “riqueza abstrata” em franco declínio) desemboca em crises que no passado eram superadas com a retomada da acumulação em um nível superior de produção e consumo, depois da economia ser limpa das empresas não rentáveis, do capital fictício e a retoma da expansão do mercado.

Como na crise atual não se vislumbra retomadas com absorção da mão de obra desempregada, esta torna-se crônica enquanto o desemprego continua aumentando. A massa humana supérflua, que não encontra mercado para sua força de trabalho, não consegue acessar os bens materiais necessários à sobrevivência por ser o dinheiro o único meio de adquiri-los, apesar da abundância com que são ou podem ser produzidos.

Por outro lado, as guerras e a fome na periferia do capitalismo, acompanhadas de fluxos migratórios caóticos, que confrontam-se em países onde os deslocados buscam abrigo com populações amedrontadas pela crise e pela violência da situação, constitui-se um caldo de cultura apropriado para surgimento do populismo autoritário, onde demagogos prometem os céus com uma profusão de mentiras como marketing político e, ao mesmo tempo, buscam construir no imaginário social representações de riscos iminentes com discursos alarmistas, para pelo medo manter a servidão das massas ao que lhes interessa. Ao mesmo tempo apresentam para os indivíduos assombrados soluções simplistas para problemas complexos.

São sujeitos geralmente com um histórico de autoritarismo, sexismo, racismo e anti-semitismo, que antes não encontravam ressonância ao destilarem ódio e propagar a violência. Esses fenômenos não se restringem apenas aos países europeus e aos EUA. Existem à direita e à esquerda, versões de milagreiros ou assemelhados nos países da periferia do capitalismo, pois são manifestações dos mesmos contextos do desespero gerado pela crise categorial.


Com os bens já disponíveis e um potencial para planejar e direcionar a produção para as necessidades essenciais, respeitando os limites da natureza, é possível, se rompermos com os paradigmas que nos amarram às categorias em dissolução (trabalho, mercadoria, valor dinheiro, Estado, mercado…), avançarmos para um futuro menos sombrio, mais luminoso para liberdade e mais igualitário, considerando as condições objetivas de produção. Mas se a consciência embotada insistir em soluções que nos prendem a lógica cega dessas categorias em crise, podemos retroceder ou escorregar sem retorno no precipício da barbárie, se antes a vida na terra não for esturricada pelo aquecimento global que é parte da mesma situação.


30.10.2018