sábado, maio 05, 2012

O Brasil, os BRICs e o Mundo

Prisioneiros do espírito da época, incerto,
Não busque saída fácil da opressiva prisão,
O salto é grade, transcende as revoluções.
Que quebrem grilhões em pontos infectos!
(Autor desconhecido)

Rall

Os sinais de ruína da economia mundial continuam vindos de todos os cantos. Na Europa, um grande número de países entrou em recessão enquanto agrava-se o desemprego, a crise da divida soberana e o déficit fiscal mantem-se alto. Na Espanha, o desemprego beira os 25% da população economicamente ativa; mais de 50% dos jovens estão sem trabalho, outro tanto vivendo de bico ou retornando para casa dos pais. A situação da Inglaterra não é nada fácil; quando comparado os números pode-se afirmar que a situação é pior do que em 1929 (1) . A chamada recuperação da América do Norte começa mostrar sinais de fraqueza com o  PIB e a geração de empregos revistos para baixo; o setor imobiliário, tão importante na dinâmica da economia ianque, não consegue encontrar o fundo do poço. E a China, a "fábrica do mundo", o mais renomado membro do BRICs, desacelera pressionada por problemas quase insolúvel em sua economia.

Seria enfadonho citar as dificuldades pelas quais passam outros países, principalmente da Zona do Euro e do Leste Europeu. Apesar do intrincado da economia mundial, e de ser impossível analisar esta ou aquela situação descolada do todo, no Brasil, o otimismo dos analistas e governantes estar em alta. Esse otimismo se justifica frente à situação mundial? O Brasil, como seus pares do BRICs, serão capazes de driblar a crise e ainda darem um empurrãozinho no crescimento mundial, como muitos vaticinam? Qual a natureza dessa crise, cujas dimensões ainda não se têm clareza?  Entre tantas, essas são perguntas que devem ser perseguidas para não se aderir a respostas simplificadas que se fundamentam nas premissas austeridade versos estímulos para sair da crise.

Alguns elementos indicam que a acumulação capitalista como a conhecemos pode ter chegado ao seu limite, apesar de que a história mostra que um modo de produção pode levar séculos em crise, afundando-se na barbárie, antes de dar lugar a outro depois de muita luta e sofrimentos. Mas, a intensidade com que o capital fictício substitui a acumulação real, indica que esse tempo para o capitalismo pode já não mais ser tão longo. A velocidade com que o avanço tecnológico expulsa o trabalho da produção, movido pela concorrência que não permite outro caminho para os “vencedores” que não seja o aumento da produtividade, garantindo as empresas de ponta uma rápida sobrevida antes da obsolescência (“ao vencedor, as batatas”, já dizia o Mestre Machado), mostra que capitalismo “serra o galho em que estar sentado".

Com raras exceções, as empresas brasileiras, como também as dos outros países que formam o BRICs, estarão sempre atrasadas em relação às dos países ricos que detém o monopólio da tecnologia. Há concessões, mas daquilo que já não interessa mais como as indústrias que processam produtos ainda não acabados ou de baixo valor agregado, geralmente poluidoras e de uso intensivo de mão-de-obra, e as montadoras em geral, como forma de reduzir os custos do produto final das linhas mundiais de produção. Muito desses produtos semi-processados, entram como insumos no processo produtivo dos países ricos e, em sua forma final, são consumidos nesses mercados ou voltam aos países de origem. A maior fatia da mais-valia total, gerada nessa extensa e complexa rede de produção, fica com os países do centro, detentores de conhecimento e tecnologia de ponta.

Se fizéssemos um recorte para melhor entendimento, podemos afirmar que a cadeia de suprimentos da produção capitalista, pode ter início na matéria- prima explorada e exportada pelo Brasil para China (ou outros países, claro), que ao sofrer transformações pode ser exportada como produto semi-acabado ou final para os EUA, e aí consumido ou novamente transformado pela indústria em mercadoria que pode ser vendida no mercado interno ou externo. Outra possibilidade: as matérias-primas e os insumos de alta tecnologia importados, podem ser transformados em produto final nas fábricas chinesas e exportados para o resto do mundo ou consumido no mercado interno. Essa é a lógica de funcionamento do grande circuito deficitário entre os EUA e China, que alimentou as bolhas financeiras e ajudou a manter o crescimento econômico global até 2008.

Aí entre componentes importantes de conhecimento e tecnologia, supridos pelas empresas dos países do centro do capitalismo, que se beneficiam do baixo custo da força de trabalho ofertada pelos países periféricos para produzir mercadorias. Um exemplo clássico é da Apple, cuja montagem de seus produtos eletrônicos de alta tecnologia, é totalmente terceirizada para China e outros países que oferecem mão-de-obra qualificada e barata, o que a transforma numa empresa lucrativa e competitiva no mercado global, à custa de uma brutal exploração. Se olharmos com cuidado os espelhados produtos da Apple, podemos enxergar muita coisa, inclusive o bagaço de corpos donde são extraídos os últimos quantum de energia capazes de se converterem em mais-valia absoluta. 

Em países como o Brasil, a dificuldade de competir com os produtos vindos de fora, não estar relacionada só com um câmbio desequilibrado pela sobrevalorização da moeda local sob o efeito da especulação financeira global. A baixa produtividade do trabalho, a infraestrutura precária e a posição ocupada na produção mundial de mercadorias enquanto País em desenvolvimento é mais importante que o câmbio, pois é daí que se estabelecem as desvantagens cambiais. A desigualdade intrínseca ao desenvolvimento do capitalismo e as posições determinadas por quem detém maior desenvolvimento tecnológico e a força das armas, não se resolve com discursos animados.

Apesar da assimetria no desenvolvimento capitalista, a tendência das empresas em todo mundo, movidas pela concorrência, é inovar tecnológica e gerencialmente em busca de maior produtividade e competitividade. Em suma, a tendência global é a expulsão e redução da incorporação da força de trabalho à produção. Como a formação de capital só pode realizar-se com o consumo de trabalho produtivo na produção de bens e serviços, capaz de gerar mais-valia, ou seja, lucro, e como a tendência é a redução dessa forma de trabalho e a expansão do trabalho improdutivo, no sentido de que se consome, mas e não se gera mais-valia, surge aí um déficit na acumulação real que se busca cobrir com a formação de capital fictício, que se evapora na mesma velocidade com que se forma. São as crises financeiras.

A chamada crise da dívida do Brasil, Argentina e México nos anos 80/90, para citar as mais evidentes na América Latina e de memória recente nos países ocidentais em desenvolvimento, ecoou em todo mundo. Há muito mais motivos para acreditarmos agora, em repercussões maiores dos efeitos da crise que assola as nações ricas nos países periférico, como sempre aconteceu, mesmo porque se vive uma crise global do capitalismo. É uma grande ilusão imaginar os BRICs navegando contra a maré e agindo como salva-vidas dos náufragos, pois seus frágeis barcos estão inexoravelmente amarrados ao destino da grande embarcação dos continentes capitalistas avançados, que afundam em lenta agonia com o peso da crise de valorização do valor.
 
05.05.2012