segunda-feira, dezembro 31, 2018

A crise que se avizinha de 2019


Rall Canti

Responsabilizar a crise pele ganância dos bancos, é uma simplificação chula dos fundamentos da crise. Achar também que há muita dívida e pouca poupança, é manter-se na superfície do fenômeno e leva a interpretações equivocadas que a crise pode ser resolvida, solucionando as dívidas através do aumento da poupança. Só que não se enxerga que na crise da “valorização do valor”, a retomada autônoma da acumulação como no final das crises cíclicas do passado, sem bombear de forma permanente dinheiro sem valor na economia, agora torna-se impossível. 

Analista burgueses e da esquerda tradicional mantêm-se presos a esse passado e não avançam um milimetro na crítica da crise, acreditando na possibilidade de que os expurgos do capital fictício, das dívidas impagáveis, das empresas não lucrativas, com o fechamento de muitas delas, produzidos pela força destruidora da crise, fará renascer um novo mundo capitalista mais produtivo, novas tecnologias de produção com potencial de ampliar o mercado para novos produtos e incorporação da força de trabalhos supérflua. Porém o que se observa a nível global é o endividamento crescente, o encolhimento da força de trabalho e a formação de novas bolhas de capital fictício como meio de adiar o colapso total, mas que tendem a explodir na mesma velocidade com que se forma, com danos irreparáveis a economia.

Achar que a crise pode ser superada com mais poupança, onde não se pode mais poupar; solucionando-se as dificuldades do crédito, eliminando ou reduzindo as dívidas a patamares aceitáveis, onde o aumento das dívidas surge como solução, mesmo que ilusória, capaz de evitar a paralização do modo de produção capitalista, empurrando para frente desfechos mais severos, é não entender a essência categorial da crise.

A “destruição criativa” de Joseph Schumpeter, tão popular à direita e à esquerda, já não se aplica a essa nova forma de crise que atinge profundamente as categorias reais do capitalismo como valor, trabalho, mercadoria, dinheiro, mercado mundial, Estado, Nação, direito, política, democracia e a relação entre gênero na construção social do masculino e feminino, desarranjando todo edifício social construído a ferro e a fogo durante os séculos de consolidação do capitalismo para dar sustentação à acumulação do capital.

O que tenderá suceder quando crescentes montanha de créditos podres vergarem sobre sua base e nova crise financeira se instalar, será um salto no endividamento dos Estados e do setor privado, como vimos em 2008, apesar de ser o peso da dívida o desencadeante desse processo. Esse ciclo, sempre acompanhado do aumento das dívidas, tende a se repetir em tempos cada vez mais curtos, até o esgotamento desse artifício com a paralisia da produção em um momento determinado e falência das instituições construídas para serem os pilares da sociedade capitalista, como aliás já se observa.  
    
Com o aprofundamento da crise de valorização do capital e a redução da taxa de lucro, a tendência das empresas é operarem no vermelho, ficando na dependência crônica do crédito e da geração de capital fictício especulando com o sistema financeiro. A economia global está cheia de empresas zumbis, que endividadas e operando no negativo, só existem sustentadas pela especulação financeira, mantendo a base material como garantia para especular. Sobrevivem pelo endividamento permanente e crescente e pelo jogo que lhes permite se apropriar ou não de parte do capital fictício gerado no mercado financeiro ou no Estado. Na verdade, o objetivo das empresas é fazer dinheiro, não importa se produzindo mercadorias gerando mais-valia ou, quando a produção desta não é possível, buscando outros meios como a especulação financeira capaz de gerar dinheiro fictício para ser reciclado na produção. A produção material transforma-se em uma forma de “esquentar” o dinheiro sem substância e, ao mesmo tempo, o substrato material que garante às empresas o direito à especulação.

O segredo da aparente solução da última crise do crédito (2008), foi o deslocamento da dívida do setor privado para o público, com o aumento da dívida total. Ou seja, além da política de zerar os juros ou de juros negativos e da compra de papeis sem nenhum valor do setor privado pelos bancos centrais, das renuncias fiscais aumentando o déficit e a dívida pública, o setor privado teve que se endividar, mesmo que com juros negativos para fazer o dinheiro girar.

As duas operações mais comuns, envolvendo grande volume de dinheiro emprestado, são as operações de carry trade, onde o operador toma dinheiro em um país com taxas de juros baixas, para investir em moeda de outros país que oferece taxas de juros altas, embolsando a diferença. A outra, as empresas tomam muita dívida para comprar as próprias ações.
   
Por que as empresas tomam muita dívida para comprar suas ações? O efeito da crise do valor nas empresas de um modo geral, é a desvalorização. Para “superar” esse efeito tendem especular na bolsa comprando suas ações, fazendo que as mesmas subam, apresentando-se ao mercado a partir da bolsa como uma empresa aparentemente lucrativa e sólida, estimulando terceiros comprar também ações em busca de lucro, levando a uma valorização fictícia de seu patrimônio.

Parte dessas empresas há muito deixaram de ser lucrativas, sobrevivem como zumbis alimentando-se de capital fictício. Um abalo na bolsa, por menor que seja, ou em outras áreas que corte o suprimento de capital fictício, pode levá-las à dificuldades e até mesmo a falências. Não se sabe a extensão das empresas que não conseguem mais sobreviver gerando mais-valia suficiente capaz de “valorizar o valor” na produção, mas pelo número das endividadas e pelo volume de empréstimos que envolvem operações especulativas, não devem ser poucas. Hoje é difícil encontrar uma empresa que não esteja envolvidas nesses tipos de operações, mesmo as aparentemente sólidas no que diz respeito a produção de mercadorias.

Outro tipo de operação muito comum em tempos de juros baixos nos países do centro, mas altos na periferia, é tomar empréstimos no centro para especular na periferia do capitalismo, praticando o carry e outras formas de especulação. A facilidade de se gerar dinheiro, mesmo que fictício, nesse tipo de operação, leva os operadores acreditarem que não estão sujeitos a variáveis não controladas e situações de volatilidade como crise cambial, aumento de juros, que podem levar a desvalorização súbita das moedas dos países da periferia, como observado recentemente no Brasil e na Turquia, que causaram grandes perdas e aumento das dívidas das empresas envolvidas nesse tipo de operações.

Além dessas, outros tipos de especulações financeiras estão presentes e já não se pode separar o que é só mercado financeiro operado por bancos ou corretoras e o que são empresas do chamado setor produtivo não rentáveis envolvidas nisso, que para manterem a aparência de lucrativas, necessitam desesperadamente de empréstimos e dessas operações geradoras de capital sem substância.

Apesar dos altos riscos e da consciência da volatilidade das moedas, principalmente nos países da periferia do capitalismo, um reflexo da instabilidade da economia global, quem consegue ter acesso a empréstimos, em moedas a juros baixos ou negativo para aplicar em operações de carry trade nos mercados de câmbio em moedas com juros elevados, não deixa de fazer, pois acreditam que o retorno alto compensa o alto risco.

Mas isso é parte do movimento do capital que não conseguindo o retorno esperado na economia real, busca lucro fácil e rápido, mesmo cientes dos riscos de os juros subirem nos países onde são tomadores e caírem nos países onde o dinheiro emprestado é aplicado.

Se o mercado de ações cair, seca uma importante fonte geradora de capital fictício, fundamental, como todos reconhecem, para fazer girar, mesmo que em falso, a economia global.

Quando a “valorização do valor” era o esperado na economia real e a especulação fugia a norma, o mercado de ações era dirigido pela situação em que se encontrava a economia, e a valorização das ações das empresas estavam associadas aos momentos de valorização do capital. Com a crise do valor levada a efeito pelo aumento da produtividade, movida pela concorrência e a expulsão do trabalho -substância do valor- da produção, dificultando a valorização do capital, a situação se inverteu: as bolsas passaram a subir acionadas por mecanismos especulativos construídos pelas empresas e pelo capital financeiro, como tomar dinheiro emprestado a juros baixos ou negativos, para comprar suas ações fazendo-as subir, valorizando artificialmente seu patrimônio, gerando com isso capital fictício que volta à economia real para ser reciclado.

De fato, a economia real não dirige mais nada com a crise de valorização do capital, se alimenta por um enorme volume de capital fictício gerado pelo crédito e manipulação do dinheiro emprestado, e pelo dinheiro fácil despejado pelos órgãos dos Estados, gestores da economia como os Bancos Centrais.

Com o capital-dinheiro circulando à velocidade da luz, buscando se reproduzir a todo custo, as crises financeiras se instalam em velocidade semelhante e passam a fazer parte do que os economistas burgueses chamam do “novo normal”, ou seja, crises financeiras cada vez mais frequentes e cada vez mais destrutivas. Essa é a lógica quando se busca saídas nos limites do modo de produção estabelecido. Frente a crise da economia real que não consegue mais produzir “riqueza abstrata”, jogar dinheiro através do crédito (não precisa ser de helicóptero), cada vez mais sem limite no tempo, foi a forma inicialmente encontrada para empurra para frente o enfrentamento do problema. Como esse mecanismo começou a se esgotar - e a crise de 2008 expressou isso - apelou-se para impressão de dinheiro, compra de crédito podre pelos bancos centrais, renuncia fiscal e aumento do endividamento dos Estados. Por outro lado, o mercado financeiro e as empresas nele mergulhado, a medida que a crise do valor se aprofunda, tornam-se mais criativos e agressivo na busca do capital e na geração nunca vista de capital fictício.   

A dívida pública e privada em crescimento constante, em determinado momento torna-se impagável e desaba sobre si mesma. Então, a geração de capital fictício tende a emperrar, tornando-se as montanhas de dívidas acumuladas nesse processo altamente inflamável. Uma simples faísca, e a economia e a política em crise têm soltado muitas, vira uma labareda infernal donde nada escapa. 

Se as bolsas desabarem como esperado e as taxas de juros subirem ainda mais, empresas endividadas sem condições de honrar compromissos, ao perderem as fontes que lhes garantem os empréstimos para valorização fictícia de suas ações, não conseguirão pegar dinheiro no mercado para pagar as dívidas. Mas esperam confiantes, que suas dívidas agora impagáveis, sejam “compradas” mais uma vez pelos bancos centrais e que os governos ajudem com renúncias fiscais como ocorreu em 2008.

A história pode se repetir em 2019, mas o socorro esperado a economia global pode vir como farsa.

31.12.2018

segunda-feira, outubro 29, 2018

O paradoxo da produtividade e aumento do trabalho improdutivo como sintoma do agravamento da crise do valor

Rall Canti


A imprensa especializada tem publicado uma série de artigos onde, tardiamente, analista econômicos com Martin Wolf, Adair Turner e outros, depois de muitas dúvidas frente aos fatos que não podem mais ser negados, reconhecem que o aumento da produtividade pela automação da produção gera desemprego e que o trabalho humano se torna supérfluo. Acompanhando essa discussão há uma tentativa de explicar a queda da produtividade média na economia global que, segundos os analistas, é a principal causa da estagnação e, até mesmo, da redução salarial.

Em recente artigo, no jornal Valor Econômico Adair Turner afirma: “os trabalhadores individuais podem encarar como estimulantes muitas ocupações nas quais é impossível, no todo, contribuir para o bem-estar geral”. Entenda-se “ocupações nas quais é impossível, no todo, contribuir para o bem-estar geral”, como trabalho improdutivo não gerador de mais-valia e de acúmulo de capital

Mais na frente afirma: “…a pista do paradoxo da produtividade pode estar nas atividades onde os trabalhadores que perderam o emprego passaram a trabalhar. David Graeber, da London School of Economics, argumenta que 30% de todo o trabalho é realizado em "empregos mambembes", que são desnecessários para produzir bens e serviços verdadeiramente valiosos, mas que advêm da competição por renda e "status".

Se o desemprego que acompanha o aumento da produtividade, como constata o analista, tem como resultado a geração de empregos “mambembes” que são desnecessários para produzir mercadorias, valor, mas são necessários para atender demandas sociais ou das empresas, seria, então, a expansão dessa forma de “ocupações nas quais é impossível, no todo, contribuir para o bem-estar geral” a outra ponta do “paradoxo da produtividade?”

Em síntese, poderíamos concluir das afirmações acima citadas pelo presidente  do Instituto para o Novo Pensamento Econômico e ex-presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido, que o aumento da produtividade na economia, que leva a eliminação de empregos produtivos e o aumento da produção de bens e serviços, parcela dos trabalhadores que se tornaram supérfluo, ao retornar ao mercado encontram vagas em atividades onde a força de trabalho não produz, mas consome mais-valia: empregos improdutivos considerando a lógica de reprodução do capital, que não contribui para formação de “riqueza abstrata’’, dinheiro.

A soma zero a que se refere, só pode ser entendida se considerarmos o deslocamento de trabalhadores de empregos produtivos para empregos improdutivos com o aumento da produtividade dos primeiros. É possível aí um “jogo” onde para que um ganhe outro tem que necessariamente perder. Esse jogo torna-se mais acirrado e os empregos cada vez mais precarizados, a medida que a massa total de mais-valia vai se contraindo com o aumento da produtividade, evento impossível de ser detectado quando o olhar não ultrapassa a superfície do mercado, limita-se a análise ao comportamento dos capitais individuais e de seus agentes na busca imediata de uma maior lucratividade. 

Mas mesmo considerando o crescimento proporcional do emprego improdutivo, o balanço é negativo: fecha-se mais postos de trabalho do que são ofertados. As empresas em concorrência para gerar e se apropriar de uma maior fatia da mais-valia, incorporam mais tecnologias que dispensam trabalho, aumentando o número de desempregados. Só parcela pequena destes, voltam ao mercado em empregos que geralmente não produz mais-valia. Como a expressão monetária da massa salarial nesse ambiente é finita e com tendência a redução, o excedente da força de trabalho tende empurrar para baixo os valores monetários dos salários nos empregos gerados.

Em países como o Brasil, a rotatividade no trabalho em tempo cada vez mais reduzido, que empurra os salários para baixo e torna a legislação trabalhista inócua, é a expressão desta realidade. Além do desemprego, a cada ano que passa o emprego precarizado torna-se mais instável, forçando a redução dos salários sem aumento da produtividade para garantir o lucro das empresas.  Seria isso um retorno à mais-valia absoluta, mesmo considerando o modo de produção capitalista se caracteriza pela tendência em criar mais-valia relativa?

As empresas mais competitivas ganham mercado de outras, sem, no entanto amplia-lo, ao reduzir os preços das mercadorias e, ao mesmo tempo, se apropriam de uma parcela maior da mais-valia relativa pela redução dos custos da força de trabalho. No entanto, a massa total de mais-valia tende a cair com o movimento que se inicia com aumento da produtividade por pressão da concorrência, aumento da taxa de mais valia-relativa e, paradoxalmente, redução da massa total de mais-valia por tornar supérfluo o trabalho produtivo.

Se nesse jogo o que conta é a produção e distribuição de “riqueza abstrata”, apesar dos vencedores individuais no curto prazo, a tendência é uma queda na acumulação dessa riqueza. Essa lógica cega, onde os vencedores são obrigados eliminar “trabalho abstrato” – o alimento da galinha dos ovos de ouro – para vencer, não é percebida pelos agentes do capital. Ao contrário, só podem conhecer a vitória enquanto concorrentes singulares se seguirem essa lógica destrutiva, mesmo que a galinha seja mais na frente sacrificada, pondo cada vez menos ovos, até cessar de produzir este tipo de riqueza.  

Como o trabalho improdutivo não produz mais-valia, o interesse em aí aumentar a produtividade é tardio e estar mais relacionado ao que é usualmente conhecido como redução do desperdício, ou seja, redução do consumo improdutivo da mais-valia. O movimento contra tudo que dificulta o lucro das empresas, teve grande impulso no Ocidente, a partir dos anos 80 do século passado, com Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos EUA, quando foram criadas as condições jurídicas para a terceirização do trabalho improdutivo em larga escala. A solução encontrada foi a constituição de empresas especializadas, que passaram a prestar os serviços necessários, agora a partir da organização do trabalho vivo produtivo em substituição ao que antes era incorporado à produção como trabalho improdutivo. Esse movimento deu fôlego curto a produção de mais-valia e ajudou a deixar para trás na geração de “riqueza abstrata” o bloco do chamado socialismo real e congêneres da periferia do capitalismo.

O movimento para zerar todo trabalho improdutivo e aumentar o lucro das empresas, continuou pressionado pela concorrência. Mais recentemente, a cientifização da produção apresentou novos resultados com a introdução de tecnologias integradas e a utilização de inteligência artificial na organização do trabalho, na gestão e na produção, com automação de setores antes não alcançada. Criam-se, então, as condições para automatização das atividades nos serviços, reduzindo com isso a necessidade de terceirização das atividades administrativas improdutivas. Os aplicativos contábeis já disponíveis no mercado, podem eliminar, total ou parcialmente, a necessidade de contratar trabalho dos escritórios de contabilidade, com resultados mais precisos e mais rápidos, só para citar um exemplo entre muitos. Essa nova fase do uso das tecnologias, tende impacta negativamente na criação de novos empregos, “mambembes” ou não, aprofundando a crise do trabalho e do valor.    

Marx denominava de “improdutivo” o trabalho, que apesar de necessário, não era capaz de gerar “riqueza abstrata”, considerando que o único objetivo do modo de produção capitalista é reproduzir essa forma de riqueza que se expressa na forma dinheiro. Na sociedade capitalista as duas formas de trabalho, produtivo, gerador de mais-valia, e improdutivo que só consome e não gera mais-valia, convivem e atende as necessidades dessa forma de produção. A mesma fábrica que precisa do trabalhador produtivo para fabricar pneus ou outras mercadorias, necessita do contador para calcular os custos de produção dos pneus e o dinheiro que retorna para o bolso do capitalista acrescido do lucro.

Com o aumento da produtividade pela introdução de máquinas que substitui os trabalhadores produtivos na linha de produção das indústrias, nos serviços e na agricultura, o trabalho improdutivo se mantém e, até mesmo se expande relativamente ao trabalho produtivo para atender antiga e novas demandas. Observemos essa passagem no mesmo artigo em que o articulista trata das “atividades de soma zero”: “Várias ocupações se enquadram nessa categoria: cibercriminosos e os especialistas cibernéticos empregados pelas empresas para rechaçar seus ataques; advogados (tanto pessoais quanto corporativos); boa parte das transações financeiras e da gestão de ativos; contadores fiscais e autoridades de arrecadação; publicidade e marketing para consolidar a marca X em detrimento da marca Y; políticos em campanha e institutos de análise e pesquisa que defendem políticas públicas opostas; e mesmo professores que tentam garantir que seus alunos obtenham as notas relativas mais elevadas para sustentar o sucesso futuro.”

Continuando, “…os dados disponíveis sugerem que as atividades de soma zero cresceram significativamente. Como destacaram Gary Hamel e Michele Zanini em artigo na "Harvard Business Review", cerca de 17,6% de todos os postos de trabalho americanos, que recebem 30% do total dos salários, são em funções "de gestão e administrativas", que tendem a envolver significativa atividade de soma zero.”

Portanto, a medida que a automação avança na indústria, na agricultura e nos serviços, tende eliminar postos de trabalhos produtivos e improdutivo, mas tende expandir relativamente postos de trabalho improdutivos, sem, no entanto, freiar o aumento do desemprego. Há de se considerar nessa tendência o aumento das atividades assistenciais e do cuidado de toda ordem, mesmo considerando que nem todo trabalho assistencial é improdutivo conforme a lógica do capital.

Trabalho não gerador de mais-valia, são geralmente por sua natureza de baixa produtividade. A queda da produtividade geral na economia, pode está relacionada a esta tendência na geração de novos empregos. Com a intensificação da revolução tecnológica pode-se afirmar: primeiro, quando visto na totalidade, o número de postos de trabalho gerado é inferior aos postos de trabalho fechados, não importa a forma de trabalho. Segundo, dos empregos gerados a grande maioria não produzem mais-valia, mas consomem, são improdutivos do ponto de vista do capital e, de modo geral são de baixa produtividade quando considerado a produção de bens e serviços por trabalhador. A crise do valor, da acumulação de “riqueza abstrata”, tem em sua origem a expulsão da produção do trabalho produtivo, substância do valor, pelo aumento da produtividade. A tendência em aumentar o trabalho não gerador de mais-valia, quando comparado com o trabalho produtivo, agrava mais ainda a crise de valorização do capital.     


A relação da crise do valor com o capital fictício e as crises financeiras e ecológica

O aumento da produtividade pela automação da produção, tornando supérfluo o trabalho, derrete a substância do valor, o “trabalho abstrato”. Sem o trabalho produtivo vivo, a valorização do capital que se dá pela geração da mais-valia tende a reduzir até paralisar. A revolução tecnológica traz consigo questionamentos da forma de produção capitalistas. Primeiro, com o aumento da produtividade e substituição do trabalho por máquinas, pode parar a reprodução da “riqueza abstrata”. Segundo, apesar da escassez do dinheiro substancializado, todos tem contas a pagar. Terceiro, a escassez da “riqueza abstrata” torna a concorrência mortal: empresas e nações são forçadas buscar novas tecnologias para aumentar a produtividade se não quiser ficar para trás ou fechar as portas. Quarto, quanto mais tecnologia, maior a produtividade, mais desemprego, maior produção de bens e serviços, menos trabalho produtivo de mais-valia. Sexto, a redução da produção de mais valia leva a uma maior oferta de crédito antecipando a mais-valia futura e a geração de mais dinheiro dessubstancializado, ou seja, “sem lastro”, termo antes usado no sistema padrão-ouro, para designar o dinheiro sem valor, quando o ouro, na forma de equivalente geral, forma-dinheiro, era ultrapassado pela circulação excessiva de papel-moeda que passava a não mais espelhar o valor real do ouro no mundo das mercadorias. Esse excedente de papel-moeda em relação ao ouro, funcionava como dinheiro fictício que era depurado nas crises conjunturais do capitalismo. Hoje, o papel-moeda excedente em relação a “riqueza abstrata” real é gerado pelo crédito, supostamente garantido por uma mais-valia futura que nunca virá a ser produzida, ou seja, dinheiro “sem lastro”, capital fictício cujo o volume só cresce.

O padrão-ouro foi rompido durante a primeira guerra mundial, quando as potências européias em guerra decidiram imprimir dinheiro sem lastro no ouro, capital fictício para financiar o conflito armado. Logo após o final da guerra o padrão-ouro foi restabelecido de forma precária, pelos países vencedores. Em 1944 o padrão libra-ouro, que perdurou de 1870 a 1914, deu lugar com o Acordo de Bretton Woods ao padrão dólar-ouro que vigorou até 1971, quando os Estados Unidos pressionado pela dívida interna e a imprimir dinheiro para financiar as despesas militares e guerras como a do Vietnã, romperam o acordo que permitia a conversibilidade do dólar em ouro, abolindo unilateralmente o sistema padrão-ouro, que não mais se sustentava numa economia militarizada que exigia o financiamento de guerras regionais cada vez mais difíceis e caras. Manifestam-se aí sinais fortes de que a produção de mais-valia já não era suficiente para financiar as despesas correntes.         

A forma encontrada para dribla o colapso total da produção capitalista, foi jogar para um futuro incerto a realização da mais-valia, através de um crédito que se refinancia à velocidade da luz. Como a valorização não pode mais se dar na produção automatizada que dispensa o “trabalho abstrato”, substância do valor, as máquinas dos bancos centrais são postas em movimento para imprimir dinheiro sem substância, para tapar os buracos abertos no sistema financeiro pelo crédito malparado. O mercado ajuda conforme seus interesses, rolando as dívidas contraídas no passado e no presente para serem resolvidas não se sabe quando; os créditos podres, sem pagadores à vista, são sepultados para sempre; a especulações financeiras e nas bolsas passam a ser vistas como partes da “normalidade” econômica. O capitalismo só se sustenta fraudando seus fundamentos com a produção de capital fictício pelo Estado e pelo setor privado. A naturalização da pós-verdade é parte do processo de subjetivação desse momento de ruína do sujeito do valor que busca na ideologia pós-moderna alimento para suas ilusões.

Sem solução para o crédito, as dívidas crescentes vão se amontoando e apodrecendo, até quando não mais se sustentam desabam sobre si mesma na forma de crise financeira, que se repetem em intervalos que tendem ser cada vez mais curtos e mais destrutivas. O que parecia absurdo e era tão criticado, o dinheiro fácil gerado do nada, retorna com mais força e já se preparando para o próximo baque – vide pós 2008. Hoje, o capital fictício resultante da compra de crédito podre pelos bancos centrais dos países do centro do capitalismo e da especulação financeira, já ultrapassa em muito o período pré-crise financeira de 2008. Quem está pagando a conta neste momento são os países da periferia do capitalismo, mas isso não salva o centro: quando por aqui as águas malcheirosas do rio transbordar com inusitada força como se desenha, a lama deve sujar feio a porta dos ricos e adentrar seus condomínios num tsunami perfeito.           
  
A crise do “trabalho abstrato” é a crise da valorização do valor e do dinheiro. Se os desempregados não conseguem vender sua força de trabalho para subsistir, o capitalista só consegue investir usando o dinheiro sem substância da fraude. Porém, apesar da crise do valor, a produção de riqueza material e imaterial aumenta. Num determinado ponto do caminho percorrido pela produção capitalista, as duas riquezas “abstrata” e os valores-de-uso - materiais e imateriais - se bifurcam e se distanciam sob pressão do aumento da produtividade resultante da revolução tecnológica. A “riqueza abstrata” que tem como medida o “tempo socialmente necessário” à produção de uma determinada mercadoria, se torna escassa pela falta da substância do valor. Então, a produção da riqueza material é acelerada pelo aumento da produtividade como forma de compensar a perda da substância do valor, o “trabalho abstrato”.

Ao acelerar a produção de mercadorias para compensar a desvalorização, a natureza é volvida sem preocupação com a destruição total. A terra em visível aquecimento se transforma num imenso lixão seco e molhado, com o ar, os oceanos, a fauna, os rios e florestas definhando. A crise do valor e a crise da natureza engalfinhadas, fazem parte de um mesmo todo em processo.
          

O aumento da produtividade pela incorporação de novas tecnologias - A Terceira Revolução Industrial

A incorporação de novas tecnologias seja na gestão, seja na organização da produção com automação visando toda “cadeias de valores”, impacta profundamente na produtividade e no emprego como vimos, principalmente após a Terceira Revolução Industrial da micro-eletrônica que teve início nos meados dos anos 70 do século passado. Esse novo momento, movido pela concorrência entre empresas e nações vem, rapidamente, tornando supérfluo o trabalho humano na mesma velocidade em que aumenta a produtividade.

A intensificação da cientifização da produção com a incorporação de novas tecnologias em setores de ponta da indústria, que teve como marco a automação da indústria automobilística nos anos 70 do século passado, expande-se rapidamente para os outros setores da economia. Nesse período, os países que não conseguiram acompanhar esse movimento, muitas vezes por falta de recursos para investir em máquinas e equipamentos, por políticas econômicas e de desenvolvimento científico-tecnológico equivocadas, ou por estados falhados e disputas internas fratricidas entre facções, deixaram de ser competitivos e foram atingidos pelo fenômeno da desindustrialização por não suportar a concorrência global. 


A cientifização e a incorporação de novas tecnologias de automação, intensifica-se na indústria e espalha-se pela agricultura e serviços com grande movimentação da força de trabalho

Três momentos do desenvolvimento do capitalismo resultam em grandes levas migratórias do campo para cidade nos últimos séculos. O primeiro momento, no transcorrer da revolução industrial do século XVIII e XIX sedenta de força de trabalho nos principais países europeus. O segundo, a introdução do fordismo e a massificação da produção, que teve seu auge um pouco depois do meado do século XX, exigiu novos contingentes de mão-de-obra para suprir a expansão da indústria nas áreas urbanas em todo mundo industrializado, principalmente após a segunda guerra mundial. O terceiro momento, mais recente, caracteriza-se pela onda de cientifização e automação da produção que atinge fortemente o campo e pela expansão da grande propriedade rural do agronegócio.

No Brasil, esse processo que teve início nos anos setenta do Século passado, pequenos proprietários arrancados da terra, ou trabalhadores que perderam o emprego para as máquinas, são empurrados para periferia dos centros urbanos. Nas duas primeiras situações, a dispensa da força de trabalho pelos saltos tecnológicos e aumento da produtividade, foram acompanhadas pela expansão da força de trabalho com o surgimento de novos ramos de produção e abertura de novos mercados. Não podemos afirmar o mesmo para o terceiro momento, principalmente do final dos anos 80 para cá, quando o desemprego passa a ser um fenômeno crônico.

Sem expectativas, o trabalho supérfluo passa compor o contigente de desempregados crônicos em contínuo crescimento. Periferias, e as vezes cidades inteiras nos arredores de grandes centros urbanos, sem infraestrutura para receber os fluxos migratórios, acumulam conhecidos problemas além da falta de trabalho: ausência do Estado e ocupação territorial pelo crime organizado, violência de toda ordem com altos índices homicídios principalmente de jovens e pessoas negras, falta de  moradia, creche, escolas, saneamento básico, serviços de saúde entre outros.

Mais recentemente, uma nova onda de automação potencializada pelo desenvolvimento da inteligência artificial, avanço da robótica e integração de tecnologias, intensifica-se na indústria e ganha corpo nos serviços, com robôs que atendem desde Cal Center à investidores na bolsa, transações bancárias e mercado financeiro, veículos coletivos e pessoais autônomos, traduções, reconhecimento facial, segurança urbana, comércio varejista, serviços de saúde, advocacia, só para citar os mais evidentes. Esse movimento de automação que por enquanto percorre veredas, mas tem pela frente enormes avenidas a ocupar, é chamado nos países do centro do capitalismo por onde começou de Quarta Revolução Industrial pelo impacto que vem causando na produção industrial, agrícola e serviços e no mundo do trabalho.

As tecnologias mais recentemente incorporadas, além de atingir em cheio o setor serviço que antes era tido como “repositório” sem limites do trabalho dispensado na indústria e na agricultura, permite que as fábricas funcionem praticamente só com robôs altamente especializados em atividades variadas, em turno de 24 horas, dispensando da produção praticamente toda força de trabalho. Apesar do grande avanço tecnológico e da produtividade que se vislumbra, esse processo que se autonomiza e foge ao controle dos sujeitos econômicos, expõe a “pulsão da morte” latente na lógica cega que organiza a sociedade capitalista e seu modo de produção.

O desemprego maciço resultante das rupturas estruturais do passado nos momentos de crise, era resolvido seguindo a retomada da acumulação e expansão dos mercados, em um novo patamar das forças produtivas. Agora tornou-se crônico e global, pois na Terceira Revolução Industrial da microeletrônica, os trabalhadores dispensados da produção, são quantivamente superiores aos admitidos.

Por outro lado, o grande contigente de força de trabalho supérflua e em crescimento, pressiona os salários para baixo e precariza as atividades dos que conseguem se manter empregados. Com as nuvens negras que despontam no horizonte, fala-se nos países do centro do capitalismo em programa de renda mínima e cobrar impostos de robôs, proposta defendida por personagens como Bill Gates, que deve saber do que está falando. São saídas fadadas ao fracasso por estarem presas aos limites definidos pelas categorias do capital.


O limite interno do capitalismo

“Pela primeira vez na história o ‘trabalho abstrato’ é questionado pelo próprio desenvolvimento do capitalismo (Kurz)”. Essa nova forma de crise indica que o capitalismo chegou a um impasse e se aproxima rapidamente do limite do seu desenvolvimento. No entanto, com a cientifização da produção e o aumento da produtividade nunca se produziu tanto, a riqueza material nunca foi tão abundante, com potencial para resolver os problemas básicos das populações como alimentação, vestuário, moradia, saneamento etc., mas continua inacessível a parte significativa da população do Globo.

Porém, não se pode dizer o mesmo do dinheiro que se “dessubstancializa” pelo derretimento do “trabalho abstrato”, substância do valor. Esse descolamento das duas formas de riqueza com o aumento da produtividade (riqueza material em superprodução e “riqueza abstrata” em franco declínio) desemboca em crises que no passado eram superadas com a retomada da acumulação em um nível superior de produção e consumo, depois da economia ser limpa das empresas não rentáveis, do capital fictício e a retoma da expansão do mercado.

Como na crise atual não se vislumbra retomadas com absorção da mão de obra desempregada, esta torna-se crônica enquanto o desemprego continua aumentando. A massa humana supérflua, que não encontra mercado para sua força de trabalho, não consegue acessar os bens materiais necessários à sobrevivência por ser o dinheiro o único meio de adquiri-los, apesar da abundância com que são ou podem ser produzidos.

Por outro lado, as guerras e a fome na periferia do capitalismo, acompanhadas de fluxos migratórios caóticos, que confrontam-se em países onde os deslocados buscam abrigo com populações amedrontadas pela crise e pela violência da situação, constitui-se um caldo de cultura apropriado para surgimento do populismo autoritário, onde demagogos prometem os céus com uma profusão de mentiras como marketing político e, ao mesmo tempo, buscam construir no imaginário social representações de riscos iminentes com discursos alarmistas, para pelo medo manter a servidão das massas ao que lhes interessa. Ao mesmo tempo apresentam para os indivíduos assombrados soluções simplistas para problemas complexos.

São sujeitos geralmente com um histórico de autoritarismo, sexismo, racismo e anti-semitismo, que antes não encontravam ressonância ao destilarem ódio e propagar a violência. Esses fenômenos não se restringem apenas aos países europeus e aos EUA. Existem à direita e à esquerda, versões de milagreiros ou assemelhados nos países da periferia do capitalismo, pois são manifestações dos mesmos contextos do desespero gerado pela crise categorial.


Com os bens já disponíveis e um potencial para planejar e direcionar a produção para as necessidades essenciais, respeitando os limites da natureza, é possível, se rompermos com os paradigmas que nos amarram às categorias em dissolução (trabalho, mercadoria, valor dinheiro, Estado, mercado…), avançarmos para um futuro menos sombrio, mais luminoso para liberdade e mais igualitário, considerando as condições objetivas de produção. Mas se a consciência embotada insistir em soluções que nos prendem a lógica cega dessas categorias em crise, podemos retroceder ou escorregar sem retorno no precipício da barbárie, se antes a vida na terra não for esturricada pelo aquecimento global que é parte da mesma situação.


30.10.2018


domingo, junho 18, 2017

É possível a emancipação dentro dos limites do capitalismo?

Rall

Quando a questão é o possível fim do capitalismo as confusões são muitas. Alguns analistas veem nas novas tecnologias que levam um aumento da produtividade e automação da produção uma possibilidade de superação dessa forma de produção. Porém, não é difícil perderem-se em suas análises. Em entrevista ao Jornal Valor econômico, Paul Mason não foge à regra. Segundo ele, “o desejo de compartilhar não apenas informação, mas também bens e serviços, irá derrubar as margens de lucro e inviabilizar monopólios e controle de preços pela elite financeira. Esta, diz Mason, terá seu protagonismo substituído por um modelo mais democrático, calcado no espírito colaborativo já revelado em criações comunitárias como a Wikipédia e em experiências locais como os governos de esquerda em cidades espanholas, como Madri e Barcelona. ” Diz que Marx errou ao acreditar que a emancipação humana não poderia acontecer dentro do capitalismo. E atribui a tendência na queda da margem de lucro (Marx) ao desejo de compartilhar informações, bens e serviços.

Salta aos olhos que a economia mundial, principalmente dos países desenvolvidos, só se mantém depois do nocaute de 2007/2008, com uma injeção jamais vista de capital sem substância e com crédito subsidiado. Houve toda uma mobilização para geração de mais capital fictício através da compra de papéis podres pelos bancos centrais para salvar bancos e empresas em dificuldades, de títulos emitidos pelos governos em grande quantidade e empréstimos subsidiados a bancos quebrados e a empresas de rentabilidade duvidosa. Busca-se compensar a atual minguada produção de mais-valia, antecipando pelo crédito o consumo da mais valia-valia futura e aumentando dívidas impagáveis para alimentar a economia global que sem potência para gerar valor não mais consegue uma retomada autônoma. Nesse sentido pode-se falar em crise geral, mesmo em situações de pleno emprego como aparenta ser nos EUA e do volume de dinheiro disponível nas instituições financeiras e em circulação. O que de fato se observa é uma simulação gigantesca de acumulação real de capital.

O dinheiro abundante, porém sem valor, estar financiando através dos fundos de investimentos novas tecnologias que aumentam a produtividade e dispensam força de trabalho, reduzindo ainda mais produção de mais-valia e expandindo o consumo improdutivo, num processo que auto alimenta a própria crise. Mesmo quando reciclado na produção de mercadorias, foge a lógica de valorização do capital. Portanto, do ponto de vista da reprodução real da “riqueza abstrata”, que é o objetivo final do capitalismo, a economia não está funcionada apesar das aparências.

A crise, relacionada com a impossibilidade de valorização do capital na economia real, como consequência da revolução tecnológica e do aumento da produtividade forçada pela competição entre capitais, vem tornado supérflua a força de trabalho na produção. Nos últimos 30 anos a racionalização da estrutura produtiva expulsou mais trabalho do que absorveu. Os níveis de produtividade atingidos vêm impossibilitando esse modo de produção gerar “riqueza abstrata” em quantidade suficiente. As empresas, em busca de lucratividade, entram em concorrência mortal e são pressionadas a se “armar” incorporando tecnologias que aumentem a produtividade, sem que seus agentes tenham consciência de que as que vencerem a batalha, farão às custas da liberação de “trabalho abstrato” da produção, substância do valor, sem o qual não é possível a valorização do capital. Esse “processo cego do sujeito automático” (Kurz), incapaz de superar as contradições internas, move o capitalismo em direção ao aprofundamento da crise estrutural.

Nesse contexto, pode-se entender o “compartilhamento” como uma necessidade operacional do capitalismo, reforçada pelo uso de novas tecnologias e como forma de enfrentar momentaneamente dificuldades sociais postas pela crise. Mas é um equívoco acredita que a cooperação entre indivíduos atomizados, sob hegemonia do capital ou a partir de iniciativas sociais visando mitiga os efeitos da crise, pode levar a superação do capitalismo, mantendo-se as bases de produção vigentes como pressupõe Mason. A moderna gestão empresarial já trilha esse caminho como forma de melhor organizar a produção e aumentar a produtividade, forçada pela concorrência que não deixa de existir apesar dos compartilhamentos, dos monopólios e oligopólios setoriais que tendem a se constituir.

A “cooperação” que não ocorre entre indivíduos livres, mas sob o tacão fetichista do fim-em-si do capital, não se dar só a nível interno das empresas, onde o compartilhamento é uma exigência cada vez mais presente, apesar da acirrada concorrência. Estende-se a produção global, tornando-se quase impossível a sobrevivência de empresas que atuam fora dessa lógica que se estabelece de forma acelerada no mercado global. O que são as chamadas “cadeias globais de valores e de suprimentos” que vem rapidamente se consolidando em todo mundo facilitadas pela tecnologia da informação, senão redes de produção que abrangem diferentes áreas geográficas, de países a continentes, onde tende-se compartilhar informações e a produção de bens e serviços? Essa tendência a interdependência no capitalismo agora mais acentuada, como forma inclusive de aumentar a produtividade, de racionalizar custos e distribuir de forma desigual a escassa produção de mais-valia, é o grande obstáculo as pretensões isolacionistas de Trump e Theresa May e para os que acreditam que manobras cambiais que possam levar a desvalorização da moeda resolvam o problema do crescimento e do desemprego.   

Um outro equívoco é achar que a quebra do monopólio do sistema financeiro e da indústria de tecnologia vai criar condições para aprofundar o compartilhamento que possa levar ao socialismo. Não entende que o crescimento do sistema financeiro, numa velocidade superior aos outros setores da economia, garantindo a expansão sem limite do crédito e da geração de capital fictício, é um sintoma da crise e ao mesmo tempo o meio encontrado de empurrar para frente o colapso da forma de produção capitalista. Como a produção de mais-valia torna-se escassa com a terceira revolução industrial por tornar supérfluo o trabalho humano - substância do valor - a forma encontrada para manter o capitalismo em aparente normalidade foi a geração de capital fictício pelo mercado e pelo o Estado, “simulando” a acumulação que já não é possível na economia real, com manobras contábeis que antecipa um valor futuro que deve não se realizar. Isso exigiu o crescimento do sistema financeiro privado e estatal, com capacidade de alimentar permanentemente créditos e bolhas, mesmo sabendo-se que mais na frente as bases de sustentação cedam e as pirâmides financeiras desmoronem sobre o próprio peso, desencadeando crises com impacto em toda economia.

Esse fenômeno de crescimento sem limites da “indústria financeira” – o nome expressa uma “abstração” fantasmática, cuja a magia é transformar dinheiro em mais dinheiro sem a mediação da mercadoria força de trabalho, mas subordinado a lógica do sistema do “trabalho abstrato” autonomizado - como forma de sustentar a combalida economia, envolve a produção e a distribuição de mercadorias, os estados, as empresas e o dia a dia das pessoas, todas amarradas ao crédito, numa teia complexa denominada por alguns de “financeirização”, que submete a totalidade da economia e da sociedade as oscilações dessa forma instável, ou como se diz na gíria dos operadores financeiros, ao “humor do mercado”.

Na mesma velocidade em que cresce o capital sem substância que alimenta esse fenômeno gerado em transações espalhadas no conjunto da economia - uma inversão na forma de produção real de “riqueza abstrata”, onde a mais-valia gerada na produção deveria ser distribuída na sociedade na forma de lucro, juros, renda da terra, impostos que financiam os estados e setores improdutivos - vira pó nos próximos distúrbios financeiros sempre de dimensões crescentes. Em 2007 / 2008 quando a indústria imobiliária alimentada pelo capital fictício em todo mundo, mas principalmente nos EUA, sofreu retração com a interrupção do crédito que refinanciava as dívidas num movimento ascendente, houve uma brutal desvalorização dos imóveis enquanto a crise se esparramava de forma assimétrica para a economia global.

Portanto, não se pode falar em acumulação real a partir da expansão do dinheiro sem valor, do capital fictício, mas de “simulação” que não deixa de ser a “pós-verdade” do capitalismo em crise. Mesmo quando reciclado na produção, como aconteceu com os imóveis em várias regiões do planeta, o capital fictício deixa sua marca de destruição aos primeiros sinais de abalos financeiros, com as dimensões que lhes é própria. Reportemo-nos novamente a 2007 / 2008 quando teve início a chamada “grande recessão”: com a interrupção do crédito e forte desvalorização de capitais imobilizados, o sistema financeiro e a indústria imobiliária, mais expostos as bolhas do capital dessubstancializado, foram os primeiros colapsar nos países desenvolvidos, seguidos pelo restante da economia mundial em tempos e intensidades diferentes.

Apesar da contração da economia ter ocorrido quando a bolha de capital fictício atingiu seu limite, a saída visualizada pelos bancos centrais para impedir que a economia continuasse deslizando velozmente em direção ao buraco negro sem possibilidade de retorno, foi inundar mais ainda o mundo com esse capital, inclusive imprimindo dinheiro. Determinante para isso foi a certeza de que não seria possível retardar esse processo e retomar o crescimento pela economia real. Acreditava-se numa intervenção pontual no momento mais agudo da crise e logo sair. No entanto, o processo continua e não se percebe possibilidade de ser freado sem desarranjos catastróficos na economia.  

Até o entre guerras, era mais evidente nas chamadas crises específicas ou cíclicas, o expurgo do capital fictício e a retomada do crescimento. Agora, o que parecia um paradoxo - a injeção de mais capital fictício num momento de agudização da crise pelo excesso desse capital – tornou-se na emergência e nos passos seguintes a única saída para os gestores do capital, apesar das incertezas e inevitáveis riscos do dinheiro impresso às pressas, ao azeitar a máquina autonomizada do capital fictício, alimentar uma gigantesca bolha cujo o estouro mais na frente pode fazer 2007/2008 parecer ruído de traques em salão de festa liberando imperceptíveis fagulhas. Pela quantidade de dinheiro circulante ou acomodado sem segurança em algum lugar, muitas vezes superior ao PIB mundial, e pelo rápido crescimento das dívidas pública e privada, é provável que a super bolha, formada pelo crescimento desmesurado do capital fictício e pela montanha de dívidas, esteja chegando ao limite.     

É um engano achar que a tecnologia é capaz de definir novos rumos que possam levar a superação da sociedade burguesa nos limites do capitalismo, considerando que esta continua aprisionada a máquina do “trabalho abstrato”. Pode-se afirmar que a revolução tecnológica coloca questões antes não existentes: o desemprego crescente pelo impacto da automação, a crise do valor e do dinheiro resultante da crise do trabalho, a crise do Estado, das instituições burguesas que funcionam como aparelhos ideológicos e se constituíram até agora no amálgama da sociedade patriarcal produtora de mercadorias. A inviabilidade da equação D-M-D’ se realizar com a crise do trabalho, não é percebido pelos agentes do capital por não veem nenhuma relação entre a geração de “riqueza abstrata” e o trabalho. Ao contrário, ameaçados pela concorrência, na crise tendem a racionalizar ainda mais os custos de produção com um conjunto de medidas e uso tecnologias que aumentam a produtividade e dispensam trabalho humano.

Para força de trabalho supérflua, além das mentiras e manipulações da demagogia populista, no capitalismo “soluções” estão sempre apostas e vão desde as duas grandes guerras mundiais, as guerras sectárias onde os bandos armados cultuam a morte como passagem para o paraíso, as guerras civis longas e atrozes, e pode-se vislumbrar a possibilidade de uma guerra nuclear limitada ou mesmo total. Se as guerras já não são mais saídas para crise do capital como foram outrora, a nostalgia desse passado, na consciência coletiva fetichizada, que aumenta à medida que a crise se agrava, junto aos surtos narcisístico de demagogos encurralados por suas próprias mentiras, pode levar o mundo a guerras com armas de destruição total. A lógica destrutiva do capital tende aguçar a subjetividade afetada a medida em que nos tempos de dinheiro sem substância e crises onde não se vislumbra saídas, pode-se não mais distinguir o real do fictício.

Apesar do acúmulo real de “riqueza abstrata” ser para o horizonte do capital uma miragem sempre mais distante a medida em que a substância do valor - o trabalho humano - torna-se supérfluo, a produção de riqueza material, efeito colateral do movimento do capital, tende a aumentar com o aumento da produtividade, criando-se condições pela primeira vez na história de superar as carências e atender as necessidades humana. Os avanços tecnológicos podem criar possibilidades imensas, se liberto do fim em si do capitalismo de fazer mais dinheiro (D-M-D’ ou D-D’). Porém, coloca-se a seguinte questão: a emancipação social da forma valor, no sentido objetivo e subjetivo, exige uma ampla consciência e consenso social. Se atingida essa consciência, nas condições dadas é possível se libertar do “sujeito automático” e fazer a gestão consciente e planejada da produção conforme as necessidades sociais e os limites da natureza? É uma questão difícil de ser respondida, apesar de que se pode afirmar com certa segurança a tendência ao agravamento da crise enquanto busca-se a superação nos limites lógico do capitalismo. A tecnologia atrelado ao “sistema do trabalho abstrato”, como forma de movimento da “riqueza abstrata” (Kurz), é um risco à sobrevivência humana. A medida em que essa riqueza se torna escassa, asselvaja-se a competição e os frágeis mecanismos de controles podem não mais funcionar.   


18.06.2017

domingo, março 26, 2017

Carne fraca ou capitalismo em putrefação?


Rall

O mais recente caso de corrupção no Brasil, agora envolvendo a cadeia de produção de proteína animal, agentes do Estado e políticos trouxe à tona o que todos sabiam: quem já por mais de uma vez não comprou carne estragada bem embaladas nos supermercados e açougues ou não teve uma diarreia alimentar que se manifeste. Dar para sentir o silêncio! Desavisados, acreditavam que era só desleixo dos estabelecimentos comerciais que mantinham a refrigeração precária para economizar na conta de energia, não deixa de ser parcialmente verdadeiro. Mas o escândalo atual mostra que os tentáculos do monstro se estendem para bem mais longe: se as mãos sujas estão nas gôndolas precariamente refrigeradas dos estabelecimentos comerciais contaminando os alimentos, a cabeça está na indústria e o coração palpitante no Estado, com gente ansiosa pelo próximo presente.

Uma coisa é certa: fatos como esse e as diarreias mentais provocadas é só a ponta do iceberg, tem muito mais coisas enterradas pelo mundo à fora, junto com as vítimas dos três séculos da história do capitalismo, que jamais serão reveladas. A medida que a crise do capitalismo se agrava a tendência é aumentar a falsificação de alimentos e de outros produtos, acrescido de alguns temperos picantes para camuflar o fedor.

Há anos atrás, tive a oportunidade de ouvir a história contada por um agente sanitário, sobre a interdição da atividade de um açougue que recebia pelos fundos restos bovinos destinados ao lixo para serem processados. Depois de um rápido tratamento eram transformados em carne moída que ia rechear esfirras saborosas à paladares diversos, distribuídas por uma grande rede fabricante desse produto. Segundo o proprietário do açougue a receita não era dele, mas fornecida pelo dono da encomenda. Disse que vendia do boi o que procuravam, até os excrementos para adubo.

Podemos até concorda que máximo aproveitamento do bicho é parte da nossa cultura tropical desde os tempos das Casas Grandes e Senzalas. Vide a feijoada, o sarapatel, a dobradinha e a rabada, todos pratos saborosos, muitas vezes cozidos sem a devida preocupação com os cuidados higiênicos necessários. Aí paladar e qualidade do consumido se misturam, e o nariz é o instrumento utilizado para qualificar o que é bom, e jogar fora o estragado.

No capitalismo o que interessa não é a qualidade dos produtos, mas o retorno monetário que se vai ter daí, quanto dinheiro pode ser feito com a produção e venda das mercadorias. Portanto, o estragado se maquiado pode não ser jogado fora. Os que produzem e distribuem os produtos que chegam às “mesas das famílias” em embalagem reluzente, utilizadas para ocultar os verdadeiros conteúdos, inclusive as características sociais do trabalho, estão interessados no dinheiro que pode ser gerado e não no bem-estar do “consumidor”. Aliás, o termo “consumidor” expressa bem como homens e mulheres são vistos pelo mercado e seus agentes que não enxerga necessidades, mas quanto podem os indivíduos consumir para que haja a realização da mais-valia, a única coisa que interessa por expandir o capital, as demais são decorrentes, inclusive a qualidade sempre precária quando exigida.

No capitalismo, o valor-de-uso, ou seja, a utilidade dos objetos produzidos como mercadorias é o que menos interessa. Só interessam enquanto veículos de valorização do capital. Se a celulose do papelão e outras sujeiras temperadas como alimentos vendem e satisfaz o paladar do consumidor lapidado pelo marketing, pode até não ser caracterizado como fraude se aumenta a lucratividade de certas empresas em conformidade com a lógica cega do capital. O Estado, enquanto o grande Leviatã, aparentemente a serviço do equilíbrio social, deveria intervir e pôr limites no caráter destrutivo do capital. No entanto, seu papel regulador vem se apagando a medida que a crise se agrava e aumenta a captura de setores deste por interesses privados. Num processo que parece regride aos primórdios do capitalismo, onde o Estado desempenhava papel determinante na acumulação primitiva organizando guerras e saques, agora, além das guerras, age na geração de capital fictício imprimindo dinheiro sem valor, antes considerado fraude, e na administração autoritária da crise sem, no entanto, resolvê-la.    

As autoridades da exigentes Europa e dos demais países desenvolvidos, deveriam olhar bem ao seu redor e não manipular com um discurso de que o problema é só do outro. Se os países da periferia do capitalismo têm sua miséria social e moral ampliada pelo impacto da escassez do dinheiro, tornando-se mais evidente o vale tudo pela acumulação nas economias colapsadas pela crise do valor, a lógica que os afeta não é diferente da mesma que levou a Volkswagen pagar bilhões de euros nos processos abertos contra a falsificação de resultados da emissão de poluentes pelos carros por ela fabricados, através de um programa intencionalmente desenvolvido para tal. Para não ser maçante fiquemos com essa lembrança entre milhares de outras já esquecidas pela memória coletiva obnubilada por uma subjetividade esgarçada pela desesperança de quem teima em buscar saídas nos limites do capitalismo. O chamado escândalo da “carne fraca”, assim como outros, deve ser visto com o ampliar de uma lupa do que estar em gestação no mundo das mercadorias, não importa o estágio de desenvolvimento dos estados-nação.

Quando o processo de valorização na economia real para e o capitalismo em profunda crise não é mais capaz de atingir seu objetivo de acumular “riqueza abstrata”, tudo é de se esperar para atender aos impulsos do “sujeito automático”, que dá a forma a sociedade burguesa e molda a subjetividade de um viver para fazer mais dinheiro: da reembalagem de alimentos estragados, com ajuda de temperos fortes para dissimular o odor e dar gosto a comida dos famintos, as pirâmides financeiras e emissão de dinheiro sem valor pelos bancos centrais, ao surgimento de um nacionalismo regressivo, com fortes doses de sexíssimo, racismo e discriminações de toda ordem própria de um patriarcalismo exacerbado que tende aumentar a violência social e estatal, desembocando em guerras permanentes e não declaradas. Nesse estágio da crise, onde a competição chega ao extremo, a única energia que brota das entranhas do capital em fermentação putrefato, e que afeta desde bem-nascidos e privilegiados aos deformados pela miséria em que estão mergulhados, é a pulsão da morte.   


26.03.2017

segunda-feira, novembro 28, 2016

O neonacionalismo de Trump como aparente reação ao fracassado neoliberalismo dos adversários

Rall

A vitória de Trump traz à tona a questão do desemprego e do subemprego nas áreas antes industrializadas dos EUA e de outras partes do mundo. Ao sentir-se cada vez mais supérfluo com automação da produção, os trabalhadores americanos reagiram contribuindo massivamente para eleição de um candidato que soube manipular os sentimentos de medo e de insegurança que dominam as regiões em acelerada desindustrialização e empobrecidas. A responsabilidade pela crise do emprego é atribuída de forma simplista a deslocação da indústria americana para o Sudoeste Asiático, México e, principalmente, para China. Os imigrantes latinos são acusados de competir de forma desigual com os trabalhadores brancos nativos e de disseminarem a violênciaږꀀ﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽~çãliberalismoo, sendo os mexicanos o principal alvo.

A aparência manifestada pela crise do capitalismo é tomada como sua essência, inclusive por analistas que se opõem a Trump por outros motivos. Em nenhum momento a questão fundamental da crise da mercadoria, da valorização, da acumulação de “riqueza abstrata” (Marx), do dinheiro é considerada. É preciso entender como o aumento da produtividade pela cientifização e automação da produção, que há décadas vem tornado o trabalho (substância do valor) supérfluo, afetando a formação de “riqueza abstrata”, é determinante para as questões abordadas.

Esse novo momento de desemprego ascendente, o que ainda resta de postos de trabalho são precarizados e os salários rebaixados numa espiral sem fim, para sustentar um anêmico crescimento que se fundamenta na desigualdade e na geração de capital fictício. A abundante oferta de mão de obra no globo tende a segurar a difusão de novas tecnologias nos setores mais atrasados da economia que se beneficiam dos baixos salários. Daí resulta uma grande assimetria no crescimento da produtividade, com setores da produção e países diferenciando-se, enquanto em outras regiões os baixos salários ainda compensam o não investimento na automação ou nem mais interessam ao mercado capitalista. Essa assimetria pode levar, momentaneamente, a uma queda da média da produtividade a nível global, principalmente nos momentos de agudização da crise.   

Por isso a grande diferença no aumento da produtividade, quando comparados setores mais dinâmicos com os mais atrasados: “Enquanto a centena de indústrias que se encontram naquilo que a OCDE define como a fronteira global da inovação aumentaram a produtividade do trabalho a um ritmo de 3,5% ao ano, desde o início do milênio, a média do setor não foi além de 1,7% anuais. No setor de serviços a distância é ainda maior: 5% para as companhias mais avançadas e 0,3% para o conjunto” (Ricardo Abramovay – “Desigualdade e produtividade” - Jornal Valor Econômico, 01.09.2016).

No entanto, essa freada na produtividade média em conjuntura de crise, pode ser revertida na medida em que a nível global aumentar a concentração do capital e que continue em queda o preço das máquinas e das tecnologias de automação, compensando a substituição da força de trabalho, e a concorrência forçar os países e setores da economia poucos produtivos que usam mão de obra intensiva, movimentarem-se para não serem expulsos por empresas mais produtivas detentoras de tecnologias avançadas. A avidez de China pela compra de empresas europeias e americanas de tecnologia de ponta é um indicador importante desse movimento.

Por outro lado, com os avanços tecnológicos e automação que possibilita as indústrias com plataformas 4.0 funcionarem 24 horas praticamente sem trabalhadores, empresas americanas e europeias instaladas em outros países, atraídas pela abundância de força de trabalho e baixos salários, e que produzem para exportar para os mercados de origem, já começam a fazer o caminho de volta sem, no entanto, gerar empregos como pretende o Sr. Trump e seus iludidos seguidores.

Nessa conjuntura assimétrica quanto ao uso de tecnologias na produção, os setores mais dinâmicos tendem concentrar mais riqueza abstrata, beneficiando-se inclusive da transferência do que ainda resta de mais-valia produzida nos setores e regiões atrasadas, que aos pouco vão se descolando da produção capitalista, transformando-se em terras arrasadas onde o Estado não mais funciona e o que resta é disputado a tiros por gangues armadas. Situação que atinge países inteiros ou bolsões de miséria, inclusive dos mais ricos. Essa é talvez a principal causa das grandes desigualdades entre países, e nestes entre suas populações, sem solução à vista.   

Nos setores mais produtivos, transitam os trabalhadores com salários diferenciados. No entanto, com o avanço das tecnologias da informação, num aparente paradoxo, o tempo de trabalho vem se prolongando, desmentindo as teorias de que com a automação e aumento da produtividade é possível a redução do tempo nas jornadas de trabalho. Ao contrário, é cada vez mais comum os trabalhadores ao deixarem o ambiente empresarial, continuarem com atividades relacionadas ao trabalho em suas residências e ocupando o chamado tempo livre, que já não é tão livre.  

A queda observada nos custos de incorporação de novas tecnologias à produção, não significa prescindir do capital financeiro. Os enormes agregados de capitais, há muito deixaram de ser financiáveis apenas com capitais próprios. Duas questões devem ser consideradas: na medida em que o capital na concorrência global é forçado a se concentrar, torna mais caro o financiamento de sua expansão pela dimensão das operações. Segundo, as tecnologias incorporadas nesse processo tendem a impactar negativamente na massa de mais-valia pela redução do consumo de “trabalho abstrato” e, consequentemente, na rentabilidade, levando esses agregados a recorrerem cada vez mais ao capital financeiro especulativo para turbinar seus lucros que perderam o brilho na economia real.

Portanto, o que se costuma chamar de "financeirização da economia", não é um fenômeno que tem origem no capital financeiro e pronto. Fundamenta-se na crise de valorização do capital na economia real, que para aparentar “sca reconhecer fronteirasendenda vez mais curtos, lturasrentável” necessita operar nos espaços do capital financeiro, gerando capital fictício em aplicações especulativas que retorna as empresas contabilizado como aparente lucro, e na necessidade do financiamento dos investimentos. Com isso o capital financeiro passou a crescer de forma exponencial e ter uma importância grande no funcionamento e manutenção da economia global moribunda.  aeconomia real.r sobre aro passa a ter uma auas residÇencias

Quando os mecanismos de gerar capital fictício no mercado para financiar a economia falham, como observado na crise de 2007/ 2008, o Estado assume a função de credor de última instância, através da impressão de dinheiro (sem substância), compra de papéis podre de crédito privado e juros negativos para lubrificar a economia real e fazê-la andar, até que os mecanismos do mercado geradores de capital fictício voltem a funcionar e logo desemboque inevitavelmente em uma nova crise financeira de proporção bem maior que a anterior, como vem acontecendo. Muito mais importante que a inflação e o desemprego, o que o Fed (banco central americano) hoje avalia é se o mercado financeiro consegue se manter sozinho nas alturas com as próprias pernas, gerando capital fictício suficiente para que a economia real não entre de vez em colapso. Esses círculos de crises financeiras cada vez mais curtos é um sintoma do “limite absolutos da valorização do capital” (Kurtz), prenunciado por Marx.  

No caminhar da Terceira Revolução Industrial (ou quarta, como passou a ser chamado esse novo momento do capitalismo), depois da automação da indústria e da agricultura ainda em processo, os sinais de um grande salto vêm sendo observado nas inovações tecnológicas que permitem comunicação em tempo real entre objetos domésticos, equipamentos, máquinas e homens. Impactantes também são as tecnologias desenvolvidas para os serviços oferecidos pelo setor terciário, principalmente para os relacionados diretamente à produção de bens tangíveis e intangíveis como logística, contabilidade, vendas, pós-vendas e atenção ao consumidor. Não se tem claro os números de postos de trabalho que serão fechados nos próximos anos com essa nova onda de automação e utilização em larga escala de tecnologia de informação que atingirá a produção e a circulação das mercadorias, mas sabe-se que vai ser bem superior ao até agora assistido. sem rumolhar de vez o trem ral como a desregulamentaç

O contingente de desempregados resultante dessas mudanças, são presas fáceis dos discursos demagógicos que apontam soluções mágicas para um cotidiano devastado e sem perspectiva, mantido sobre lógica da valorização com custos humanos e ambientais terríveis. Novos Trumps e Brexits devem aflorar mundo à fora. Mesmo que se fechem todas as fronteiras e se desfaçam todos os acordos comerciais, não vai mudar a lógica implacável do capital que movido pela concorrência brutal tende se expandir sem reconhecer fronteiras, e cada vez mais busca o aumento da produtividade, como forma de racionalizar custos e se tornar rentável num senário desfavorável, dispensando força de trabalho, mesmo que isso possa leva-lo ao juízo final.

Se o neoliberalismo era uma tentativa de limpar os “entulhos” à valorização, deixando livre o caminho para o movimento sem peias do capital, num esforço para transformar até o ar que respiramos em mercadorias e de empurra para frente os impasses da crise que não consegue solucionar, o seu fracasso pariu um disforme nacionalismo, com um discurso preso ao pior da política da qual diz querer se livrar. Em defesa do mercado interno e da geração de empregos, Trump promete criar empecilhos capazes de dificultar a forma como o capitalismo avança e, ao mesmo tempo, se aproxima de seu ponto de inflexão. Apesar da tarefa não ser fácil, a violência de uma gestão autoritária com arroubos de que tudo é possível, pode descarrilhar de vez o trem sem rumo do capital.



25.11.2016

domingo, junho 26, 2016

Não há luz nem fim de túnel no capitalismo

Rall

Apesar da constatação do aumento da dívida global ser um elemento fundamental na instabilidade e determinante de sucessivas crises financeira, e do discurso da importância da desalavancagem para evitar novas crises, em contradição com o esperado e com desenhado nos modelos acadêmicos, a dívida global continua a crescer e deverá desembocar inevitavelmente em novas crises. Entre que para os economistas deveria ser o lógico e as incertezas do real, está a incapacidade de acumulação da economia mundial. O excesso do endividamento, depois da crise financeira de 2007/2008 pelo mesmo motivo, surge como uma necessidade para manter de pé a economia moribunda e como forma de empurrar para frente o colapso do capitalismo.

Os juros negativos definidos pelos bancos centrais dos países ricos, foi o meio imposto pela realidade econômica aos governos, para evitar uma nova crise no curto prazo com inadimplência em massa e impacto financeiro de proporções avassaladora. Juros baixos ou negativos é uma forma encontrada de administrar a crise, estimulando o consumo e, ao mesmo tempo, com queimas homeopáticas de capital, distribuindo o prejuízo por alguns setores da economia, sem poupar os bancos que, se tem dificuldade de sobreviver a juros negativos no longo prazo, já estariam em colapso se essa medida não fosse aplicada, arrastando os outros setores da economia. Por outro lado, se os bancos centrais aliviam as perdas do setor financeiro imprimindo dinheiro para compra de créditos podres e emprestam a juros negativos aos bancos privados, os estados nacionais endividados reduzem o aporte de recursos às áreas sociais e desmontam as conquistas trabalhistas. No Brasil a bola da vez nos cortes do governo de plantão é a saúde, a educação e o fim dos direitos assegurado aos trabalhadores com a possível aprovação pelo Senado da terceirização das atividades fins.

O medo de uma deflação com estagnação nos países do centro do capitalismo, tem transformado em realidade a sugestão de Milton Friedman, o que oras.vamos.cid aporte de  de dinheiro“jogar dinheiro de helicóptero”, inundando a economias global de capital fictício sem, no entanto, debelar a crise, o que assombra os chamados formuladores de políticas econômicas. Nos países da periferia do capitalismo, o medo é da estagnação com inflação, fenômeno assistido em países como o Brasil, Rússia e Turquia entre outros nos vários Continentes. Na periferia, diferentemente do centro, a receita para crise é retirar dinheiro de circulação, o bem conhecido arrocho monetário, que sempre vem acompanhado de graves repercussões sociais. Os dois fenômenos, deflação e inflação com crise econômica, são partes de uma mesma realidade: as dificuldades de acumulação de capital pela incapacidade da economia real gerar em quantidade suficiente mais-valia com a crise do trabalho.  

A política de estímulo ao consumo pelo endividamento a juros baixos em países como o Brasil não deu certo. E esse fracasso não está relacionado com a resistência de setores que se beneficiam dos juros altos, como é voz corrente entre economista da esquerda e alguns empresários nacionais endividados. Diferentemente dos países ricos, cujo o aumento da produtividade impacta na redução dos preços das mercadorias, aqui o que se observa é a produtividade do trabalho estagnada em setores importantes da economia, associada a um desequilíbrio cambial e a ruína das contas públicas, cujo impacto da rapinagem não deve ser desprezado. Nos países do centroociedade mais harmoniosa e maiso capitalismo “jogar dinheiro de helicóptero” gera algumas dúvidas, mas é pouco questionada apesar dos efeitos colaterais da expansão monetária. Em artigo sobre o crescimento da dívida nesses países depois do impacto do estouro da bolha de crédito em 2007/ 2008 Ken Brown afirma: "governos, empresas o que oras.vamos.cid aporte de  de dinheiroe pessoas gastam agora em vez de depois" - ou seja, antecipam o consumo da mais-valia e dos salários - "o que tende a reduzir o crescimento futuro". O articulista prevê a redução do crescimento futuro pelo consumo no presente da presumível riqueza futura, utilizando-se de crédito amplamente facilitado, mas fica por aí.

Como a teoria da crise do trabalho e do valor explicar esse fenômeno?

1. Para melhorar as taxas de lucro deprimidas, as empresas buscam aumentar a taxa de mais-valia relativa incrementando a produtividade, para enfrentar a concorrência. Com isso, mantendo-se constante o tempo de trabalho, a tendência é o aumento relativo do mais-trabalho em relação ao trabalho necessário. Por outro lado, o aumento da produtividade nas empresas produz um maior número de produtos por trabalhador em um mesmo período de tempo de trabalho, fazendo com que haja redução dos preços, já que para esse aumento da produção não cresce o dispêndio de trabalho. Nessa condição, as empresas tornam-se mais competitivas e a reprodução do valor da força de trabalho garante as condições mínimas de subsistência do trabalhador pelo barateamento dos produtos de seu consumo. O achatamento dos salários a nível global em progressão há décadas, está relacionado com o aumento da produtividade do trabalho que leva a dispensa dos trabalhadores e ao aumento da mais-valia relativa em relação a parte do valor criado que corresponde aos salários pagos.   
 
2. O incremento da produtividade, determinado fundamentalmente pela revolução tecnológica, que vem tornando supérfluo o consumo da mercadoria força de trabalho no modo de produção capitalista, tende a impactar negativamente na formação da massa de mais-valia.

3. Para compensar a retração da acumulação de “riqueza abstrata” pela redução da geração de mais-valia, o crédito antecipa o consumo no presente da massa dos salários e do mais-valor a serem gerados no futuro. Pressupõe-se aí que a reprodução dos salários e mais-valia (lucro) no porvir terá que cobrir as dívidas do consumo no presente e as que se formarão no caminho para o futuro que pode não ser alcançado.

4. Como por força da concorrência e da necessidade de manter os lucros, na produção capitalista a cientificização, automatização e a dispensação da força de trabalho só tende a se intensificar, o presente aponta para uma redução ainda maior da massa de salários e da mais-valia futura, e com isso a impossibilidade de saldar as dívidas acumuladas atualmente e as que estão em processo para anos vindouros.

5. Com dívidas acumuladas e a redução da “riqueza abstrata” pela a queda da massa de valor e mais-valia social produzida por diversos capitais, a economia global não tem outra saída que não seja elevar as dívidas à patamares superiores, com um problema: as dívidas do passado, somam-se as dívidas cada vez maiores do presente e, à medida que o tempo avança no futuro sombrio do capitalismo e a força de trabalho é substituída por novas tecnologias de produção de bens e serviços, reduz-se ainda mais a geração de valor e mais-valia.

6. O limite da dívida global é também o limite interno absoluto (Marx) do capitalismo. Quando atingir o ponto de não mais ser possível gerar “riqueza abstrata” (dinheiro), ou só produzir resquícios de mais-valia em função do não consumo da substância do valor na produção, o “trabalho abstrato”, entra num impasse a necessidade de se aumentar a dívida para que a máquina capitalista continue funcionando. Já não se vislumbra qualquer chance de se pagar dívidas públicas ou privadas e as dificuldades de as rolar para o mais longínquo futuro são crescentes. As dívidas com prazos para serem liquidadas daqui a meio século já dão o que pensar.
 
A possibilidade de o jogo da dívida durar para sempre, como antever alguns, seria possível se capitalismo pudesse sobreviver a permanente crise da desvalorização do capital total sem colapsos violentos da economia mundial e sem questionamentos. No entanto, o processo de encolhimento da massa de mais-valias, em velocidade cada vez maior pela redução da substância do valor, o “trabalho abstrato”, numa economia que a cada dia cresce a dispensa da força de trabalho pela introdução de tecnologias de automação na indústria e nos serviços, mesmo que haja aumento da produção, a mais-valia futura tende a cair em proporção inversa ao aumento da produtividade. Vive-se um momento paradoxal para o pensamento burgueses, algo que não estava previsto pelos seus analistas em mais de três séculos de capitalismo: a medida em que cresce a produção de bens e serviços pelo o aumento da produtividade com as novas tecnologias, capaz de satisfaz as necessidades da população, acompanha essa revolução na produção a queda na formação real de “riqueza abstrata”. Para manter a economia em aparente normalidade, forja-se a acumulação com capital fictício, que desemboca mais tarde ou mais cedo em crises financeiras de gravidade crescente.

Situação descrita como o "novo normal”, economistas e autoridades financeiras, veem no rolar da bolha da dívida que cresce sem parar num tempo que acreditam ser eterno e a-histórico, como inevitável. Considerando que a preocupação das camadas hegemônicas não é sair da crise, pois o fato é que não enxergam saída, mas administrá-la conforme seus interesses sem pensar em outro modo e relações de produção, o chamado “novo normal” tem seus motivos ideológico. Logo se vê que o capitalismo está em transição para um estado totalmente insustentável, já que que os grupos hegemônicos nada pensam mudar: caminha-se para um capitalismo movido exclusivamente por capital fictício, aonde a acumulação de “﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽er umo dessa abstraçnormal tem upopuativos no longo prazo, riqueza abstrata” pela geração de mais-valia, objetivo último da produção capitalista, deixa de existir. Isso é possível ou é uma ilusão dos que acreditam na eternidade do capitalismo? As frequentes crises financeiras, mostram que um capitalismo onde a “riqueza abstrata” já não é uma “abstração real” (Marx), mas um simulacro dessa abstração, sem origem nas relações sociais de produção de mais-valia, não se sustenta.

O que vem pela frente não é previsível. Tanto pode ser a superação da sociedade atual centrada na competição destrutiva e a passagem para uma sociedade mais harmoniosa e solidária, com a transmutação do objetivo final do capitalismo de acumulação de “riqueza abstrata” para uma produção dirigida ao atendimento das necessidades dos indivíduos, como pode a sociedade manter-se atolada na crise, com o risco até mesmo da extinção da espécie humana pelo esgotamento da natureza e pelo acirramento a níveis insuportáveis dos conflitos sociais, levado pela concorrência em busca da acumulação dessa riqueza cada vez mais escassa.

O que era possível após a segunda guerra mundial e até o final dos anos sessenta nos países do centro e mesmo na periferia do capitalismo, um certo equilíbrio entre a acumulação e a distribuição de riqueza pela ação dos Estados, deixa de existir com a crise que tem levado os Estados abandonarem as políticas sociais na tentativa de salvar o sistema. Enquanto não for possível o planejamento e administração das coisas, e prevalecer as categorias cegas e destrutivas do capital a crise é permanente, mas não dura para sempre.


26.06.2016