quarta-feira, maio 24, 2006

A esquerda moderna


“O mundo ideal é uma mentira inventada para
despojar a realidade do seu valor, da sua
significação, da sua veracidade.”
Nietzsche.


É burlesco ver como o PT defende as reformas ditas neoliberais. Não que elas não sejam necessárias para dar uma folga à sociedade do trabalho e a seus desesperados defensores. Até pode haver um certo crescimento econômico, mas criar novos postos de trabalho... ta longe. O mais estranho é que seus chefes alem de o tempo todo fazer mea-culpa por suas posições passadas dizem que quem mudou foi o Brasil. É claro, desde a primeira greve do ABC nos anos setenta ao momento atual, onde se pede paciência à população em desespero, muita coisa mudou. Mas fogem a percepção as raízes dessas mudanças. Daí o fascínio em ‘aprofundar’ o que está aí como saída para crise, pois a análise que se faz não permite talvez outras opções sem maiores riscos.

E o Estado, a vaca sagrada da esquerda cada vez cada vez mais perdida? De suas tetas já não jorra tanto leite, mas aumenta em proporção geométrica os que imploram pela sua bondade.

As empresas rejeitam pagar a conta, clamam contra os impostos que dizem pesados e por isso sonegam e são perdoadas. Bradam como solução uma reforma fiscal que as desonerem. Exigem ainda mudanças na CLT que precarize o emprego e, se possível, não garanta nenhum direito aos que teimam trabalhar. Para os abandonados pela disciplina do trabalho que rejeitam morrer de fome, os presídios estão abertos para lembrá-los dos seus deveres e educá-los na delinqüência. Quando soltos serão caçados, presos ou abatidos como animais ferozes, testando assim o poder disciplinar das instituições modernas. Da previdência nem se fala: lugares para bons velhinhos são os asilos. Talvez lá sobrevivam às torturas com os restos das aposentadorias, se não forem antes chamados pela Divina Providência.

Os analistas de plantões já falam na necessidade de um crescimento de no mínimo 4% para as economias gerarem novos postos de trabalho. Logo os cálculos serão refeitos para 6, 10... %, ou um crescimento econômico sem sinal de empregos. Aterrorizados com a economia paralisada e o emprego em queda livre, nas rodas secretas já se fala em redução da jornada de trabalho para, num passe de mágica, ajudar a criar os dez milhões de empregos prometidos. Mas, antes disso, veremos a rede de proteção social desmantelada pelos seus defensores, pois, como dizem os senhores do poder: o déficit da seguridade social é o grande entrave para um novo ciclo de acumulação.

O que eles e seus aliados não entendem é que um dos grandes paradoxos dos tempos atuais, o enorme potencial produtivo da revolução micro-eletrônica, vem gerando, ao contrário do apregoado, um mar de miséria que transborda no equador e invade revolto com suas águas turvas a beleza americana e a antes estável Europa, que não se resolve dentro da modernidade, com medidas "reformistas" e muito menos com o discurso antiimperialista, mofado pelo tempo e de cunho autoritário.

Ir além da modernidade, romper com os grilhões que nos prendem e nos escraviza ao mundo fetichizado das relações mercantis e com as formas hierarquizadas e burocráticas das organizações privadas e estatais que vampirizam as energias criativas dos indivíduos e depois os descartam como um bagaço imprestável, exige mais do que o espetáculo do poder que pelo encantamento busca nos paralisar.

O vazio do valor atinge em cheio as cabeças da esquerda que não sabe pensar em horizontes que transcendam os limites da sociedade do trabalho. No poder não podiam ser diferentes. Então, por que tantos surpresos senhores?
Rall
12.06.2003



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