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O filme do diretor José Padilha, busca mostrar a violência que grassa os aparelhos de segurança do Estado, associada a uma corrupção crônica que se estende ao Executivo, Legislativo e, menos evidente, ao Judiciário. O filme se desenrola contando a história das milícias do Rio de Janeiro, que surgem a partir da relação de militares com o crime organizado. Observam que os criminosos montaram nas favelas uma eficiente empresa que se ocupa não só da venda de drogas, mas também do monopólio da distribuição de gás, venda de ligações clandestinas de TV a cabo e de outros lucrativos comércios. Os policiais de um batalhão, não satisfeitos com o valor da propina paga pelo tráfico, resolve tomar uma favela e assumir o comércio dito informal, expulsando os traficantes e instituindo um Estado paralelo, com cobrança de “impostos” para garantir a segurança do cidadão.
Não demora e o achado que promete “segurança” à população e muito dinheiro para os envolvidos, chega ao núcleo do poder político (1) cujos membros se aliam as milícias e passam a ordenar a ocupação das favelas pelas tropas de elites, deixando o território livre para instalação de bandos armados, acobertando o crime organizado gestado nas corporações militares. Os políticos ganham com a repercussão manipulada dos fatos e com a divisão do butim. Apesar de o filme tentar retratar a situação particular do Rio de Janeiro, capta uma realidade mais geral em movimento, não restrita só aos Estados brasileiros, mas que hoje atinge todo o mundo globalizado. Daí uma das qualidades do filme como obra cinematográfica.
A crise pela qual passa a sociedade capitalista tem evidenciado o quanto Estado e mercado se complementam inclusive na bandalheira. Os trilhões de dólares e outras moedas transferidas pelos estados em todo mundo para cobrir os prejuízos do mercado com papéis podres e pirâmides financeiras mostra que a lógica é a mesma, só muda a forma: fazer dinheiro, mesmo que fictício, sem importar-se o custo humano e social.
A concorrência que se acirra com a intensificação da crise de acumulação real de capital, assume na sociedade burguesa uma dimensão espantosamente destruidora, incapaz de ser contida em seus excessos por um Estado cada vez mais contaminado por essa lógica. Portanto, a degradação do Estado que o distancia de sua forma “ideal” é o reflexo das taras de uma sociedade em profunda crise que atingem todos seus interstícios. Estado e mercado, que são partes do todo que constituem a sociedade burguesa, apesar de em alguns momentos passarem por violentas tensões resultantes das contradições inerentes, não vivem um sem o outro e alimentam-se mutualmente em sua miséria, movidos pelo fetiche do dinheiro venerado por todos. A loucura do mercado financeiro não está desacoplada da economia real como muitos desejam e (ou) como tenta convencer outro filme, “Wall Street 2: O dinheiro nunca dorme” , mas tem na crise de “valorização do valor” da economia real sua causa fundamental.
Como sair disso e nos livrar da barbárie? Com certeza não através do Estado burguês, que se degenera em grupos mafiosos violentos e nem sequer consegue mais administrar a crise, como deseja uma esquerda que se alimenta de literatura e conceitos mofados no tempo e é incapaz de romper o arcabouço ideológico ao qual estão amarradas suas fantasias. Se a crítica social não quiser sucumbir ao totalitarismo da mercadoria que nos sufoca, tem que dirigir suas baterias às formas existentes, abrindo frestas em todas as frentes para que se enxerguem outras formas de organização em formação capaz de superar o estado de coisa em que vivemos, antes que seja tarde demais para se alcançar uma verdadeira comunidade humana.
Esperamos que o próximo filme da série, o Capitão Nascimento, apesar das expectativas, não seja transformado no herói capaz de realizar a limpeza ética do Estado, que regenerado, coloca-se pronto para extirpar pelo uso da força as pontas podres do sistema. Pois essa coisa estranha e fora de controle chamando “sistema”, é a expressão de força de um Estado capitalista cada vez mais armado contra os indivíduos e a possibilidade de uma sociedade solidária, planejada e construída a partir das reais necessidades humana. Seria melhor manter nos filmes vindouros a crítica negativa aberta do que buscar um final feliz, que anestesia com imagens espetaculares a possibilidade de reflexões.
(1) Da doce ilusão à consentida mentira
25.10.2010
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