quinta-feira, julho 17, 2008

Inflação ou deflação, para onde caminha a crise?

Rall


As surpresas da crise têm deixado tontos analistas econômicos de várias tendências. Alguns convivem angustiados com a inflação, outros vaticinam uma deflação mundial como o verdadeiro Nosferatu da crise. Esquecem, ou não enxergam, que inflação e deflação são formas de manifestação da crise(1), e que o deslocamento para um lado ou para o outro, vai depender das circunstâncias. Se olharmos como a crise vem se desenrolando nos EUA, veremos isso com mais clareza.

No estouro da bolha imobiliária, um setor inteiro, talvez o mais importante da economia americana, entra em deflação com desabamento dos preços dos imóveis em geral. Segue-se a queda dos preços de ativos financeiros a eles relacionados, negociados nos mercados em todo mundo. Parte do capital que consegue se safar de virar pó, foge para ativos reais, já que os papéis de toda espécie apresentam-se altamente inflamável ao menor atrito na economia.

E um desses ativos mais seguro é o ouro, que como outros metais preciosos não derretem fácil às altas temperaturas da crise. O ouro que volta a cena com todo esplendor, ameaça a assumir o papel de equivalente geral no mundo das mercadorias com a fraqueza do dólar. Capitaneia commoditieis metálicas em seu salto para o além, que já vinham com preços acelerados pela demanda aquecida.

Mas, como forma mais acabada da mercadoria-dinheiro, o ouro, e também seus pares metálicos, não brilham em quantidade suficiente para o capital que corre solto em busca de garantias. Brota então o ouro negro para reforçar a bolha das commoditieis. Como ainda sobra dinheiro inseguro de sua função, e dessa vez não é possível guardar dólar em baixo dos colchões pela rápida desvalorização do mesmo, aposta-se nas commodities agrícolas. Daí a inflação que se espalha por outros setores da economia.

Mas se parte da população mundial deixar de se alimentar, os abastados não encherem os tanques de seus carros bebedores de gasolina e álcool na velocidade em que faziam, os impulsivos consumistas não comprarem objetos de pouca utilidade que só poluem e evenenam o planeta, vai sobrar mercadoria e os preços podem desabar. E então, a outra face da crise, a deflação, pode se manifestar com força.

Esses espasmos que fazem o capitalismo em crise e seus agentes contorcerem-se de dor, parecem querer mostrar os limites a que está sujeito a acumulação real na terceira revolução industrial. O fogaréu que consome o capital fictício, ora com a intensificação da inflação, ora com a deflação em países diferentes, ou em setores diferentes de um mesmo país, pode chamuscar os bolsos fartos de alguns e jogar na miséria e na fome multidões de Continentes inteiros.

Se no horizonte não surgir à possibilidade de uma bolha de longa duração, pois a bolha das commodities pode rapidamente se esvair, e pouco restar do capital fictício das que estouraram, deve predominar mundialmente a deflação. Neste cenário, Estados endividados entrarão em colapso e não haverá outra saída se não aumentar a impressão de moedas sem lastro, que pode levar a hiperinflação, sem, no entanto, impedir a queda relativa dos preços.

Essa forma de inflação, velha conhecida dos países do terceiro mundo, em particular dos brasileiros, funciona como um tributo perverso que transfere renda dos mais pobres para financiar os gastos do Estado e das camadas mais ricas da população, muitas das quais só sobrevivem na sombra estatal.

(1)O beco sem saída da economia americana

17.07.2007

terça-feira, julho 08, 2008

Bolhas, buracos negros e inflação

Rall


As bolhas financeiras quando em crescimento, funcionam como diques de contenção do capital excedentário. Quando se rompem, o capital contido e multiplicado sai atrás de tudo que aparentemente reluz. As bolhas são como buracos negros, sugam toda matéria que possa ser alcançada por sua força de atração, mas a mantém contida pela energia aí gerada. Se explodem, joga tudo para fora - nesse caso as bolhas, pois não se tem conhecimento de explosões de buracos negros apesar de ser um evento possível. A matéria, o dinheiro expelido, busca acomodar-se em outros buracos que lhes sejam rentáveis, não sem antes causar distúrbios por vezes violentos.

A diferença da crise atual para as anteriores, causadas também por estouro de bolhas financeiras, é que agora todos os papéis parecem suspeitos, o que tem levado o capital a se dirigir e aportar em ativos reais, principalmente aqueles, que por motivos diversos, podem ou vem sofrendo alguma pressão de demanda. O exemplo mais evidente é o do petróleo, aonde os preços já vinham subindo em função da escassez na natureza e das incertezas políticas nos países produtores. Mas só o desequilíbrio entre a oferta e a procura, não é, de forma nenhuma, suficiente para explicar o salto absurdo dos preços logo após o estouro da bolha imobiliária nos EUA, como pregam alguns arautos do sistema.

O petróleo, como outras commodities, sobe num momento em que a expectativa é a redução do crescimento mundial, ou seja, de redução da demanda, o que aponta para a existência de uma bolha. O problema é que a bolha das commodities, em particular do petróleo, é altamente inflacionária, pois sendo este a matriz energética do mundo e matéria-prima de um grande número de produtos industrializados, a inflação tende a disseminar-se por todos os setores da economia. Para tomarmos consciência da importância do petróleo na produção de mercadorias é só olhar além dos tanques de combustíveis de nossos carros, para os objetos que nos cercam, os alimentos que ingerimos e veremos o que significa o aumento de preços desse produto.

A bolha das commodities difere das demais pelo fato de o aumento dos preços se espalharem por todo planeta, não se restringindo a alguns países por ter a economia capitalista no petróleo a sua principal base sustentação. Quanto ao aumento dos preços dos alimentos, pode ter alguma relação com o consumo, mas é preciso levar em consideração os preços dos transportes, da armazenagem, dos insumos, principalmente dos fertilizantes, que direta ou indiretamente tem alguma relação com o petróleo. Mas não pode ser deixado de lado, de forma alguma, o impacto da utilização das commodities como refúgio do capital que foge dos estragos causados nas bolsas, no setor financeiro e em seus exóticos “produtos”, pela crise imobiliária americana. É só analisar a velocidade de negociação das commodities alimentares nas bolsas de mercadoria (1), e a voraz compra de terras produtivas e meios de produção pelos fundos em todo mundo e no Brasil.

É possível assistirmos aqui situação semelhante a dos anos setenta(2), quando no lançamento do Pró-álcool, terras destinadas ao cultivo de alimentos pelos pequenos agricultores e suas famílias, foram “expropriadas” pelo capital, que via na monocultura da cana-de-açúcar e na produção de álcool uma alternativa para aumentar a rentabilidade. Com o entusiasmo do governo pelos biocombustíveis e o capital global à solta, ávido por novas oportunidades, tudo fica mais fácil. Só estamos no início de um processo e a compra de terras por empresas, fundos nacionais e estrangeiros, que vão de vastas extensões a pequenos sítios, já fez subir significativamente o preço do hectare, o que deve complicar mais ainda a produção de alimentos e a inflação. As condições são propícias para uma nova onda de concentração da propriedade fundiária.

O discurso de um desajuste causado na economia pelo “choque de oferta” e pressão de demanda, como único responsável pelo aumento dos preços das commodities, não entende, ou intencionalmente tenta deixa de lado, a importância do violento movimento do capital, fictício ou não, em busca de rentabilidade na crise atual. A fragilidade do dólar frente às outras moedas, que busca compensar a queda das vendas internas americanas com as exportações, e, ao mesmo tempo, reverter o déficit na balança comercial, tende a agravar mais ainda a situação, pois a depreciação do dólar, que funciona como dinheiro universal, é causa e efeito dessa nova realidade.

29.06.2008

(1) Nem que todos morram de fome...
(2) Uma breve história da expulsão do homem do campo pelo capital