Rall
A inflação antes restrita a alguns países, torna-se um fenômeno mundial e volta a assustar. A sombra da crise de 29, que arrastou o mundo à carnificina da segunda guerra mundial e parecia esquecida, assume contornos bizarros no horizonte e já é avistada com assombro por alguns. E é ela bem mais real do que os desejos de muitos analistas e governantes. Na velocidade em que vem se formando o capital fictício a partir dos anos 80, apesar dos mecanismos de contenção, chegaria o momento que este transbordaria e mostraria sua outra face: a inflação. Tão pouco esperada para um momento em que a economia americana e mundial dá sinais de desaceleração, a inflação tem vários determinantes, mas vamos nos ater ao que achamos no momento importante.
O dinheiro excedente, gerado de diversas formas, principalmente nas bolhas e nas máquinas dos governos para ser generosamente distribuído, deve ser levado em consideração quando se fala em retomada da inflação. Vale uma ressalva antes de prosseguirmos: com a terceira revolução industrial, a produção atual de mercadoria depende da formação de capital fictício. Na fórmula clássica D-M-D’, mais dinheiro (D’) só é possível por ser a força de trabalho uma mercadoria capaz de produzir mais valor. Com a automação da produção que tende a aumentar o capital fixo e a dispensar cada vez mais trabalho do processo produtivo, a formação de mais dinheiro (D’) como expressão da “valorização do valor” entra em crise. Daí o surgimento das “máquinas” de produção de capital fictício na economia mundial que não se restringem à impressão de papel-moeda pelos governos. Foram se constituindo mecanismos sofisticados de geração dessa forma de capital, que aparentam uma relação mais direta com a produção de mercadorias do que as impressoras das casas de moedas.
Um desses mecanismos é a relação econômica dos EUA com os países asiáticos, principalmente China e Japão, onde o enorme déficit comercial americano é coberto com uma montanha de dinheiro barato vindo desses países. Outros são os juros negativos praticados pelo Fed (e outros bancos centrais), os subsídios e cortes de impostos, medidas sempre tomadas todas as vezes que a economia entra ou corre o risco de recessão. O volume de capital que passa a circular a partir daí, ofertado a longo prazo as famílias e as empresas, ultrapassa a capacidade de consumo e investimentos, permitindo liquidez para especulação de toda ordem e formação de bolhas em vários setores da economia. Essas bolhas, ao devolverem mais dinheiro mesmo que fictício ao mercado, realimentam o consumo e os investimentos, aumentando também o tamanho e a possibilidade de outras, numa crescente bola de neve que parece não ter fim. Mas, um bom observador verá que a ascensão das bolhas e o crescimento econômico a ela acoplada, são sempre acompanhados de estouros e da queda da economia.
Esse parece ter sido o meio encontrado, pela economia global, para superar as dificuldades geradas com a crise do trabalho na era da revolução tecnológica, que leva a paralisia na formação de capital, entendido como trabalho morto acumulado. Não é um processo linear. Na competição sem limites por mercados, o capital está sempre em movimento na busca de novos espaços que lhes sejam favoráveis na produção de mercadorias. Por outro lado, mesmo com o “efeito bolha”, empregos não são criados em quantidade suficiente capazes de compensar o fechamento de postos de trabalho produtivos pela introdução de novas tecnologias, que pode ser indiretamente medido pelo grande aumento da produtividade do trabalho observado nas últimas décadas em todo mundo. Esse fenômeno não impede que ondas de empregos emerjam em certos momentos do capitalismo mundial como observado até recentemente. São empregos, em grande parte, improdutivos no sentido de não gerarem mais valia, e empregos precarizados como indica a estabilidade ou mesmo a queda da massa salarial na maioria dos países.
Se por um lado essa enorme quantidade de dinheiro supérfluo empurra para frente a possibilidade de uma crise sem retorno da forma capitalista de produção, quando não devidamente contido pelos vários mecanismos financeiros pode levar a inflação, como agora observamos após o estouro da bolha imobiliária que obrigou os capitais se deslocarem para ativos reais, inflando aos céus os preços das commodities metálicas, químicas (petróleo e derivados) e de alimentos. Situação agravada com os juros negativos, principalmente nos EUA e Japão, e pela ação dos bancos mundiais dos países ditos desenvolvidos que despejaram no mercado mais de um trilhão de dólares sem, no entanto, conseguir reverter a crise do sistema financeiro nem aquecer, como se esperava, suas economias. Os velhos remédios keinesianos ou monetaristas já não funcionam mais. Juros baixos e mais dinheiro para o consumo na situação atual significa mais inflação; arrocho monetário e juros altos mais recessão sem a garantia da queda dos preços. É a crise autonomizada dando sinais de sua verdadeira dimensão, mostrando que não se deixa facilmente controlar pelas vontades das elites e dos governos.
24.06.2008
2 comentários:
Caro Rall,
Há um factor importante mas quase invisível na ordem causal da actual crise financeira mundial, que é o chamado "carry trade" japonês. Elaine Supkis Meinel tem escrito abundantemente sobre o assunto no seu blog Culture of Life News.
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semelokertes marchimundui
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