terça-feira, abril 22, 2008

O fim da onda neoliberal e a tirania da economia

Rall


A política é cada vez mais percebida como imanente à sociedade capitalista. Incapaz de produzir mudanças que não sejam dentro do exigido pelas regras que regem o funcionamento dessa sociedade, nos períodos de crises, aonde os limites da acumulação capitalista vem à tona e a economia exige atenção absoluta, os órgãos diretamente ligados ao capital, responsáveis pela administração da crise, como os bancos centrais, ganham vulto e a política mostra-se mais ainda desprezível. Se olharmos o noticiário econômico corrente, principalmente as notícias vindas dos EUA, veremos que de longe predominam as questões relacionadas com a crise econômica, estando em primeiro lugar as notícias sobre as oscilações dos indicadores econômicos, o comportamento das bolsas e as próximas medidas mágicas do Fed na busca de uma solução capaz de empurrar para frente o que hoje afeta a economia. Quando os políticos se manifestam, seja no Brasil ou nos EUA, geralmente é para apoiar as medidas dos bancos centrais como aumentar ou reduzir os juros e alguns para espernear sem nenhuma conseqüência.

A sensação de que os partidos políticos só se diferenciam no discurso quando se xingam é universal e real. Nas ações, partidos como os italianos PL de Berlusconi e o Partido Democrata (PD) ex-comunistas, Partido Democrático e Partido Republicano nos EUA, PT e PSDB no Brasil, só para citar alguns, em nada se distinguem. Mesmo partidos mais radicais, ao trilharem o caminho do poder caem na vala comum. Aqui, a política do PT é a continuidade da do PSDB, inclusive nas amplas alianças. Algumas nuanças existem como a capacidade de domesticação dos movimentos sociais pelo Governo atual, nada mal para os intentos do capital. Sobre a Itália vale ver o documentário da humorista italiana Sabina Guzzanti. Apesar do esforço da produtora para apontar o contrário, a política aí pouco diverge do resto da Europa, a não ser pelos obstáculos as “liberdades” individuais e de imprensa impostos por Berlusconi e companhia. O documentário mostra a tomada do poder pelo grupo de Berlusconi, facilitada pelos partidos de oposição, e as repercussões que isso veio a ter na imprensa com a demissão de jornalistas da RAI e de jornais privados, e fechamento de programas como o humorista RaiOT de sua autoria, que ousavam caricaturar Berlusconi e membros de seu Governo.

A chegada desse mega-empresário da mídia a primeiro-ministro da Itália, nada escrupuloso quando trata de defender seus negócios, e que, não sem razão, não vê nenhuma diferença entre os interesses privados e do Estado (apesar das tensões que daí podem resultar), Berlusconi utiliza o poder econômico e de chefe de Governo para chantagear adversários e subordinar a imprensa à sua versão chula do espetáculo. Para tanto a violência física não precisa ser empregada, como acontece em muitos países, pois se dispõe de instrumentos intimidatórios suficientes, como processos bilionários contra jornalista e a mídia, além das demissões pura e simples dos considerados adversários. No Brasil isso não se faz necessário, pois o comprometimento da imprensa com os financiamentos generosos do Governo e a compra de espaços para farta propaganda, como também ser parte dessas, a televisiva, concessão do Estado conforme acertos políticos, a mordaça é desnecessária pela convergência de interesses. Mas quando preciso as advertências, as pressões econômicas como as que vitimaram anos atrás o jornalista Paulo Francis que criticava duramente os burocratas do poder, são exercidas. Pode-se dizer que só resta a internet como o espaço mais livre, apesar dos constantes ataques e tentativas de controle em nome da moralidade.

Em alguns momentos, até o início dos anos 70, a política parecia imperativa e transformadora. De fato, nos movimentos de libertação e de auto-afirmação da soberania, nas lutas contra as ditaduras o componente político tinha um papel importante na consolidação do capitalismo. No Brasil, a luta pelo controle dos recursos naturais, principalmente o petróleo, era a vanguarda da “modernização recuperadora”. Na busca de um crescimento acelerado, limpava-se o caminho das formações pré-capitalistas e rompiam-se os elos internos e externos que aparentemente reforçavam essas formações, para que o bonde capitalista se movimentasse sem empecilhos. Pela carência do capital privado nacional e pelo pouco interesse dos investidores estrangeiros, o Estado teve um enorme papel na destruição dessas formações e na liberação dos trabalhadores que agora poderiam vender livremente no mercado sua força de trabalho às empresas capitalistas, privadas ou estatais, que se formavam nos centros urbanos ávidas para gerarerem mais valia. Com ajuda da mão visível do Estado, tirava-se recurso da sociedade transferindo-os para o setor empresarial, procurando assim suprir as deficiências da “mão invisível” do mercado.

No capitalismo maduro a subordinação dos partidos políticos, do Estado, da mídia, da arte e por que não da vida às leis da economia é absoluta. Tudo fundiu-se sob a mesma lógica da "valorização do valor". É impensável qualquer movimento fora dos limites cada vez mais estreitos delineados pelo capital. O poder concentrado no Estado é mobilizado considerando-se os momentos do mercado. Algum tempo atrás o discurso neoliberal era de um Estado distante dos negócios. Hoje, com a crise do sistema financeiro mundial, os bancos centrais, atrelados aos interesses dos bancos privados, são convocados a intervir distribuindo dinheiro a rodo para o sistema financeiro não ir à lona e salvando bancos como o Northern Rock na Inglaterra e o banco de investimento Bear Stearns nos EUA. O fim da onda neoliberal com presença dos órgãos financeiros do Estado socorrendo os bancos e distribuindo os prejuízos com sociedade, não merece regozijo, pois só expõe de quem o Estado moderno é vassalo. Um pouco de conhecimento da história da sociedade burguesa, mostra que a presença maior ou menor do Estado e suas formas dependem das situações pelas quais passa a economia. Mas, mudanças reais não passam pela ingênua alegria do possível fim do período neoliberal.


22.04.2008

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