Rall
Num certo dia, nas minhas poucas relações com a televisão, entrei num desses canais pagos e me deparei com uma entrevista do ex-Ministro da Cultura de Jacques Chirac (se não me falha a memória Jean-Jacques Aillagon), que sinceramente dizia que noventa e nove por cento de sua atividade à frente do Ministério da Cultura da França era dedicada a relações públicas e um por cento a algum tipo de realização. Afirmara ainda que isso não era diferente nos outros Ministérios, e que a grande preocupação de seus assessores era com a entrevista marcada para tal jornal ou revista, com a visita programada a alguma instituição e a abertura de um determinado evento. Acreditava ser mais útil aos franceses escrevendo livros. Talvez não soubesse, mas estava ele revelando, de forma espontânea, a falta de respostas da política para questões atuais. E se olhado com uma lupa, esse um por cento da “capacidade empreendedora” de seu ministério não passa de adaptações às exigências do capital.
A fala do referido ministro lembrou-me as funções das agências reguladoras e para quem “regulam” o mercado. As exigências das empresas de criação dessas agências, autônomas em relação ao Estado, para que possam investir com segurança, mostra a serviço de quem são constituídas. O recente acidente da TAM e os escândalos que se seguiram denunciando a estreita colaboração entre os diretores dessa agência e os interesses das empresas de aviação, pondo em risco a vida dos passageiros pelo que se deduz do vasto noticiário, é só a ponta do iceberg dessa intricada relação. Quando analisamos a conduta de outras agências veremos que essa é a norma. Não é necessário ir muito longe, basta analisar aquela que é responsável por um dos custos que mais severamente atinge o bolso de vastas camadas da população e que quando mais precisa é expulsa do sistema pelos preços das mensalidades: a agência que regula os planos de saúde. Veremos que elas estão aí para arbitrar a favor do capital nas incertezas do mercado, sem ouvido para consumidores angustiados que não tem com quem reclamar.
A atuação dos órgãos reguladores criados pelo Estado e a defesa que deles fazem os representantes do capital, com ameaças de não investir na ausência de “marcos regulatórios” que garantam bons retornos e pouco riscos, mostra a impossibilidade de se separar as políticas públicas do interesses privados, apesar dos discursos contrários e da gradação encontrada nos países de diferentes culturas. É daí, da incapacidade de se definir fronteiras entre o público e o privado, que aflora a corrupção crônica atingindo todos segmentos e que se intensifica na medida em que separação formal entre o capital e o Estado tende a se dissipar, mostrando-se, capital e Estado, como faces de uma mesma moeda. O homem público burguês é cada vez mais privado nas suas ações, evidenciado-se seus interesses particulares. Se a nível material essa separação nunca existiu na sociedade burguesa, também no nível formal já não é mais possível manter as aparências, jogando por terra o mito do homem público e a impossibilidade de uma ética na política. Torna-se, portanto, vazio o discurso aparentemente moralista da grande imprensa e de políticos da oposição contra os seus pares, já que todos se movem impulsionados por uma mesma lógica.
A sucessão de casos de corrupção, cada vez mais difícil de serem contidos por regras morais abstratas, se aumenta o niilismo na sociedade, deixa os meios de comunicação furiosos ao verem a imagem forjada dos políticos “honestos” e das instituições que representam se desfazer a cada escândalo como bolhas de sabão em um dia ensolarado. É preciso manter as aparências, da qual faz parte o espetáculo midiático, de que a política ainda funciona, como é preciso que a economia de bolhas mantenha-se inflada, com o dinheiro vazio de substância multiplicando-se sem controle, abençoado pelos setores regulatórios, aparentando que tudo vai muito bem com a acumulação do capital. Os níveis de corrupção que atingem o Estado e as corporações privadas em todo mundo caminham de mãos dadas nas sombrias vielas onde se forja o capital fictício. É impossível, a despeito do desejo de alguns, separar uma coisa da outra, pois ambas são facetas de um mesmo engodo real sobre o qual não se tem controle.
28.09.2007
Um comentário:
É isso. A coisa pública virou privada há muito tempo. Abraços.
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