domingo, setembro 09, 2007

O Brasil está imune à crise?

Rall

O Governo tem se esforçado na busca de convencer os mercados, que estamos imunes à crise que se iniciou no setor imobiliário americano e se alastra para economia mundial, através da fala de seus ministros e do próprio Presidente Lula. Seria verdade se vivêssemos numa redoma, com uma economia isolada e auto-suficiente, estruturada à Robinson Crusoé, sem tomar conhecimento do mundo exterior. Mas essa não é a realidade, estamos mais inseridos (e só assim podemos sobreviver como país capitalista) a economia mundial do que expressa a fala das autoridades. Hoje, o espirro americano, a diarréia asiática ou a cefaléia da zona do euro, atingem os mais recônditos países, por insignificante que sejam, pois as doenças são sistêmicas numa economia globalizada, já não se autolimitam, mesmo que sejam na ponta do pé de algumas dessas regiões.

O discurso de que uma recessão nos EEUU, epicentro dos atuais abalos, não atingiria o restante do mundo, muita vezes defendido também por analistas da grande mídia, ou é hipócrita na busca de acalmar o mercado financeiro dando tempo para o reposicionamento de grupos, ou não se estar entendendo a seriedade do momento. Fala-se da China e de outros países em desenvolvimento, inclusive do Brasil, como contraponto à recessão mundial. Ora, talvez seja a China o país que mais sinta com a redução da atividade econômica americana. Vale lembrar que o grosso da produção chinesa para exportação destina-se a esse mercado. Os países asiáticos, com a China e o Japão à frente, formam o maior circuito deficitário de todos os tempos nas relações comerciais com os EEUU, tendo este como sorvedouro das mercadorias aí produzidas.

A contração das atividades econômicas provavelmente reduzirá as importações para USA e deve pressionar no sentido de reequilibrar a balança comercial deficitária, principalmente nos negócios com a China. Isso pode atingir em cheio a produção desse país, que não tem condições de ser absorvida pelo mercado interno ou pela ampliação do mercado com outras nações. A inibição das atividades econômicas na América e na China é o suficiente para impactar negativamente nos preços e nas exportações das commodities, com exceção talvez do petróleo pela escassez do produto e por se encontrar sua extração em zonas de conflitos. Mas não fica por aí: na crise sistêmica, Europa e demais países asiáticos serão atingidos, agravando mais ainda a situação dos exportadores de matéria prima ou de produtos semi-acabados como o Brasil.

Mesmo sem a crise mostrar toda sua força destrutiva, contornada provisoriamente pelas medidas tomadas pelos bancos centrais do mundo rico que injetam todos os dias bilhões de dólares para garantir liquidez, a volatilidade das bolsas com tendência de queda já dificulta os projetos de ampliação da produção de empresas que viam aí a forma adequada de captar recursos para novos investimentos no Brasil. Se considerarmos a probabilidade de numa economia globalizada os bancos nacionais ou os que aqui atuam, por mais que neguem, dificilmente deixarão de ter em suas carteiras derivativos lastreados em papeis da indústria imobiliária da América do Norte, a expansão do crédito que vem ajudando a sustentar o consumo interno pode sofrer um revés. Os sinais de uma possível freada na queda das taxas de juros e a pressão de alguns grandes bancos nacionais nesse sentido podem ser um indicativo das dificuldades que estão por vir.

Uma redução das transações comerciais no circuito deficitário asiático significa um aumento da competitividade internacional com queda nos preços das mercadorias. O Brasil, além do risco de redução das exportações de commodities que sustentam o saldo da balança comercial, vai ter quer lidar no mercado interno e externo com a invasão de mercadorias vindas da China e da Índia principalmente, que não encontrando destino nos tradicionais mercados importadores tomarão outros rumos. Com a produtividade em queda quando comparado com outros países, dificilmente setores da indústria tupiniquim suportarão mais esse embate. Pode-se estar pensando num rearranjo do câmbio, desvalorizando o real. Num primeiro momento, com a fuga de capitais de curto prazo isso é verdadeiro. Não esqueçamos, porém, que a trajetória de queda do dólar em relação às outras moedas que vem acontecendo em função dos desajustes na balança comercial americana, tende a acelerar se houver um aprofundamento da crise, restabelecendo a valorização do real.

Esse momento deve abrir espaço para atuação mais agressiva dos fundos "soberanos", com aquisições hostis ou não de ações de empresas em dificuldades financeiras. Os fundos private equity e os hedge funds como estão intimamente ligados ao sistema bancário e ao crédito farto e barato, podem ter problemas a curto prazo. Não é à toa que o mercado de fusões e aquisições de firmas, bancado pelos private equitys, que vinha motivando as altas nas bolsas em todo mundo, encontra-se praticamente parado. Quanto aos fundos “soberanos”, na verdade fundos estatais de países superavitários, carregados com trilhões de dólares, encontram-se prontos para aportar onde for possível qualquer rentabilidade ou em áreas estratégicas da economia mundial.

A resistência dos governos dos países capitalistas avançados aos fundos “soberanos”, com medo que por trás existam estratégias de dominação das riquezas do globo, só vai até o primeiro ato. Se as empresas ocidentais pedirem água, as portas abrem-se para os intrusos regata-las, mesmo sabendo-se dos riscos futuros. Talvez esteja aí germinando a nova bolha da salvação tão procurada para animar a ficção econômica, já que “não há muito a fazer contra a propensão humana a criar bolhas”, como diz Greenspan ex-presidente do FED. Para homens do mercado seria mais correto dizer que não há muito a fazer senão rezar para que novas bolhas ventilem o corpo insepulto de uma economia que não mais valoriza o valor.


09.09.2007

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