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Duas notícias nos jornais diários das últimas semanas chamaram atenção: a primeira, a ameaça da Volkswagen de fechar a fábrica de São Bernardo, berço do “sindicalismo moderno” e da militância do Presidente sindicalista. A outra, refere-se ao exponencial crescimento do emprego terceirizado em 127% em dez anos, de 1995 até 2005, segundo pesquisa do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Os fatos que parecem isolados, são, na verdade, manifestações de um mesmo fenômeno: queda da rentabilidade do capital industrial como expressão da crise do valor.
A Volks simbolizava o Brasil moderno que queria ingressa num salto no mercado mundial, não mais através do café e do açúcar exportado, mas da política de portas abertas ao capital transnacional, cujo ícone do período foi o alegre desfile do sorridente Presidente Juscelino em um fusquinha aberto. Com a indústria automobilística surge aí um novo momento da “modernização recuperadora” (Kurz), iniciada por Getúlio Vargas com a instalação da indústria de base e a campanha do “Petróleo é nosso”.
A Volkswagen e outras montadoras, ao se instalarem em São Bernardo do Campo, davam uma contribuição “pioneira” na geração de um novo pólo industrial. Com ele e nos intramuros das multinacionais, nasce o “sindicalismo de resultados”, cujo maior orgulho é ter forjado o operário-Presidente. Num primeiro momento, e, ainda, no apogeu do emprego farto na indústria, Presidente do maior e mais poderoso sindicato da América Latina. Agora, na crise do trabalho e no declínio do sindicalismo, Presidente do maior país do Continente.
Deixando de lado a dura coincidência, resta-nos uma pergunta: estaria a Volkswagen chantageando o governo em busca de empréstimos e outras vantagens como sugere setores do governo e a parte da imprensa? Quem conhece a empresa de São Bernardo sabe que pelo menos duas linhas de produção não são mais rentáveis: a do Gol e da Kombi. Há uma diferença enorme entre essas e a linha de produção do Fox, que apesar de seu grau de automação começa ficar para trás quando comparada com outras montadoras.
A acirrada competição internacional exige ajustes dramáticos, ou, até quem sabe, o encerramento das atividades. A nível mundial há uma sobrecapacidade da indústria automobilística, que resiste ao tampo com a introdução de novas tecnologias de produção dispensadoras de força de trabalho. Por outro lado, na China e no Leste Europeu há mão-de-obra sobrando, ávida para ser empregada a qualquer preço, ameaçando os trabalhadores bem estabelecidos nas indústrias do Ocidente. A saída que agora se busca é a destruição dos investimentos não rentáveis, transferência da produção com dispensa em massa e a redução salarial, mesmo que isso signifique a desindustrialização de países inteiros. No Brasil , a baixa formação de capital fixo é um sintoma dessa realidade.
Com o aumento da produtividade e a expulsão do trabalho da produção, o capitalismo está “a serrar o galho em que se encontra sentado” (Anselm Jappe), e busca compensar a queda da rentabilidade com artifícios financeiros e fusões. Hoje toda empresa que se preza tem seu banco que lhe garante uma sobrevida contábil. As fusões, que vêm acontecendo com enorme ferocidade, na mesma proporção que liquidam empresas e jogam milhares nas ruas, aumenta artificialmente os preços dos papéis das empresas canibais.
Cientes do risco de não fecharem a conta, mesmo tomando todas essas medidas e produzindo a todo vapor capital fictício, ante as ameaças de transferência da produção para outros países, buscam-se outros meios para reduzir custos, agora em cima dos que não conseguem dispensar. É quando entra a terceirização, que é a forma que o capitalismo em crise encontrou para reintroduzir a mais valia absoluta, esticando a carga horária e achatando os salários. Um destaque especial para esse processo apelidado de “precarização do emprego”, cabe aos chamados PJs (pessoa jurídica). Esse empresário-empregado, cuja característica é a introjeção de práticas sadomasoquistas de autoexploração é o grupo que mais cresce entre os terceirizados no País. Essa excrescência do mundo do trabalho em crise, tende a explodir com o artigo 129 da “MP do Bem”, aprovada pelo Senado e sancionada pelo Presidente Sindicalista.
02.09.2006
Um comentário:
Brilhante texto. Como os demais, por sinal. Poucos são os que abordam os problemas econômicos brasileiros sem floreios, sem mistificações e sem meias palavras. Parabéns pelo blog.
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