Rall
Apesar
da constatação do aumento da dívida global ser um elemento fundamental na
instabilidade e determinante de sucessivas crises financeira, e do discurso da
importância da desalavancagem para evitar novas crises, em contradição com o
esperado e com desenhado nos modelos acadêmicos, a dívida global continua a
crescer e deverá desembocar inevitavelmente em novas crises. Entre que para os
economistas deveria ser o lógico e as incertezas do real, está a incapacidade
de acumulação da economia mundial. O excesso do endividamento, depois da crise
financeira de 2007/2008 pelo mesmo motivo, surge como uma necessidade para
manter de pé a economia moribunda e como forma de empurrar para frente o colapso
do capitalismo.
Os
juros negativos definidos pelos bancos centrais dos países ricos, foi o meio
imposto pela realidade econômica aos governos, para evitar uma nova crise no
curto prazo com inadimplência em massa e impacto financeiro de proporções avassaladora.
Juros baixos ou negativos é uma forma encontrada de administrar a crise,
estimulando o consumo e, ao mesmo tempo, com queimas homeopáticas de capital,
distribuindo o prejuízo por alguns setores da economia, sem poupar os bancos
que, se tem dificuldade de sobreviver a juros negativos no longo prazo, já
estariam em colapso se essa medida não fosse aplicada, arrastando os outros
setores da economia. Por outro lado, se os bancos centrais aliviam as perdas do
setor financeiro imprimindo dinheiro para compra de créditos podres e emprestam
a juros negativos aos bancos privados, os estados nacionais endividados reduzem
o aporte de recursos às áreas sociais e desmontam as conquistas trabalhistas.
No Brasil a bola da vez nos cortes do governo de plantão é a saúde, a educação
e o fim dos direitos assegurado aos trabalhadores com a possível aprovação pelo
Senado da terceirização das atividades fins.
O
medo de uma deflação com estagnação nos países do centro do capitalismo, tem
transformado em realidade a sugestão de Milton Friedman, “jogar dinheiro de
helicóptero”, inundando a economias global de capital fictício sem, no entanto,
debelar a crise, o que assombra os chamados formuladores de políticas
econômicas. Nos países da periferia do capitalismo, o medo é da estagnação com
inflação, fenômeno assistido em países como o Brasil, Rússia e Turquia entre
outros nos vários Continentes. Na periferia, diferentemente do centro, a
receita para crise é retirar dinheiro de circulação, o bem conhecido arrocho
monetário, que sempre vem acompanhado de graves repercussões sociais. Os dois
fenômenos, deflação e inflação com crise econômica, são partes de uma mesma
realidade: as dificuldades de acumulação de capital pela incapacidade da
economia real gerar em quantidade suficiente mais-valia com a crise do
trabalho.
A
política de estímulo ao consumo pelo endividamento a juros baixos em países
como o Brasil não deu certo. E esse fracasso não está relacionado com a
resistência de setores que se beneficiam dos juros altos, como é voz corrente
entre economista da esquerda e alguns empresários nacionais endividados.
Diferentemente dos países ricos, cujo o aumento da produtividade impacta na
redução dos preços das mercadorias, aqui o que se observa é a produtividade do
trabalho estagnada em setores importantes da economia, associada a um
desequilíbrio cambial e a ruína das contas públicas, cujo impacto da rapinagem
não deve ser desprezado. Nos países do centro “jogar
dinheiro de helicóptero” gera algumas dúvidas, mas é pouco questionada apesar
dos efeitos colaterais da expansão monetária. Em artigo sobre o crescimento da
dívida nesses países depois do impacto do estouro da bolha de crédito em 2007/
2008 Ken Brown afirma: "governos, empresas e pessoas gastam agora em vez de depois" - ou
seja, antecipam o consumo da mais-valia e dos salários - "o que tende a
reduzir o crescimento futuro". O articulista prevê a redução do
crescimento futuro pelo consumo no presente da presumível riqueza futura,
utilizando-se de crédito amplamente facilitado, mas fica por aí.
Como
a teoria da crise do trabalho e do valor explicar esse fenômeno?
1.
Para melhorar as taxas de lucro deprimidas, as empresas buscam aumentar a taxa
de mais-valia relativa incrementando a produtividade, para enfrentar a
concorrência. Com isso, mantendo-se constante o tempo de trabalho, a tendência
é o aumento relativo do mais-trabalho em relação ao trabalho necessário. Por
outro lado, o aumento da produtividade nas empresas produz um maior número de
produtos por trabalhador em um mesmo período de tempo de trabalho, fazendo com
que haja redução dos preços, já que para esse aumento da produção não cresce o
dispêndio de trabalho. Nessa condição, as empresas tornam-se mais competitivas
e a reprodução do valor da força de trabalho garante as condições mínimas de
subsistência do trabalhador pelo barateamento dos produtos de seu consumo. O
achatamento dos salários a nível global em progressão há décadas, está
relacionado com o aumento da produtividade do trabalho que leva a dispensa dos
trabalhadores e ao aumento da mais-valia relativa em relação a parte do valor
criado que corresponde aos salários pagos.
2.
O incremento da produtividade, determinado fundamentalmente pela revolução
tecnológica, que vem tornando supérfluo o consumo da mercadoria força de
trabalho no modo de produção capitalista, tende a impactar negativamente na
formação da massa de mais-valia.
3.
Para compensar a retração da acumulação de “riqueza abstrata” pela redução da
geração de mais-valia, o crédito antecipa o consumo no presente da massa dos
salários e do mais-valor a serem gerados no futuro. Pressupõe-se aí que a
reprodução dos salários e mais-valia (lucro) no porvir terá que cobrir as dívidas
do consumo no presente e as que se formarão no caminho para o futuro que pode
não ser alcançado.
4.
Como por força da concorrência e da necessidade de manter os lucros, na
produção capitalista a cientificização, automatização e a dispensação da força de
trabalho só tende a se intensificar, o presente aponta para uma redução ainda
maior da massa de salários e da mais-valia futura, e com isso a impossibilidade
de saldar as dívidas acumuladas atualmente e as que estão em processo para anos
vindouros.
5.
Com dívidas acumuladas e a redução da “riqueza abstrata” pela a queda da massa
de valor e mais-valia social produzida por diversos capitais, a economia global
não tem outra saída que não seja elevar as dívidas à patamares superiores, com
um problema: as dívidas do passado, somam-se as dívidas cada vez maiores do
presente e, à medida que o tempo avança no futuro sombrio do capitalismo e a
força de trabalho é substituída por novas tecnologias de produção de bens e
serviços, reduz-se ainda mais a geração de valor e mais-valia.
6.
O limite da dívida global é também o limite interno absoluto (Marx) do capitalismo. Quando
atingir o ponto de não mais ser possível gerar “riqueza abstrata” (dinheiro),
ou só produzir resquícios de mais-valia em função do não consumo da substância
do valor na produção, o “trabalho abstrato”, entra num impasse a necessidade de
se aumentar a dívida para que a máquina capitalista continue funcionando. Já
não se vislumbra qualquer chance de se pagar dívidas públicas ou privadas e as
dificuldades de as rolar para o mais longínquo futuro são crescentes. As
dívidas com prazos para serem liquidadas daqui a meio século já dão o que
pensar.
A
possibilidade de o jogo da dívida durar para sempre, como antever alguns, seria
possível se capitalismo pudesse sobreviver a permanente crise da desvalorização
do capital total sem colapsos violentos da economia mundial e sem
questionamentos. No entanto, o processo de encolhimento da massa de
mais-valias, em velocidade cada vez maior pela redução da substância do valor,
o “trabalho abstrato”, numa economia que a cada dia cresce a dispensa da força
de trabalho pela introdução de tecnologias de automação na indústria e nos
serviços, mesmo que haja aumento da produção, a mais-valia futura tende a cair
em proporção inversa ao aumento da produtividade. Vive-se um momento paradoxal
para o pensamento burgueses, algo que não estava previsto pelos seus analistas
em mais de três séculos de capitalismo: a medida em que cresce a produção de
bens e serviços pelo o aumento da produtividade com as novas tecnologias, capaz
de satisfaz as necessidades da população, acompanha essa revolução na produção
a queda na formação real de “riqueza abstrata”. Para manter a economia em
aparente normalidade, forja-se a acumulação com capital fictício, que desemboca
mais tarde ou mais cedo em crises financeiras de gravidade crescente.
Situação
descrita como o "novo normal”, economistas e autoridades financeiras, veem
no rolar da bolha da dívida que cresce sem parar num tempo que acreditam ser
eterno e a-histórico, como inevitável. Considerando que a preocupação das
camadas hegemônicas não é sair da crise, pois o fato é que não enxergam saída,
mas administrá-la conforme seus interesses sem pensar em outro modo e relações
de produção, o chamado “novo normal” tem seus motivos ideológico. Logo se vê
que o capitalismo está em transição para um estado totalmente insustentável, já
que que os grupos hegemônicos nada pensam mudar: caminha-se para um capitalismo
movido exclusivamente por capital fictício, aonde a acumulação de “riqueza
abstrata” pela geração de mais-valia, objetivo último da produção capitalista,
deixa de existir. Isso é possível ou é uma ilusão dos que acreditam na
eternidade do capitalismo? As frequentes crises financeiras, mostram que um
capitalismo onde a “riqueza abstrata” já não é uma “abstração real” (Marx), mas
um simulacro dessa abstração, sem origem nas relações sociais de produção de
mais-valia, não se sustenta.
O
que vem pela frente não é previsível. Tanto pode ser a superação da sociedade
atual centrada na competição destrutiva e a passagem para uma sociedade mais
harmoniosa e solidária, com a transmutação do objetivo final do capitalismo de
acumulação de “riqueza abstrata” para uma produção dirigida ao atendimento das
necessidades dos indivíduos, como pode a sociedade manter-se atolada na crise,
com o risco até mesmo da extinção da espécie humana pelo esgotamento da
natureza e pelo acirramento a níveis insuportáveis dos conflitos sociais,
levado pela concorrência em busca da acumulação dessa riqueza cada vez mais
escassa.
O
que era possível após a segunda guerra mundial e até o final dos anos sessenta
nos países do centro e mesmo na periferia do capitalismo, um certo equilíbrio
entre a acumulação e a distribuição de riqueza pela ação dos Estados, deixa de
existir com a crise que tem levado os Estados abandonarem as políticas sociais
na tentativa de salvar o sistema. Enquanto não for possível o planejamento e
administração das coisas, e prevalecer as categorias cegas e destrutivas do
capital a crise é permanente, mas não dura para sempre.
26.06.2016
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