segunda-feira, dezembro 31, 2018

A crise que se avizinha de 2019


Rall Canti

Responsabilizar a crise pele ganância dos bancos, é uma simplificação chula dos fundamentos da crise. Achar também que há muita dívida e pouca poupança, é manter-se na superfície do fenômeno e leva a interpretações equivocadas que a crise pode ser resolvida, solucionando as dívidas através do aumento da poupança. Só que não se enxerga que na crise da “valorização do valor”, a retomada autônoma da acumulação como no final das crises cíclicas do passado, sem bombear de forma permanente dinheiro sem valor na economia, agora torna-se impossível. 

Analista burgueses e da esquerda tradicional mantêm-se presos a esse passado e não avançam um milimetro na crítica da crise, acreditando na possibilidade de que os expurgos do capital fictício, das dívidas impagáveis, das empresas não lucrativas, com o fechamento de muitas delas, produzidos pela força destruidora da crise, fará renascer um novo mundo capitalista mais produtivo, novas tecnologias de produção com potencial de ampliar o mercado para novos produtos e incorporação da força de trabalhos supérflua. Porém o que se observa a nível global é o endividamento crescente, o encolhimento da força de trabalho e a formação de novas bolhas de capital fictício como meio de adiar o colapso total, mas que tendem a explodir na mesma velocidade com que se forma, com danos irreparáveis a economia.

Achar que a crise pode ser superada com mais poupança, onde não se pode mais poupar; solucionando-se as dificuldades do crédito, eliminando ou reduzindo as dívidas a patamares aceitáveis, onde o aumento das dívidas surge como solução, mesmo que ilusória, capaz de evitar a paralização do modo de produção capitalista, empurrando para frente desfechos mais severos, é não entender a essência categorial da crise.

A “destruição criativa” de Joseph Schumpeter, tão popular à direita e à esquerda, já não se aplica a essa nova forma de crise que atinge profundamente as categorias reais do capitalismo como valor, trabalho, mercadoria, dinheiro, mercado mundial, Estado, Nação, direito, política, democracia e a relação entre gênero na construção social do masculino e feminino, desarranjando todo edifício social construído a ferro e a fogo durante os séculos de consolidação do capitalismo para dar sustentação à acumulação do capital.

O que tenderá suceder quando crescentes montanha de créditos podres vergarem sobre sua base e nova crise financeira se instalar, será um salto no endividamento dos Estados e do setor privado, como vimos em 2008, apesar de ser o peso da dívida o desencadeante desse processo. Esse ciclo, sempre acompanhado do aumento das dívidas, tende a se repetir em tempos cada vez mais curtos, até o esgotamento desse artifício com a paralisia da produção em um momento determinado e falência das instituições construídas para serem os pilares da sociedade capitalista, como aliás já se observa.  
    
Com o aprofundamento da crise de valorização do capital e a redução da taxa de lucro, a tendência das empresas é operarem no vermelho, ficando na dependência crônica do crédito e da geração de capital fictício especulando com o sistema financeiro. A economia global está cheia de empresas zumbis, que endividadas e operando no negativo, só existem sustentadas pela especulação financeira, mantendo a base material como garantia para especular. Sobrevivem pelo endividamento permanente e crescente e pelo jogo que lhes permite se apropriar ou não de parte do capital fictício gerado no mercado financeiro ou no Estado. Na verdade, o objetivo das empresas é fazer dinheiro, não importa se produzindo mercadorias gerando mais-valia ou, quando a produção desta não é possível, buscando outros meios como a especulação financeira capaz de gerar dinheiro fictício para ser reciclado na produção. A produção material transforma-se em uma forma de “esquentar” o dinheiro sem substância e, ao mesmo tempo, o substrato material que garante às empresas o direito à especulação.

O segredo da aparente solução da última crise do crédito (2008), foi o deslocamento da dívida do setor privado para o público, com o aumento da dívida total. Ou seja, além da política de zerar os juros ou de juros negativos e da compra de papeis sem nenhum valor do setor privado pelos bancos centrais, das renuncias fiscais aumentando o déficit e a dívida pública, o setor privado teve que se endividar, mesmo que com juros negativos para fazer o dinheiro girar.

As duas operações mais comuns, envolvendo grande volume de dinheiro emprestado, são as operações de carry trade, onde o operador toma dinheiro em um país com taxas de juros baixas, para investir em moeda de outros país que oferece taxas de juros altas, embolsando a diferença. A outra, as empresas tomam muita dívida para comprar as próprias ações.
   
Por que as empresas tomam muita dívida para comprar suas ações? O efeito da crise do valor nas empresas de um modo geral, é a desvalorização. Para “superar” esse efeito tendem especular na bolsa comprando suas ações, fazendo que as mesmas subam, apresentando-se ao mercado a partir da bolsa como uma empresa aparentemente lucrativa e sólida, estimulando terceiros comprar também ações em busca de lucro, levando a uma valorização fictícia de seu patrimônio.

Parte dessas empresas há muito deixaram de ser lucrativas, sobrevivem como zumbis alimentando-se de capital fictício. Um abalo na bolsa, por menor que seja, ou em outras áreas que corte o suprimento de capital fictício, pode levá-las à dificuldades e até mesmo a falências. Não se sabe a extensão das empresas que não conseguem mais sobreviver gerando mais-valia suficiente capaz de “valorizar o valor” na produção, mas pelo número das endividadas e pelo volume de empréstimos que envolvem operações especulativas, não devem ser poucas. Hoje é difícil encontrar uma empresa que não esteja envolvidas nesses tipos de operações, mesmo as aparentemente sólidas no que diz respeito a produção de mercadorias.

Outro tipo de operação muito comum em tempos de juros baixos nos países do centro, mas altos na periferia, é tomar empréstimos no centro para especular na periferia do capitalismo, praticando o carry e outras formas de especulação. A facilidade de se gerar dinheiro, mesmo que fictício, nesse tipo de operação, leva os operadores acreditarem que não estão sujeitos a variáveis não controladas e situações de volatilidade como crise cambial, aumento de juros, que podem levar a desvalorização súbita das moedas dos países da periferia, como observado recentemente no Brasil e na Turquia, que causaram grandes perdas e aumento das dívidas das empresas envolvidas nesse tipo de operações.

Além dessas, outros tipos de especulações financeiras estão presentes e já não se pode separar o que é só mercado financeiro operado por bancos ou corretoras e o que são empresas do chamado setor produtivo não rentáveis envolvidas nisso, que para manterem a aparência de lucrativas, necessitam desesperadamente de empréstimos e dessas operações geradoras de capital sem substância.

Apesar dos altos riscos e da consciência da volatilidade das moedas, principalmente nos países da periferia do capitalismo, um reflexo da instabilidade da economia global, quem consegue ter acesso a empréstimos, em moedas a juros baixos ou negativo para aplicar em operações de carry trade nos mercados de câmbio em moedas com juros elevados, não deixa de fazer, pois acreditam que o retorno alto compensa o alto risco.

Mas isso é parte do movimento do capital que não conseguindo o retorno esperado na economia real, busca lucro fácil e rápido, mesmo cientes dos riscos de os juros subirem nos países onde são tomadores e caírem nos países onde o dinheiro emprestado é aplicado.

Se o mercado de ações cair, seca uma importante fonte geradora de capital fictício, fundamental, como todos reconhecem, para fazer girar, mesmo que em falso, a economia global.

Quando a “valorização do valor” era o esperado na economia real e a especulação fugia a norma, o mercado de ações era dirigido pela situação em que se encontrava a economia, e a valorização das ações das empresas estavam associadas aos momentos de valorização do capital. Com a crise do valor levada a efeito pelo aumento da produtividade, movida pela concorrência e a expulsão do trabalho -substância do valor- da produção, dificultando a valorização do capital, a situação se inverteu: as bolsas passaram a subir acionadas por mecanismos especulativos construídos pelas empresas e pelo capital financeiro, como tomar dinheiro emprestado a juros baixos ou negativos, para comprar suas ações fazendo-as subir, valorizando artificialmente seu patrimônio, gerando com isso capital fictício que volta à economia real para ser reciclado.

De fato, a economia real não dirige mais nada com a crise de valorização do capital, se alimenta por um enorme volume de capital fictício gerado pelo crédito e manipulação do dinheiro emprestado, e pelo dinheiro fácil despejado pelos órgãos dos Estados, gestores da economia como os Bancos Centrais.

Com o capital-dinheiro circulando à velocidade da luz, buscando se reproduzir a todo custo, as crises financeiras se instalam em velocidade semelhante e passam a fazer parte do que os economistas burgueses chamam do “novo normal”, ou seja, crises financeiras cada vez mais frequentes e cada vez mais destrutivas. Essa é a lógica quando se busca saídas nos limites do modo de produção estabelecido. Frente a crise da economia real que não consegue mais produzir “riqueza abstrata”, jogar dinheiro através do crédito (não precisa ser de helicóptero), cada vez mais sem limite no tempo, foi a forma inicialmente encontrada para empurra para frente o enfrentamento do problema. Como esse mecanismo começou a se esgotar - e a crise de 2008 expressou isso - apelou-se para impressão de dinheiro, compra de crédito podre pelos bancos centrais, renuncia fiscal e aumento do endividamento dos Estados. Por outro lado, o mercado financeiro e as empresas nele mergulhado, a medida que a crise do valor se aprofunda, tornam-se mais criativos e agressivo na busca do capital e na geração nunca vista de capital fictício.   

A dívida pública e privada em crescimento constante, em determinado momento torna-se impagável e desaba sobre si mesma. Então, a geração de capital fictício tende a emperrar, tornando-se as montanhas de dívidas acumuladas nesse processo altamente inflamável. Uma simples faísca, e a economia e a política em crise têm soltado muitas, vira uma labareda infernal donde nada escapa. 

Se as bolsas desabarem como esperado e as taxas de juros subirem ainda mais, empresas endividadas sem condições de honrar compromissos, ao perderem as fontes que lhes garantem os empréstimos para valorização fictícia de suas ações, não conseguirão pegar dinheiro no mercado para pagar as dívidas. Mas esperam confiantes, que suas dívidas agora impagáveis, sejam “compradas” mais uma vez pelos bancos centrais e que os governos ajudem com renúncias fiscais como ocorreu em 2008.

A história pode se repetir em 2019, mas o socorro esperado a economia global pode vir como farsa.

31.12.2018

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordo com esta visão da nossa terrível realidade e previsão do estado da economia e empresas para 2019. Tudo se aplicará a Portugal na integra dado o estilo dos empresários e dos políticos Portugueses. Os empresários descapitalizaram as suas empresas procurando viver do financiamento fácil dos bancos e do Estado enquanto que os Governos esvaziam os cofres do estado esbanjando e distribuindo financiamentos a seu belo prazer pelos amigos e compadres procurando depois que as instituições internacionais financiem os seus orçamentos por intervenção (exemplo - TROICA). Quem irá pagar essas dividas colocais será sempre o Zé Povinho. Este modo de agir é bem claro e nítido, só quem não quer é que não vê. Está para na moda e está para ficar. Os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Portugal no seu melhor.