sexta-feira, outubro 03, 2008

A linguagem da crise

Rall

A procura de uma linguagem para explicar a crise e as fórmulas abstratas irreais que buscam justificar a formação de preços dos papeis apodrecidos do capital fictício, tem levado os analista a uma descrição cada vez mais obscura e ininteligível dos fatos econômicos. O que nos disparates da fúria descritiva não se consegue explicar é transformado em gíria logo aderida por todos e o fictício torna-se ficção de qualidade duvidosa. Isso é possível quando os pressupostos da descrição da crise estão carregados de justificativas de um mundo fora controle, movido por uma lógica que passa ao largo da vontade humana.
Em sua trajetória ascendente, a crise da acumulação do capital na economia real, encontrou na formação de capital fictício a partir dos anos 80, um jeito, mesmo que enganoso, de dribla a estagnação. Foi o tempo das grandes invenções financeiras como os derivativos e outros papéis, justificados com complexas fórmulas matemáticas descoladas da produção real e sustentadas por operações do tipo carry trade entre muitas. Hoje, postas em cheque pela crise, há uma tentativa de se recriar essas abstrações através de uma linguagem esotérica, na tentativa de elucidar a crise e dela sair negando a realidade da mesma.
Se nas ùltimas décadas a saída para crise da “valorização do valor” foram as bolhas de capital fictício, alimentadas com papeis sem lastro gerados no setor público e privado, com a queima desses ativos financeiros pela deflação e com a impossibilidades do surgimento de uma nova bolha capaz de dà continuidade ao processo de formação do capital sem substância, pelo menos em curto e médio prazo, buscam-se culpados e soluções mágicas que possam preservar o mundo das mercadorias. E aí, além da obtusa linguagem, se estabelece uma arenga para ver com quem fica a pecha de bode expiatório.
Sob o açoite da crise, o discurso neoliberal se transmuta em seu contrário e os agentes do soberano mercado suplicam pela intervenção do antes ineficaz Estado. Estatizações de monta jamais vistas são realizadas para salvar setores privados inteiros, como sempre aconteceu no capitalismo em crise. O discurso estatizante tão arraigado no imaginário das esquerdas em todo mundo é solapado pela direita para salvar o capitalismo, mostrando a verdadeira face do Estado.
As dimensões da crise ainda não se delinearam. A montanha de dinheiro postos pelos governos nos mercados vem mostrando-se incapaz de garantir estabilidade do setor financeiro e o aumento da liquidez. Mesmo que isso venha acontecer por um curto período, quando o impacto da falta de crédito atingir o ápice na economia mundial, com sérias implicações para o consumo e investimentos, é provável um novo tombo das bolsas e bancos retroalimentado pelo agravamento na crise da economia real. Isso pode levar a necessidade de novos aportes de capital para o setor financeiro, que se suprido por dinheiro impresso pelos Tesouros, aumentará enormemente o risco de uma inflação descontrolada.
Paris, 03.10.2008

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