sábado, abril 21, 2007

A valorização do real, suas interpretações e caminhos propostos

Rall


O clamor por medidas administrativas capazes de inverter a tendência do câmbio como a taxação de produtos importados, o controle de capitais especulativo de curto prazo e a redução dos juros como forma, entre outras coisas, de inibir a entrada desses capitais, parece perder força à medida que os juros caem e o real continua em ascensão. Um outro grupo de economistas, contrariando os primeiros, defende uma maior abertura do mercado, zerando, se necessário, as barreiras alfandegárias impostas aos produtos importados como forma de inverter o fluxo de capitais e desvalorizar o real frente ao dólar. O que está por traz desse imbróglio, de posições conflitantes para solução de um mesmo problema? Os grupos que não se combinam partem de um único diagnóstico: o excesso de liquidez, ou seja, a entrada de dólares via superávit na balança comercial e via especulação financeira com as aplicações na bolsa e em papéis do Governo, leva a uma superoferta da moeda americana num momento de demanda franca, fazendo cair o “preço” dessa moeda em relação ao real. Para os nossos analistas em conflito, as questões são os caminhos a serem percorridos para enxugar esse excesso de liquidez sem prejudicar as necessidades de dólar do País.

Numa economia movida pelo capital fictício, um volume cada vez maior de dinheiro deixa de ser a expressão do valor na mediação das relações de trocas e passa à função de produto, que negociado no mercado firma sua autonomia em relação à produção real num movimento em que dinheiro gera mais dinheiro sem substância. Essa liquidez de moedas vazias de conteúdo, gerada das mais variadas formas, num processo em que a interminável cadeia creditícia sem lastro tem grande peso, se por um lado traz alguma inquietação em relação às exportações, por outro, quando usado na especulação na bolsa, na compra de papéis públicos e privados, na aquisição de empresas, financia o Governo e as empresas, e movimenta o mercado alavancando o consumo sem que investimentos fossem feitos na produção. E para que investir na produção se o capital já não rende aí o que rende no mercado de papéis? Indaga nosso aplicado investidor. O capital só aporta onde a rentabilidade lhe convier, é essa sua lógica, mesmo quando usa as pernas tortas de seu guardião num incansável balé.

Ora, se os dólares que entram já têm um destino, mesmo que seja o cassino de papéis que o acolhe com propostas escandalosas, se o considerado excedente é comprado pelo Banco Central, que por sua vez, junto com as sobras da balança comercial, os envia para fora e os transmuta em papéis do tesouro americano, o que explica, portanto, a queda dessa moeda em relação ao real se o mercado nesse jogo é enxugado? Os horizontes de crise nos EUA com sua população e o Estado profundamente endividados, o enorme volume do capital fictício em circulação, o déficit fiscal e na balança comercial são alguns dos motivos. Esse País, que por sua força econômica e militar ainda reina sozinho, tem poder suficiente para fazer o dólar, que funciona como moeda mundial, variar conforme seus interesses.

Um outro motivo encontra-se na relação da economia brasileira com as forças hegemônicas da economia mundial. Vejamos. Pesquisa recente do Ipea mostra que 2.434 empresas classificadas como fortemente exportadoras, tem índice de produtividade até cinco vezes superior às empresas voltadas para o mercado interno, e que, apesar do câmbio, vem aumentando suas exportações. São competitivas se comparadas com similares de outros países. Então, por que tanta grita em relação ao câmbio, juros altos e desindutrialização? Essa vem do outro lado da economia, das empresas com baixa produtividade que postas no roldão da competição global, não conseguem mais, na proporção necessária, absorver tecnologia e intensificar o capital fixo, pelos custos que isso pode significar.

Já não existe meio termo na luta feroz das mercadorias pela conquista dos corações e mentes em sua volta ao mundo. Em economias como a do Brasil os juros baixos podem até ter um impacto inicial positivo, mas será impossível, a médio prazo, competir com mercadorias vindas da China e de outros países asiáticos, produzidas para exportação por empresas transnacionais, que combinam capital intensivo com trabalho semi-escravo e custos operacionais baixíssimos. Recentemente empresas de autopeças queixavam-se à imprensa que rolamentos chineses são vendidos no mercado negro por US$ 0,74 o quilo, que custa entre US$ 13 e US$ 17 no mercado internacional. Ou seja, os produtos chineses que entram por vias legais ou ilegais, começam a perturbar os mais variados ramos de produção e não só de eletrônicos, roupas e calçados. Se considerarmos os produtos de alta tecnologia importados dos centros desenvolvidos que nunca vão ser produzidos aqui, o cenário não é nada animador para os entusiastas do mercado.

Quanto às medidas administrativas de “proteção da indústria nacional”, tão largamente defendidas por partidos de esquerda, setores da FIESP e meios acadêmicos, já não surtem mais efeito. Tarifar os produtos que chegam ao mercado nacional mais barato resultaria, provavelmente, em retaliações não convenientes para os setores exportadores e para o superávit comercial tão duramente perseguido. Ampliaria-se também o mercado negro com fortes prejuízos para a indústria aqui estabelecida e para a arrecadação do Governo. Restariam os subsídios governamentais que dificilmente se concretizariam pela enorme expansão das despesas do Estado com o trabalho improdutivo e pagamentos de outras obrigações como os juros, amortizações, e pelos altos custos financeiros e políticos de operações como essas, mesmo quando sustentadas por período de tempo muito curto.

Portanto, restaria a essas empresas que pararam no tempo quanto às inovações tecnológicas e aumento de produtividade, tornando-se pouco competitivas para os padrões internacionais, vender suas mercadorias abaixo do valor de produção, o que parece inviável. Empresas fictícias sempre existiram em grande monta, mas era mais fácil a sobrevivência quando os mercados dos países se relacionavam de formas mais ou menos independentes e era possível certa reserva financiada pelo Estado para produtos nacionais. As especificidades das economias ainda eram preservadas e a ação política matinha um certo poder regulador, o que já não acontece.

A valorização do real reflete também essa realidade contraditória da economia nacional, onde poucas empresas focadas na exportação e em parte do mercado interno, conseguiram reduzir seus custos de produção e também os preços relativos de suas mercadorias e se tornaram competitivas. Numa economia global movida pelo capital fictício as empresas que conseguem aumentar a produtividade se impõem, mesmo que careçam desse capital como os pulmões do ar. Por outro lado, a maioria das empresas nacionais com a produção direcionada para o mercado interno, que sobreviviam às custas de grossas transferências de recursos do Estado perigosamente endividado, apesar de terem conseguido navegar nas águas turbulentas do neoliberalismo na década de noventa, agora já não conseguem baixar seus custos e competir com quem vem de fora. A geração de valor por essas empresas, que se encontram abaixo dos padrões internacionais de produtividade socialmente estabelecidos, ou seja, criam muito menos valor quando comparada com empresas que tem sua produção racionalizada pelo uso da técnica e da ciência, pressionam também o real para cima em relação ao dólar, independente dos desejos dos agentes econômicos. Daí a defesa da intervenção do Estado no bloqueio dos impulsos do mercado, antes tão elogiado pela ação milagrosa da “mão invisível” que quase tudo resolvia e agora dificulta a sobrevivência de setores inteiros da economia.

Os que não acreditam nos resultados das medidas administrativas e propõem tarifas zero para as importações, mesmo que seja por um curto período, partem do pressuposto que a valorização do real deve-se só a entrada de dólar, as outras variáveis internas e externas são descartadas. Uma abertura com essa dimensão, mesmo que fosse possível um prazo para o seu fim (o que é duvidoso, pois processos como esses quando em movimento não se tem mais controle), o impacto na desindustrialização seria sem precedente, poderíamos comparar com a explosão de uma bomba H de grande potência: curta na ação e eficiente na destruição. A abreviação da morte anunciada do lado obsoleto da economia poderia trazer custos muito altos e benefícios duvidosos para as empresas de capital intensivo, que se veriam também encurralada pela violenta competição vinda de todos os lados e perderiam, no mercado interno, o diferencial produtivo fazendo suas taxas de lucro cairem. Mesmo que tais medidas resultassem de imediato na desvalorização do real em benefício das empresas exportadoras, os custos sociais seriam enormes.

Esses são impasses da própria crise do capitalismo que parece atingir seu limite absoluto. Apesar de alegres conjunturas de crescimento forjados, a cada espasmo da crise grandes regiões tendem a desacoplar-se da produção de mercadoria. Como a saída é cada vez mais ilusória no leque de opções oferecido pela sociedade capitalista, e como os movimentos sociais ainda não se dispõem buscar novos caminhos, procura-se empurrar o desastre para as gerações futuras, inflando-se bolhas financeiras e amainando-se a crise social que já não se deixa administrar com medidas pouco convincentes, represando cada vez mais a energia destrutiva do capital.


21.04.2007

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