Rall
Escrever sobre a crise tem se tornado algo enfadonho e
repetitivo. Mas, a revelação de alguns fatos, mesmo que não seja nenhuma
novidade para forma como o capitalismo nos tempos atuais busca resistir ao
ocaso, e as interpretações precipitadas desses fatos quando rapidamente
descobre-se o “eixo do mal”, incita-nos a refletir mesmo consciente dos riscos
do autoengano que pode nos levar um mundo incerto. Estou referindo-me como em
geral se reagiu à manipulação da taxa Libor pelos grandes bancos, as notícias
de lavagem de dinheiro inclusive do narcotráfico, e as afirmações de que a
crise global se resume à bandalheira do sistema financeiro, sobre os quais não
se tem mais controle.
É simplificar demais
os fatos que brotam incessantemente de uma realidade complexa e instável, que
resistem a intepretações precipitadas e a remendos superficiais costurados com
muito dinheiro pelos governos e bancos centrais. Propala-se que o mal é a
ganância sem limites dos bancos que sangra a economia real e o trabalho suado e
honesto. Que o cassino financeiro onde se gera dinheiro e crédito do nada,
entre outras coisas, vai nos levar ao desastre senão enfrentado com
determinação pela mão pesada do Leviatã ou a mão invisível do mercado. Muitos
analistas, à esquerda ou à direita, não acreditando que o Estado possa regular
o funcionamento desses serviços, radicalizam suas posições e saem em defesa de
se deixar os bancos à deriva, sujeitos as leis do mercado e a falência, mesmo
que todos venham a quebrar numa reação em cadeia. No entanto, apesar das
posições aparentemente pró-mercado, defendem que os governos deveriam dar
garantias ao correntista e ao poupador.
Os que só veem no crescimento descontrolado das finanças e
seus efeitos colaterais destruidores o problema principal, não são capazes de
entender que a exponencial expansão desse setor, surgiu como uma necessidade de
suprir as deficiências de acumulação real da economia dos meados dos anos 70
para cá. Foi essa imensa máquina de geração de dinheiro sem substância (capital
fictício), organizada em rede ao redor do mundo utilizando as novas tecnologias
de informação, e suas imbricadas relações simbióticas com os Estados e empresas,
que serviu e continua servindo como pulmão artificial que faz a economia
moribunda respirar em bolhas efêmeras. Esse discurso simplificado de “são os
bancos os culpados”, assumido por todos os matizes políticas e ideológicas, desvia o foco da questão central de que a
crise financeira é a manifestação da impossibilidade do capitalismo resolver os
limites de expansão da acumulação real através da criação de capital fictício.
As frequentes quebras
das regras no jogo de “fazer dinheiro” extraindo-se mais-valia, que se acentuam
agora em tempos difíceis, não é só privilégio de bancos e outros serviços
financeiros, mas das indústrias quando vendem leite misturado a mijo de vaca(1) e
outros venenos para turbinar os lucros, dos Estados que imprimem dinheiro para
salvar esses mesmos bancos e indústria em dificuldades, ou seja, do capital
como um todo. O que se observa é um
esgarçamento do tecido social em todos os níveis da sociedade, num salve-se
quem poder, onde tudo é permissível para garantir o dinheiro no bolso ou nos
bancos, mesmo que falso. Isso não deixa de ser um sintoma de uma profunda crise
onde tudo relacionado com o valor e com o patriarcalismo apodrece e degenera em
corrupção generalizada que age sem limites, contaminando corpos e almas em
busca da salvação, por mais puros que se vejam.
A visão maniqueísta, que busca os males do mundo num setor
isolado mais exposto pela forma como a crise terminal do capitalismo se
apresenta, sabota a discussão. Não estamos falando de saídas para crise que se
espera serem apontadas por um movimento social vigoroso, que se ainda não
despontou dá sinais que pode emergir, mas da crítica radical da sociedade da
mercadoria e do esclarecimento das situações diversas que brotam dessa
totalidade complexa que ameaça desmoronar sobre nossas cabeças. A crítica não
pode se deixar contaminar e se curvar aos apelos às fáceis soluções, mesmo
quando a indignação é universal.
21.08.2012
2 comentários:
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