Rall
“Estamos vendo bolhas de ativos em todos os
lugares. Os mercados de ações estão em níveis recorde de alta. Bônus livres de
risco estão em níveis recordes de baixa. O custo de fazer hedge ou cobertura
está em níveis recorde de baixa, como indicado pelo Vix, o chamado 'índice do
medo".
“O ponto principal é que, longe de ter havido um processo normal de desalavancagem depois de um grande boom de crédito, os níveis da dívida do setor privado não financeiro estão hoje 30% mais elevado do que estava em 2007. Como proporção do PIB, aumentaram 20%. Longe da desalavancagem, a situação é pior hoje do que estava antes. O segundo ponto é que em 2007 as economias avançadas tinham todos esses problemas, mas podiam olhar para os mercados emergentes como parte da solução. O que ocorreu nos últimos seis ou sete anos nos países emergentes é que, com o boom de crédito que houve lá, eles não são mais parte da solução. Eles são parte do problema. Nesse sentido o problema global se tornou materialmente pior.” (William White).*
Sete anos após o estouro da bolha que atingiu em cheio o mercado
imobiliário e o setor financeiro, resvalando para toda economia, o capitalismo
continua sem rumo. A abundância de dinheiro fictício gerado pelos mecanismos de
compra pelo Fed de títulos da dívida pública e papéis privados lastreados em
hipotecas de créditos podres, transbordou dos países desenvolvidos para os emergentes
na forma de capital especulativo, que ao lutarem contra a apreciação de suas
moedas mantem os juros baixos, alimentando as bolhas. É no setor imobiliário
desses países aonde mais claramente se evidencia a formação de bolhas nos
últimos anos. Nos países desenvolvidos a especulação tem se concentrado mais
nas bolsas. No entanto, com dinheiro farto, mesmo sem substância, nenhum ativo
escapa a formação de bolhas, não importa onde estão ancorados.
Outros sinais importantes da proximidade de novos abalos é o
comportamento dos preços nas economias dos diversos países. Enquanto na Europa,
Japão e EUA, o esforço dos bancos centrais é para que essas economias não caiam
na deflação, o que se observa nos emergentes é exatamente o contrário, a
inflação em franca ascensão. Excetuando os EUA, cuja economia se mantém pela
política monetária “ultraexpansionista”, que já dá sinais de esgotamento além
dos riscos, a maioria dos países europeus e Japão caminham para uma nova rodada
recessiva, alguns se debatendo contra a “estagdeflação”, o que tem levado os
bancos centrais da Europa e Japão adotarem estímulos monetários mais ousados,
inclusive a possibilidade de aumentarem a compra de bônus soberanos. No outro
lado do mundo o que assombra é estagflação, com muito desses países entrando em
recessão com inflação alta, como o Brasil, outros já tecnicamente quebrados,
como a Argentina. O que aparenta ser contraditório, inflação e deflação, na
verdade são manifestações de um mesmo fenômeno: da crise de acumulação do
capital e dos efeitos colaterais resultantes de medidas monetárias
expansionistas com as quais pretende-se conter a crise.
Com a circulação de dinheiro fácil e barato gerado nos bancos
centrais quando compram em grande escala dívidas públicas e privadas, visando
aliviar as empresas do excesso de alavancagem e financiar os estados, o que se
viu de 2007 para cá foi um aumento global das dívidas do setor privado, incluindo-se
aí as famílias, e a explosão das dívidas dos estados. Em
2007 quando
se iniciou o estouro da bolha de ativos, principalmente de imóveis, houve
paralização temporária do crédito. Mas, facilitado pelas rodadas de
"afrouxamento quantitativo" e juros basicamente negativos, o crédito
se recompôs rapidamente e prosseguiu sua trajetória ascendente, seja no setor
público ou privado. Não podia ser diferente num cenário aonde a economia real
não consegue gerar valor e o único meio de manter as coisas como estão é
simular a acumulação da riqueza abstrata produzindo capital fictício e antecipando,
pelo crédito, a realização de mais-valia futura, cuja possibilidade de formação
é remota.
No entanto, apesar de crescente a oferta de crédito é desigual
no tempo e espaço. Nos EUA aonde a alavancagem das empresas chegou a patamares
muito altos, houve certa contenção pela freada brusca da economia e paralisação dos investimentos, mas não pelo estabelecimento de uma nova lógica capaz de
inverter esse processo como vaticinavam alguns analistas. Nos países em
desenvolvimento, aonde o endividamento era considerado baixo quando
comparado com os países do centro, o crédito cresceu rapidamente nos
últimos anos sob pressão dos fluxos de capitais externos e pela redução dos
juros internos a níveis antes não atingidos, muitas vezes como meio para se protegerem
das ruínas do capital especulativo. Podemos afirmar que no capitalismo em seus
estertores, o crédito tende crescer ao infinito, e na outra ponta as dívidas, na medida em que se intensifica
a crise do dinheiro enquanto expressão da crise do "trabalho
abstrato" e do valor, ao contrário do que deseja os defensores da
desalavancagem. As bolhas de ativos aí formadas, que se expandem
proporcionalmente as montanhas de dívidas que vão se acumulando, tendem a ser
mais destrutivas quando explodirem a medida que a crise avança(1).
Por outro lado, a contabilidade dessas dívidas transformou-se
num emaranhado inextricável, parecido com uma peça de ficção sem começo nem
fim, cuja complexidade ininteligível só aumenta aos olhos de espectadores
atônitos. As saídas para crise formuladas a partir de reformas estruturais das
economias, tão vigorosamente defendidas pelos que criticam o monetarismo puro,
como a liberalização do mercado de trabalho e de produtos, tem fôlego curto e
não são capazes de salvar a penca de bancos e empresas zumbis espalhadas pelo
mundo que se mantém em pé alimentadas por dinheiro fictício. Com a revolução
tecnológica impulsionada pela feroz competição que tende aumentar com o baixo
crescimento, baratear a força de trabalho via liberalização do mercado de
trabalho não faz diferença, mesmo porque o desemprego estrutural que cresce com
o aumento da produtividade já faz esse serviço com eficiência.
Os conflitos regionais, subproduto da crise e da disputa de
poder entre as grandes potências, onde a barbárie sem limites é venerada por
atores sectários, e os duzentos milhões de desempregados que rondam o mundo,
retroalimentam a crise geral da sociedade capitalista que não é só econômica,
mas social em sentido amplo. Os riscos de uma depressão que possa atingir
profundamente a economia global cambaleante e as finanças do Estado,
impossibilitando manobras artificiais como o "afrouxamento
quantitativo" e outras formas de gerar dinheiro fictício que busca adiar o
colapso da valorização ao transfundir a economia, são reais. As evidências
mostram que a crise tende aumentar, esgarçando o tecido social e as
instituições que lhe dão sustentação, pondo em risco a convivência entre
humanos se não for possível o surgimento de uma consciência social crítica,
suficientemente abrangente, que questione o capitalismo e enseje sua abolição.
*William White, ex-economista-chefe do Banco de Compensações
Internacionais (BIS) e presidente da Comissão de Revisão e Desenvolvimento
Econômico da OCDE, em entrevista ao Jornal Valor Econômico, SP, em 21/07/2014.
(1) O segundo grande espasmo da crise
07.09.2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário