segunda-feira, maio 17, 2010

A crise, insensível aos apelos por moderação, segue seu caminho

               Vira-lata na linha de frente de protesto em Atenas
     
Rall                                      

Era previsível que o rompimento da bolha estatal em formação acontecesse nos elos mais frágeis da cadeia dos Estados endividados. O tempo não mais surpreende na medida em que a tendência do capitalismo, em crise de valorização do valor, é gerar e estourar em seus interstícios bolhas de capital fictício, em espaço de tempo cada vez mais curto.

Os países com dívidas crescentes, formadas para compensar os estragos feitos na economia pelas bolhas imobiliárias e de crédito, tem na Grécia uma imagem do que pode ser seu futuro próximo. As dívidas dos países ricos já atingem soma astronômica de 43 trilhões de dólares segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a maior da história para um PIB mundial de aproximadamente 57,9 trilhões de dólares conforme dados do FMI (Fundo Monetário Internacional). Ou seja, a dívida desses países corresponde a 75% do que é produzido no mundo em um ano.

A formação da dívida dos Estados, intimamente associada à geração de capital fictício, funciona mais ou menos assim nos períodos de crise: os Estados, além de aumentarem seu consumo “abrindo e fechando buracos” (Keynes), emprestam a juros zero ou compram papeis podres de empresas e bancos. Artificialmente irrigados, os bancos destinam parte desse dinheiro ao crédito, mas o grosso termina de fato alimentando novas bolhas no mercado, as filhas do dinheiro estatal, como as de commodities, ações, operações de câmbio, derivativos e especulação imobiliária.

Outra parte, em alguns países nada desprezíveis, termina voltando às contas dos governos na forma de empréstimos, agora com juros positivos que beneficiam os bancos e aumenta a escalada da dívida pública. Esses são os mecanismos mais visíveis de criação de capital fictício, que vem operando após o estouro das bolhas do mercado, cujos limites são determinados pelo tamanho das dívidas dos Estados.

O problema é que a dívida “soberana” já atingiu seus limites em alguns Estados e está próxima disso em outros, sem, no entanto ter a economia mundial dado sinais de numa nova acumulação autônoma do capital. Tirar o dinheiro estatal do jogo simulado da acumulação pode empurrar a economia no precipício. Manter a dinâmica atual de financiamento público dos mercados com arrecadação em queda deverá levar outros Estados ao colapso, de forma talvez até mais grave do que estamos presenciando na Grécia. Para os países com dívidas em moeda estrangeira ou aqueles que compartilham uma mesma moeda, a deflação é uma possibilidade resultante do dramático arrocho interno. Para os detentores de moeda própria o risco imediato é a inflação. No entanto, dependendo dos fatos conjunturais, a mudança de uma situação para outra pode ocorrer rapidamente no tempo.

Os trilhões em euro e dólares emprestados pelos bancos aos Estados até 2008, quando o capital financeiro gerado pelas bolhas do mercado era farto, e as dívidas mais recentes das medidas anti-cíclicas, tornam-se impagáveis e vem sendo rolados a juros exorbitantes à medida que a situação se agrava. Com isso os bancos privados em pânico, imploram socorro aos bancos centrais ainda em condições de emitirem moeda com alguma segurança (Banco Central Europeu e Federal Reserve) e ao FMI.

Essa realidade díspar tem levado a apelos contraditórios: ora exige-se que os bancos centrais despejem mais dinheiro para diminuir a fúria especulativa e salvar os Estados insolventes e, por conseguinte, os bancos privados com estes comprometidos, como agora presenciamos na mobilização da União Européia que disponibilizou 750 bilhões de euros para este fim. Em direção contrária, apela-se pela imediata redução dos déficits fiscais em crescimento vertiginoso para que a crise da dívida pública não se alastre sem controle, como tem advertido os organismos internacionais.

Estreitam-se rapidamente as margens de manobra dos Estados e do mercado para se ajudarem mutuamente. A dualidade estado/mercado, que mascara a lógica totalitária do capitalismo escondida pelo denso nevoeiro da aparência, torna-se tênue, deixando os irmãos siameses ainda mais parecidos na caminhada implacável da crise, cujo desfecho ainda está por vir.


17.05.2010