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Pesquisas e trabalhos publicados nos centros econômicos descobrem tardiamente que a automatização da produção além do aumento da produtividade fecha postos de trabalho que não voltam mais. Mas as análises são incompletas e limitadas pela visão de mundo dos analistas.
A imprensa dos centros econômicos tem-se mostrado agitadas com as pesquisas e publicações sobre o impacto dos avanços da microeletrônica e da informática na produção e na substituição do trabalho humano por máquinas. Fala-se tardiamente na destruição de milhares de empregos em todo mundo, atingidos por um “furacão tecnológico" que, ao agregar em seu exponencial vórtice várias inovações, potencializa a automação em todos os setores da economia. De fato, recente estudo nos EUA englobando 702 profissões, realizado pelos pesquisadores Frey e Michael Osborne da Universidade de Oxford, mostrou que quase metade dos trabalhadores americanos (47%) devem perder seus empregados em poucas décadas com a automação da produção e de atividades cognitivas.
Outra dupla de professores, Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee,
do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, discutem em livro publicado
recentemente, de mesmo título, uma "Segunda Era das Máquinas". No que
chamaram "A Primeira Era das Máquinas", que teve início nos
primórdios da Revolução Industrial, a força humana é potencializada na produção
pelas máquinas a vapor e em seguida pelas máquinas movidas à combustível
fóssil. Máquinas e homens aí se complementam, aumentando a produtividade.
Na Segunda Era das Máquinas, argumenta Brynjolfsson, "nós estamos
começando a automatizar muito mais tarefas cognitivas, muito mais sistemas de controle
que determinam como usar aquela força. Em muitos casos as máquinas de
inteligência artificial podem tomar melhores decisões do que os seres humanos.
Assim, seres humanos podem cada vez mais ser substituídos por máquinas guiadas
por software, não se complementarem. O que torna isso possível são três avanços
tecnológicos imensos que acabaram de chegar ao seu ponto de virada, avanços
"exponencial", digital e combinatório." Ao contrário da Primeira
Era,afirma, onde uma máquina podia levar até 70 anos para duplicar seu
potencial produtivo, na Segunda não leva mais que dois anos.
Por outro lado, a queda nos preços das máquinas e dos juros nas
últimas décadas, alimenta um novo cenário para o capital fixo. Bem recentemente
a automação dos processos de trabalho, tinha como limite os preços, o que a
restringia a grande indústria. No entanto, como as mudanças na produção
estendem-se também à manufatura de máquinas e softwares que produzem
máquinas inteligentes e equipamentos para automação, observou-se um significativo
declínio dos preços do que é produzido por essas indústrias. As ferramentas
necessárias à automação dispensadora de trabalho humano, vêm tornando-se
rapidamente acessíveis as pequenas e médias empresas, que até recentemente
tinham dificuldade em adquiri-las.
Tidas em todo globo como o bastião da força de trabalho ainda
não tornada supérflua, no Brasil, as pequenas e médias empresas, segundo dados
do Governo, apesar de representarem só 20% do PIB, são responsáveis por 60% dos
empregos no País. Financiamentos a longuíssimo prazo para investimentos em
equipamentos e softwares, muitas vezes com juros subsidiados, atraem empresas
sob pressão do mercado para reduzir custos de produção e aumentar a
produtividade. Quando sob a influência dos fundos de investimentos essa
pressão torna-se mais acentuada na busca do lucro rápido. Parece que estamos
próximos a assistir uma grande onda de fechamento de postos de trabalho em
extensos setores da economia, bem maior do já vem acontecendo na esteira da
revolução da microeletrônica, principalmente naqueles antes pouco afetados como
reconhecem os pesquisadores.
No entanto, a discussão na mídia sobre esse novo momento, onde a
ciência é mobilizada em toda sua potência pela concorrência global entre
empresas e nações para atuar na produção com inovações tecnologias, limita-se a
apontar soluções já mortas no nascedouro, como "os trabalhadores devem
estar preparados para constantemente reciclar seus conhecimentos e buscar novas
oportunidas", de certa forma jogando para estes a responsabilidade da
miséria que os ronda, ou palavras de ordem vazias como "escravizem
os robôs e libertem os pobres", numa demonstração que na cega corrida pelo
dinheiro, ao aproximarem-se do precipício que pode levar a um desastre social e
ecológico que afete a todos não sabem em que se firmar. Quando se evidencia a
possibilidade da renda dos trabalhadores cair com o desemprego abaixo de um
mínimo socialmente aceitável levando a uma distribuição de renda mais desigual do
que já é (Martin Wolf), vislumbra-se a possibilidade de uma renda mínima para
os desafortunados garantida pelo Estado, como se o financiamento deste não
fosse afetado ou deter-se poderes mágicos capaz de gerar dinheiro indefinidamente
do nada sem consequências.
O discurso da produtividade e da competitividade como a solução
de todos os males, mesmo assustando com o rescaldo social resultante, esquece
ou desconhece que, ao aumentar a produtividade pela utilização de novas tecnologias
dispensadoras de força de trabalho, incorpora-se cada vez menos "trabalho
abstrato" à produção de mercadorias, reduzindo a substância do valor e, consequentemente,
a acumulação de "riqueza abstrata" (dinheiro, como forma material de
existência do valor) que é o fundamento do capitalismo. A tendência do capital
procurar reduzir o tempo de trabalho ao mínimo, substituindo trabalhadores por
máquinas, apesar de mantê-lo como única medida e fonte de riqueza (“contradição
em processo”, Marx), leva a economia real gerar "riqueza abstrata"
insuficiente apesar do aumento da riqueza material. Acompanha o catastrófico
desemprego daí resultante, a crise de financiamento do Estado que depende para
funcionar da valorização do capital e de parte da mais-valia total, recolhida na forma de impostos e taxas.
Apelar para o Estado para mitigar a crise social tem, portanto, seus limites.
Na relação conflituosa entre o "abstrato e o concreto" na produção de
mercadorias, assenta-se a base do endividamento do Estado, das empresas e dos
indivíduos; da especulação, da formação do capital fictício e das crises.
A sociedade capitalista, em seu automatismo, não consegue e nem
pode apresentar soluções para esse impasse sem negar a lógica intrínseca que a
movimenta relacionada com o valor, a mercadoria e o dinheiro, que independe das
ações conscientes dos indivíduos. Daí a impossibilidade dos atores econômicos e
gestores de políticas públicas, submetidos ao "automovimento das coisas",
ultrapassarem os limites lógicos de funcionamento da sociedade capitalista ao
formularem soluções na busca de governabilidade dos fatos, apesar das análises aparentemente "corretas". Se tivessem o domínio da situação não haveria incertezas
e crises. As propostas resultantes das análises macroeconômicas de correntes
diversas restringem-se a medidas que, no fim, alimentam a formação de capital
fictício como forma de suprir as dificuldades da acumulação real estagnada,
tornando as crises financeiras uma possibilidade permanente e constante no dia
a dia das pessoas, e não solucionado a situação daquelas que se tornam
supérfluas à produção robotizada. Não poderia ser diferente em uma sociedade onde
atender necessidades é um meio e o dinheiro é o último, se não único objetivo
de um "processo de produção que governa os homens” (Marx).
24.05.2014
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