sábado, março 28, 2009

Por que a crise atual é pior do que a de 29?

Rall


Oitenta anos separam 1929 de 2009. Tempo insuficiente para entender-se os acontecimentos daquele período, muito menos os anos posteriores que deram origem ao nazi-facismo na Europa e segui-se à segunda guerra mundial com todos os seus horrores, o capitalismo já encontra-se imerso na maior crise de sua existência. Olhando pela janela da história nosso passado recente, não precisamos de nenhuma expertise para enxergar as diferenças fenomenais entre aquele mundo, onde as formações pré-capitalistas abundavam, e o de hoje, de absoluta hegemonia do capital, que traz como efeitos colaterais desequilíbrios ecológicos assombrosos.

Em 29, e até após a segunda guerra mundial, parte significativa da população de um planeta muito menos povoado vivia no campo, mesmo na Europa, principalmente na Central, na Rússia e nos países do Leste que com ela formavam o bloco Soviético. Nações continentais como a Índia e a China eram praticamente agrárias. A situação não era diferente no restante da Ásia, América Latina. Os EUA, que despontava como a grande potência industrial pós-guerra, o peso do campo era importante. Parte do que se produzia ia para o mercado mundial (como o café e o açúcar aqui no Brasil), mas a economia de subsistência tinha ainda um peso muito grande, ou seja, significativos agregados humanos só marginalmente se relacionava com o mercado. A troca do excedente produzido em muitas áreas rurais ainda se dava sem a mediação do dinheiro, o trabalho assalariado avançava, mas não tinha aí se consolidado.

Depois da segunda guerra mundial, o fluxo migratório em um mesmo país, ou entre países, sempre se deu no sentido campo-cidade. O avanço da monocultura de produtos para o mercado mundial, e, mais recentemente, o emprego intensivo de capital e de novas tecnologias no campo, movimentou imensos contingentes humanos em direção as cidades, que resultou em megalópoles com problemas infindáveis, principalmente nos países de terceiro mundo. Toda uma população que antes vivia no campo e pouco dependia do dinheiro para sobreviver, passa agora depender da produção capitalista e, conseqüentemente, do vil metal sem o qual põe em risco sua sobrevivência.

A crise de 29 se alastrou pelo mundo, mas foi sentida mais intensamente na Europa Ocidental e EUA. Se compararmos o PIB mundial daquele período com o atual como também a extensão da crise, veremos que a destruição de capital em 29 foi infinitamente inferior ao que hoje vivenciamos. O desmoronamento do sistema financeiro e a violenta retração da produção que continua em curso é global. Não existem regiões, países ou populações menos afetados como foi observado em 29. A cidade e o campo contorcem-se com a mesma dor, basta analisar o comportamento dos preços das commodities de toda espécie que vem despencando pelo fraco desempenho do mercado mundial.

Ao colapso das empresas seguir-se-á o colapso de países e regiões inteiras apesar das instituições anticíclicas criadas antes e após a segunda guerra mundial. Países literalmente falidos já fazem fila e batem de pires na mão na porta do FMI, dos bancos centrais europeus e americano em busca de salvação. Será possível? Em terras arrasadas, depois de revolvidas, pode nascer alguma coisa, mesmo que seja erva daninha. Mas o custo social, que ainda não cobrou seu preço, será devastador! O desemprego, já agravado pela terceira revolução industrial, pode atingir números dramáticos e os governos dificilmente conseguirão manter benefícios para todos desempregados, mesmo porque a prioridade é utilizar os recursos financeiros, fictícios ou não, para manter a máquina capitalista autofágica funcionando.

O caminho que seguem com determinação para salvar o capitalismo global em crise continua o mesmo: mais bolhas. Antes estimuladas pelos governos e geradas nos mercados é agora de vez assumida pelos Estados que já não escondem a impressão de dinheiro sem substância em suas casas da moeda em magnitudes jamais vistas sob o aplauso de todos. O capitalismo em fase terminal, para manter-se morto-vivo teve que fraudar a acumulação com toda espécie de bolhas e esticar o crédito ao infinito nas últimas décadas. Sem milagres a vista, a toada continua a mesma, agora sob a batuta dos governos até que um novo estouro recobre o real sentido da crise.


Sábado, 28 de março de 2009.

sexta-feira, março 13, 2009

Os zumbis da economia em crise

Rall


"Hoje o mundo é totalmente dependente do capital internacionalizado para qualquer investimento. O chamado capital nacional é uma ficção. O problema é que o capital não tem mais como se reproduzir na economia “real”. Seu destino é girar em falso, sem rumo como um zumbi, produzindo bolhas financeiras aqui e acolá, simulando acumulação. É a forma que encontrou de se manter morto-vivo na sociedade do trabalho em crise."
Rumores da Crise - Rall: Um Zumbi assombra o mundo – 08/05/2004

"Vamos ser diretos aqui. Há uma chance razoável, não uma certeza, de que Citi e BofA, juntos, percam centenas de bilhões de dólares nos próximos poucos anos. E seu capital não é nem remotamente suficiente para cobrir as possíveis perdas. De fato, a única razão pela qual ainda não quebraram é a de que o governo está agindo como um esteio, implicitamente garantindo suas obrigações. Mas são bancos zumbis, incapazes de fornecer o crédito de que a economia precisa."
Folha de S.Paulo – Paul Krugman: Os bancos diante do precipício - 24/02/2009

Essa polêmica sobre zumbis lembra-me de um filme, se não me engano de Paul Morrissey, sobre o Conde Drácula que doente, acredita recuperar-se bebendo sangue de virgem. Com a escassez de mulheres castas na Romênia, resolve viajar da Transilvânia até uma remota fazenda italiana, depois de receber uma carta informando-o que um pai ambicioso, zelava pela castidade das filhas, cobiçando casá-las com nobres que oferecessem uma merecida recompensa pela preciosa raridade. Numa viagem cheia de percalços e confusões, o moribundo Conde a duras penas consegue chegar ao destino. Num estado de excitação que fazia todo corpo tremer, é apresentado às garotas e de pronto se apaixona pela mais velha que num gesto provocante, sacode o cabelo e deixa nu todo um lado do belo pescoço. O Conde, na mesma noite, crava os dentes ferinos no sensual pescoço, e solta um grito agoniado quando o sangue esguicha em sua boca. Ao passar dos dias, vai ficando cada vez mais angustiado à medida em outros pescoços são mordidos e o sangue que jorra é rejeitado por seu refinado paladar. Sabe como morto-vivo, que se não encontrar o precioso alimento logo só restará um espectro de vampiro a vagar sem rumo por um estranho mundo, um verdadeiro zumbi.

O capital, nos seus estertores, apresenta comportamento semelhante. Não tendo aonde aporte para sugar trabalho vivo que conserve e faça crescer o morto, sofre como o Drácula de nossa história em busca de sangue virgem. O trabalho vivo, alimento essencial a reprodução do morto-vivo capital, vem rareando com a corrida pelo aumento da produtividade imposto pela concorrência global na terceira revolução industrial. O Conde Drácula, na desesperada busca de sangue virgem, compete com o mundo dos homens e se dá mal. Os capitais, em busca de competitividade, guerreiam entre si expulsando seu alimento da produção, portanto parte de seu ser. O requintado Vampiro, ao rejeitar o sangue de não virgens apesar da abundância, sabe que não sobreviverá. O capital, ao não suportar sequer o cheiro do suor dos “não-rentáveis” (Kurz), que no desespero famélico oferecem-se aos montões para serem consumidos como mercadoria barata, terá o mesmo destino. No encanto pelas máquinas esquece que o trabalho humano abstrato é seu alimento e que na sociedade burguesa o homem para consumir os meios necessários a sua reprodução tem que vender seu trabalho ou morrem de fome, homem e capital.

Na concorrência empresarial, a tendência é refazer-se a composição orgânica do capital, reduzindo-se o capital variável e aumentando o fixo. Ao tornar mais oneroso os custos dos investimentos com o aumento do capital fixo (máquinas, equipamentos etc.), reforçar-se então a importância do crédito. O “valor valorizado” (Marx) definha, seu espectro se liberta e como um zumbi assombra o mundo simulando acumulação na forma de capital fictício. Zumbi não são só bancos insolventes, mas todo capital financeiro que não aportando na produção aonde a rentabilidade é insuficiente, simula em suas entranhas a acumulação, reproduzindo papéis destituídos de substância de valor. O Sr. Krugman em seu artigo, parece acreditar que a ganância e as más decisões são responsáveis pelo castigo que nos impõe a crise. Apesar de reconhecer as incertezas que o mundo nos submete, não ultrapassa em suas análises os limites nos quais os homens são obrigados a se mover na sociedade burguesa.

A ilusão de que a estatização é a solução para crise do crédito, ao qual se atribui os motivos da crise sistêmica, reside no fato de os teóricos da economia rejeitar o trabalho abstrato como substância do valor, de renegar inclusive as descobertas de seus economistas mais lúcidos como Ricardo e Adam Smith. O que se observa com o movimento dos neoliberais em direção ao Estado “empreendedor”, que deixa amuada a esquerda estatizante, é a busca de uma nova bolha, já que no mercado todas explodiram e não se vislumbra outras. Bolha que vem se formando com a ajuda das instâncias financeiras dos Estados e por elas geridas, consensuada pelos governos e agentes econômico, deverá servir de base para as reformas articuladas pelos países do Centro. Pelo enorme volume de dinheiro sem lastro colocado a disposição e impressos nas casas da moeda, no momento certo essa bolha estatal também explodirá, talvez na forma de hiperinflação, sem, contudo, estancar a crise que é dos limites da acumulação do capital cuja expansão do crédito ao infinito foi um dos seus sintomas.

13.03.2009