Rall
A crise do capitalismo atinge inexoravelmente os países em
desenvolvimento e manifesta-se das mais variadas formas. Ucrânia, Venezuela,
Egito, Síria, Filipinas, Turquia só para citar os mais recentemente acossados
por manifestações e guerras com bandeiras diversas, apontam para Continentes
inteiros em
desespero. Porém , as massas saem às ruas e mantém as lutas
nos limites de sempre. Não são capazes, por mais justas que sejam as
reivindicações, de romper o círculo vicioso de derrubar governos e eleger
outros que repetem as políticas econômicas e sociais dos antecessores e
geralmente agem com mais severidade na administração autoritária da crise.
Apesar dos sacrifícios, que às vezes desemboca em guerras civis sangrentas,
a irrupção dos movimentos sociais não consegue frear o aprofundamento da
barbárie da forma como vem se dando os enfrentamentos. Podemos dizer que as
mudanças no poder terminam se voltando contra os desejos das ruas, cujas
reivindicações não ultrapassam os limites do imediato(1).
Portanto, vivemos um estranho momento de lutas intensas, com
os aparentes avanços sempre retornando ao ponto de partida ou recuando aquém
desse. Os movimentos sociais não conseguirão se libertar
da armadilha política que domina o cenário da crise do capitalismo global, se
mantém como objetivo das lutas a distribuição da cada vez mais escassa “riqueza
abstrata”. Nos países onde governos foram derrubados, assistimos com raras
exceções, os “movimentos” degenerarem em grupos em conflito, muitas vezes
armados, que competem pelo espólio do que resta desta riqueza. E não se
vislumbra nada diferente mesmo onde são considerados consequentes por todos os
credos.
Parece que quanto mais o capitalismo expõe seus limites, o
desespero no enfrentamento das ruínas reforça a lógica deste por outros meios.
É o que de fato temos assistido quando os movimentos, despontando mundo a
fora, abalam o poder e até mudam seus atores para que tudo continue como estar.
Esse quadro se complica mais ainda com a ingerência direta ou indireta das
potências militares que, aproveitando-se do caos, buscam interferir para manter
sua influência ou garantir os negócios econômicos. A Ucrânia pode ser rasgada
ao meio, formal ou informalmente, para assim acomodar interesses do capitalismo
mundial e receber o dinheiro que precisa para evitar a falência. A Europa, que
depende do gás da Rússia e do Território ucraniano para o seu transporte, vai
exigir de Kiev uma acomodação com seu vizinho e fechará os olhos a ocupação
Criméia pelos russos. O resto é encenação.
É possível que a resistência ucraniana, como muitas outras,
sinta traída sua “revolução”. Mas que revolução? A troca de gestores da crise
simpáticos aos russos por outros aparentemente simpáticos à União Europeia que
oferece bilhões de euros em troca de sacrifícios da população? Se o resultado
for esse não se pode falar em revolução. Enquanto os movimentos sociais não
enxergarem que a crise do capitalismo, que se manifesta de forma assimétrica,
porém permanente é uma crise de suas categorias fundamentais, e que uma
verdadeira revolução haverá de exigir uma crítica radical a essas categorias
(trabalho abstrato, mercadoria, valor, dinheiro, mercado, Estado,
patriarcalismo), nada mudará. Isso exige dos movimentos organizados a produção de uma consciência crítica e certa
autonomia em relação às instituições burguesas, principalmente aos partidos
políticos. No entanto, o que se observa é a captura desses movimentos pelos
partidos da ordem e poucos resistem aos acenos do poder estatal, mesmo que lá
nada consigam fazer.
Nesse momento da história do capitalismo, a
contradição entre “riqueza abstrata” (dinheiro) e riqueza material e imaterial
(coisa úteis) chegou ao limite máximo. Para compensar a crise do trabalho
abstrato, do valor, o capitalismo global é obrigado inundar o mundo com
mercadorias que logo são descartadas. Muitas delas de pouca ou nenhuma
utilidade, rapidamente transformam-se em lixo com os resultados desastrosos
para o Planeta Terra, levando a crise ecológica com repercussões gravíssimas no
mar, no ar, na terra e no clima, e os riscos a todas as formas de vida. A concorrência, que se
intensifica ferozmente com a trajetória da crise do valor, condiciona o aumento
da produtividade e a apropriação da maior fatia da mais-valia social pelas
grandes corporações detentoras de alta tecnologia. A estruturação das “cadeias
de valor globais”, aonde os grandes monopólios ocupam posição privilegiada,
além do desemprego pela crescente automação da produção resultante da
introdução de novas tecnologias, força o aumento da produtividade do trabalho à
exaustão e o desemprego nas pequenas e médias empresas, pela “apropriação
predatória da mais-valia em cima das firmas mais frágeis” (François Chesnais) que
funcionam como fornecedoras das grandes corporações, agravando ainda mais a crise do valor.
Para o sistema não entrar em colapso com a paralisação
definitiva do processo de valorização, o dinheiro passa a gerar mais dinheiro
fora das cadeias produtivas e sem a mediação da mercadoria força-de-trabalho: A
fórmula D-M-D’, onde a mercadoria força-de-trabalho produz o Δd, ou seja, a
mais-valia, e deveria encerrar toda essência do capitalismo, passa a fórmula vazia
D-D’, expressão da sociedade burguesa em nossos tempos. O capital fictício
assim formado (D-D’) movimenta-se sem controle nos mercados à velocidade da luz
para especular e crescer, mas também para esconder sua face ilusória e não ser
descartado nos momentos de agudização da crise. Entra e saí da economia real
aonde se recicla ao movimentá-la, ou a deixa a míngua quando se vê ameaçado,
como hoje assistimos em vários países, com destaque para Ucrânia, Venezuela,
Turquia e Argentina.
A busca da superação da crise, que é também a busca pela
emancipação entendida como superação da sociedade fetichista, exige que a
resistência à crise organize-se e direcione sua energia no sentido de
ultrapassar os limites dos cenários impostos pelo capitalismo e pelas instituições
que lhes dão sustentação, inclusive ultrapassar as fronteiras nacionais como já
o fez há muito o capital.
(1)Olhando para os eventos no Egito em busca de reflexões
(1)Olhando para os eventos no Egito em busca de reflexões
07.03.2014
Um comentário:
Mais um excelente artigo.
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