Rall
Canti
Responsabilizar
a crise pele ganância dos bancos, é uma simplificação chula dos fundamentos da
crise. Achar também que há muita dívida e pouca poupança, é manter-se na
superfície do fenômeno e leva a interpretações equivocadas que a crise pode ser
resolvida, solucionando as dívidas através do aumento da poupança. Só que não se
enxerga que na crise da “valorização do valor”, a retomada autônoma da acumulação
como no final das crises cíclicas do passado, sem bombear de forma permanente
dinheiro sem valor na economia, agora torna-se impossível.
Analista
burgueses e da esquerda tradicional mantêm-se presos a esse passado e não
avançam um milimetro na crítica da crise, acreditando na possibilidade de que
os expurgos do capital fictício, das dívidas impagáveis, das empresas não
lucrativas, com o fechamento de muitas delas, produzidos pela força destruidora
da crise, fará renascer um novo mundo capitalista mais produtivo, novas
tecnologias de produção com potencial de ampliar o mercado para novos produtos
e incorporação da força de trabalhos supérflua. Porém o que se observa a nível
global é o endividamento crescente, o encolhimento da força de trabalho e a
formação de novas bolhas de capital fictício como meio de adiar o colapso
total, mas que tendem a explodir na mesma velocidade com que se forma, com
danos irreparáveis a economia.
Achar
que a crise pode ser superada com mais poupança, onde não se pode mais poupar;
solucionando-se as dificuldades do crédito, eliminando ou reduzindo as dívidas
a patamares aceitáveis, onde o aumento das dívidas surge como solução, mesmo
que ilusória, capaz de evitar a paralização do modo de produção capitalista,
empurrando para frente desfechos mais severos, é não entender a essência
categorial da crise.
A
“destruição criativa” de Joseph Schumpeter, tão popular à direita e à esquerda,
já não se aplica a essa nova forma de crise que atinge profundamente as
categorias reais do capitalismo como valor, trabalho, mercadoria, dinheiro,
mercado mundial, Estado, Nação, direito, política, democracia e a relação entre
gênero na construção social do masculino e feminino, desarranjando todo edifício
social construído a ferro e a fogo durante os séculos de consolidação do
capitalismo para dar sustentação à acumulação do capital.
O
que tenderá suceder quando crescentes montanha de créditos podres vergarem
sobre sua base e nova crise financeira se instalar, será um salto no
endividamento dos Estados e do setor privado, como vimos em 2008, apesar de ser
o peso da dívida o desencadeante desse processo. Esse ciclo, sempre acompanhado
do aumento das dívidas, tende a se repetir em tempos cada vez mais curtos, até
o esgotamento desse artifício com a paralisia da produção em um momento
determinado e falência das instituições construídas para serem os pilares da
sociedade capitalista, como aliás já se observa.
Com
o aprofundamento da crise de valorização do capital e a redução da taxa de
lucro, a tendência das empresas é operarem no vermelho, ficando na dependência
crônica do crédito e da geração de capital fictício especulando com o sistema
financeiro. A economia global está cheia de empresas zumbis, que endividadas e
operando no negativo, só existem sustentadas pela especulação financeira,
mantendo a base material como garantia para especular. Sobrevivem pelo
endividamento permanente e crescente e pelo jogo que lhes permite se apropriar
ou não de parte do capital fictício gerado no mercado financeiro ou no Estado. Na
verdade, o objetivo das empresas é fazer dinheiro, não importa se produzindo
mercadorias gerando mais-valia ou, quando a produção desta não é possível,
buscando outros meios como a especulação financeira capaz de gerar dinheiro
fictício para ser reciclado na produção. A produção material transforma-se em
uma forma de “esquentar” o dinheiro sem substância e, ao mesmo tempo, o
substrato material que garante às empresas o direito à especulação.
O
segredo da aparente solução da última crise do crédito (2008), foi o
deslocamento da dívida do setor privado para o público, com o aumento da dívida
total. Ou seja, além da política de zerar os juros ou de juros negativos e da
compra de papeis sem nenhum valor do setor privado pelos bancos centrais, das
renuncias fiscais aumentando o déficit e a dívida pública, o setor privado teve
que se endividar, mesmo que com juros negativos para fazer o dinheiro girar.
As
duas operações mais comuns, envolvendo grande volume de dinheiro emprestado,
são as operações de carry trade, onde o operador toma dinheiro em um país com
taxas de juros baixas, para investir em moeda de outros país que oferece taxas
de juros altas, embolsando a diferença. A outra, as empresas tomam muita dívida
para comprar as próprias ações.
Por
que as empresas tomam muita dívida para comprar suas ações? O efeito da crise
do valor nas empresas de um modo geral, é a desvalorização. Para “superar” esse
efeito tendem especular na bolsa comprando suas ações, fazendo que as mesmas
subam, apresentando-se ao mercado a partir da bolsa como uma empresa
aparentemente lucrativa e sólida, estimulando terceiros comprar também ações em
busca de lucro, levando a uma valorização fictícia de seu patrimônio.
Parte
dessas empresas há muito deixaram de ser lucrativas, sobrevivem como zumbis
alimentando-se de capital fictício. Um abalo na bolsa, por menor que seja, ou
em outras áreas que corte o suprimento de capital fictício, pode levá-las à
dificuldades e até mesmo a falências. Não se sabe a extensão das empresas que
não conseguem mais sobreviver gerando mais-valia suficiente capaz de “valorizar
o valor” na produção, mas pelo número das endividadas e pelo volume de
empréstimos que envolvem operações especulativas, não devem ser poucas. Hoje é
difícil encontrar uma empresa que não esteja envolvidas nesses tipos de operações,
mesmo as aparentemente sólidas no que diz respeito a produção de mercadorias.
Outro
tipo de operação muito comum em tempos de juros baixos nos países do centro,
mas altos na periferia, é tomar empréstimos no centro para especular na
periferia do capitalismo, praticando o carry e outras formas de especulação. A
facilidade de se gerar dinheiro, mesmo que fictício, nesse tipo de operação,
leva os operadores acreditarem que não estão sujeitos a variáveis não
controladas e situações de volatilidade como crise cambial, aumento de juros,
que podem levar a desvalorização súbita das moedas dos países da periferia,
como observado recentemente no Brasil e na Turquia, que causaram grandes perdas
e aumento das dívidas das empresas envolvidas nesse tipo de operações.
Além
dessas, outros tipos de especulações financeiras estão presentes e já não se
pode separar o que é só mercado financeiro operado por bancos ou corretoras e o
que são empresas do chamado setor produtivo não rentáveis envolvidas nisso, que
para manterem a aparência de lucrativas, necessitam desesperadamente de
empréstimos e dessas operações geradoras de capital sem substância.
Apesar
dos altos riscos e da consciência da volatilidade das moedas, principalmente
nos países da periferia do capitalismo, um reflexo da instabilidade da economia
global, quem consegue ter acesso a empréstimos, em moedas a juros baixos ou
negativo para aplicar em operações de carry trade nos mercados de câmbio em
moedas com juros elevados, não deixa de fazer, pois acreditam que o retorno
alto compensa o alto risco.
Mas
isso é parte do movimento do capital que não conseguindo o retorno esperado na
economia real, busca lucro fácil e rápido, mesmo cientes dos riscos de os juros
subirem nos países onde são tomadores e caírem nos países onde o dinheiro
emprestado é aplicado.
Se
o mercado de ações cair, seca uma importante fonte geradora de capital
fictício, fundamental, como todos reconhecem, para fazer girar, mesmo que em
falso, a economia global.
Quando
a “valorização do valor” era o esperado na economia real e a especulação fugia
a norma, o mercado de ações era dirigido pela situação em que se encontrava a
economia, e a valorização das ações das empresas estavam associadas aos
momentos de valorização do capital. Com a crise do valor levada a efeito pelo
aumento da produtividade, movida pela concorrência e a expulsão do trabalho
-substância do valor- da produção, dificultando a valorização do capital, a
situação se inverteu: as bolsas passaram a subir acionadas por mecanismos
especulativos construídos pelas empresas e pelo capital financeiro, como tomar
dinheiro emprestado a juros baixos ou negativos, para comprar suas ações
fazendo-as subir, valorizando artificialmente seu patrimônio, gerando com isso
capital fictício que volta à economia real para ser reciclado.
De
fato, a economia real não dirige mais nada com a crise de valorização do
capital, se alimenta por um enorme volume de capital fictício gerado pelo
crédito e manipulação do dinheiro emprestado, e pelo dinheiro fácil despejado
pelos órgãos dos Estados, gestores da economia como os Bancos Centrais.
Com
o capital-dinheiro circulando à velocidade da luz, buscando se reproduzir a
todo custo, as crises financeiras se instalam em velocidade semelhante e passam
a fazer parte do que os economistas burgueses chamam do “novo normal”, ou seja,
crises financeiras cada vez mais frequentes e cada vez mais destrutivas. Essa é
a lógica quando se busca saídas nos limites do modo de produção estabelecido.
Frente a crise da economia real que não consegue mais produzir “riqueza
abstrata”, jogar dinheiro através do crédito (não precisa ser de helicóptero),
cada vez mais sem limite no tempo, foi a forma inicialmente encontrada para
empurra para frente o enfrentamento do problema. Como esse mecanismo começou a
se esgotar - e a crise de 2008 expressou isso - apelou-se para impressão de
dinheiro, compra de crédito podre pelos bancos centrais, renuncia fiscal e aumento
do endividamento dos Estados. Por outro lado, o mercado financeiro e as
empresas nele mergulhado, a medida que a crise do valor se aprofunda, tornam-se
mais criativos e agressivo na busca do capital e na geração nunca vista de
capital fictício.
A
dívida pública e privada em crescimento constante, em determinado momento
torna-se impagável e desaba sobre si mesma. Então, a geração de capital
fictício tende a emperrar, tornando-se as montanhas de dívidas acumuladas nesse
processo altamente inflamável. Uma simples faísca, e a economia e a política em
crise têm soltado muitas, vira uma labareda infernal donde nada escapa.
Se
as bolsas desabarem como esperado e as taxas de juros subirem ainda mais,
empresas endividadas sem condições de honrar compromissos, ao perderem as
fontes que lhes garantem os empréstimos para valorização fictícia de suas
ações, não conseguirão pegar dinheiro no mercado para pagar as dívidas. Mas
esperam confiantes, que suas dívidas agora impagáveis, sejam “compradas” mais
uma vez pelos bancos centrais e que os governos ajudem com renúncias fiscais
como ocorreu em 2008.
A
história pode se repetir em 2019, mas o socorro esperado a economia global pode
vir como farsa.
31.12.2018
Um comentário:
Concordo com esta visão da nossa terrível realidade e previsão do estado da economia e empresas para 2019. Tudo se aplicará a Portugal na integra dado o estilo dos empresários e dos políticos Portugueses. Os empresários descapitalizaram as suas empresas procurando viver do financiamento fácil dos bancos e do Estado enquanto que os Governos esvaziam os cofres do estado esbanjando e distribuindo financiamentos a seu belo prazer pelos amigos e compadres procurando depois que as instituições internacionais financiem os seus orçamentos por intervenção (exemplo - TROICA). Quem irá pagar essas dividas colocais será sempre o Zé Povinho. Este modo de agir é bem claro e nítido, só quem não quer é que não vê. Está para na moda e está para ficar. Os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Portugal no seu melhor.
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