Rall
A crise bate forte nas portas da frente e dos fundos e não
tem resposta. Ameaça derrubar a casa e suas frágeis estruturas. Sem condições
políticas de gerenciá-la, o governo entra em pânico! O Estado, expostas as
entranhas, mostra a sua verdadeira relação com o privado em todos os níveis. O
que é a corrupção se não o imbricamento simbiótico entre o Estado e o setor
privado, fenômeno inerente ao modo de produção capitalista? Os partidos, apesar
dos apelos enganadores, nos momentos de crise dizem o que são na sociedade
produtora de mercadoria: “correias de transmissão” entre os interesses privados
empresariais e os Estados Nacionais. Já no processo eleitoral, colocam-se na
condição de facilitadores dos negócios em troca de vantagens financeiras para os
grupos partidários e mesmo para enriquecimentos pessoais, não importa as cores que
ocupam no espectro político. A relação intensa, porém tensa entre o Estado e o
mercado, aparentemente pode ser quebrada em operações como a Lava a Jato. Mas
não é, como não foi no Mensalão e em centenas de outras já esquecidas pela
memória coletiva. Enquanto alguns elos são quebrados surgem outros com mais
força e sofisticação, difíceis de serem detectados.
O Estado Moderno, consideradas as variações no tempo e no
espaço, sempre foi e sempre será o balcão dos grandes negócios da sociedade
capitalista, com algumas funções infraestruturais, reguladoras e sociais. Na
acumulação primitiva do capital, que se inicia com a desintegração dos feudos
no período medieval, era principalmente o Estado Absolutista, quem através do
uso da força sem limites, usurpava, matava, disciplinava e empurrava para
“gaiola de ferro” (Weber) a força de trabalho necessária à acumulação da “riqueza
abstrata”, provocando enormes deslocamentos forçados da população para os
centros fabris em formação. Acompanhavam essa movimentação a miséria, a fome e
as doenças resultantes das relações sociais estabelecidas, dos espaços insalubres
e contaminados das cidades em crescimento desordenado, dos ambientes e
condições de trabalho precários. Para as novas situações leis são elaboradas
pelo Estado Moderno em formação, compondo o arcabouço jurídico-institucional
que negava a velha ordem e abria caminhos para o rápido crescimento da acumula
capitalista, formalizando as relações da sociedade burguesa em expansão.
Certa independência do Estado em relação a produção e ao
mercado, ou períodos de crescimento aparentemente autônomo da produção e da
acumulação, manifestadas no transcorrer do desenvolvimento capitalista, não
rompe a indissolúvel relação: um não consegue viver sem o outro, são irmãos
xifópagos que compartilham as mesmas vísceras e o mesmo ar que respiram. Basta
que crises os ameacem para que deixem de lado as ilusões ideológicas e busquem
socorrerem-se mutuamente. Nesse sentido, a agudização da crise em 2007/2008 foi
muito rica em exemplos de como os Estados do centro do capitalismo, criticados severamente
pelos operadores do mercado e pelos neoliberais como um estorvo ao
desenvolvimento, são mobilizados em todo mundo pelos grupos privados e
ideólogos que os criticam para salvá-los do colapso. Num pacto para preservar
interesses, os Estados transferem para si parte do ônus da crise. Portanto, os déficits
e as dívidas dos Estados aumentaram exponencialmente com as renuncias fiscais e
queda da arrecadação. Os bancos centrais passaram subsidiar os juros e a
imprimir dinheiro para comprar papéis podres, de créditos mal parados, que
pesavam negativamente no balanço das empresas privadas, principalmente dos
bancos que corriam o risco de colapso sistêmico.
Para acabarem com a corrupção, os paladinos da justiça teriam
que desatar o nó dessa relação, destruir a “gaiola de ferro” que aprisiona a
força de trabalho, e decretar o fim da geração da “riqueza abstrata”, ou seja,
do dinheiro. Não sendo o caso, a corrupção simplesmente deverá mudar de lugar e
nome: antes Mensalão, hoje Petrolão, amanhã Eletrolão... Se olharmos para trás
e estabelecermos uma linha de tempo imaginária dos negócios sem transparência
entre o setor público e o privado, vamos perdê-la de vista, pois ela tem a
mesma extensão da linha de tempo da existência da Sociedade Moderna.
O conceito “corrupção”, definido por padrões éticos de um Estado
idealizado que nunca existiu, surge como tentativa de preservar alguns espaços
da invasão da mercadoria-dinheiro. No entanto, a história mostra que a
concorrência por mais dinheiro tende ocupar todos os níveis da sociedade
burguesa, quebrando as frágeis barreiras do discurso ético e do que deveria ser
função do Estado. Essa lógica cega e destrutiva, que é a lógica que move o
capital, é institucionalizada a todo instante em todas as esferas da sociedade
burguesa, mesmo que não seja claramente percebido.
No setor privado, o
toma-lá-dá-cá que geralmente favorece os que estão na alta gestão das empresas,
muitas vezes recebe nomes pomposos para esconder o verdadeiro significado das
operações, cujos valores são determinados pelos próprios favorecidos. Qual o
significado dos ganhos astronômicos dos executivos e de suas assessorias
arrancados de empresas muitas vezes pagando salários miseráveis e com risco até
mesmo de fechar? A lógica é a mesma, porém aceita pela sociedade e até louvado
como meritocrático. A expansão sem limites do capital fictício (geração ou impressão
de dinheiro sem lastro, bolhas financeiras etc.) pelo mercado e pelo o Estado para
manter a economia em movimento, pode ser vista como esse processo levado ao
extremo.
No entanto, tudo isso são sintomas muito forte da crise
fundamental do modo de produção capitalista, dos limites de acumulação de “riqueza
abstrata” e, consequentemente, das instituições que lhes dão sustentação. A
tendência é o acirramento da disputa pela riqueza escassa, com aumento da
desigualdade como apontam os estudos de Thomas Piketty e de outros pesquisadores.
A retomada de hipótese da “estagnação secular” pelo ex-secretário do Tesouro
americano Larry Summers, reconhece que a propensão em investir e consumir nos
países desenvolvidos é tão baixa que só será possível à retomada da economia com
taxas de juros reais negativos por longos períodos. Vê na economia estagnada do
Japão, com deflação persistente, o espelho do desenrolar da crise na Europa e nos
EUA. A “estagnação secular” pode ser a manifestação fenomênica da crise do
valor quando a economia é analisada utilizando-se os instrumentos da
macroeconomia. A situação duradoura apontada, de baixo ou nenhum crescimento,
parece um indicador importante de que a crise não é cíclica, mas não a explica.
Quando afirma que os baixos níveis de produtividade compõe o quadro da
estagnação, não entende o que fundamenta a crise da acumulação real: a
revolução tecnológica que movida pela concorrência global em busca do aumento
crescente da produtividade e de novos mercados, torna supérfluo o trabalho, substância
do valor.
Se as investigações que estão levando figurões à cadeia tem
uma utilidade é mostrar que o Estado, enquanto o outro lado da moeda na
sociedade capitalista, é regido pela mesma lógica que a anima: fazer dinheiro.
Com a crise do valor e do dinheiro, o financiamento do Estado passa a ser um
problema e os mecanismos que possibilitam algum equilíbrio contra a
concorrência predadora são facilmente capturados pelos grupos de negócios,
apesar das resistências pontuais no interior do aparelho estatal. O Estado
brasileiro, com o agravante de um Estado saqueado que chegou ao seu limite,
entrou num processo de desagregação muito difícil de ser estancado ao ser arrastado
pela crise estrutural do capitalismo e das instituições políticas que agora
batem as portas. Mesmo com alguma resistência na esfera estatal, o que desponta
no horizonte é a formação de grupos mafiosos, cada vez mais agressivos, em
lutam pela posse do espólio e para manter posições.
12.08.2015
Um comentário:
Mais um ótimo texto!
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