Rall
Quando o capitalismo entrou
em crise nos anos 70, as reformas que se seguiram tinham como um dos focos levar
ao limite a exploração da força de trabalho. Um dos eixos
dessa reforma foi à
intensificação da terceirização e flexibilização das relações de trabalho, que resultou
na precarização e
aumento da rotatividade como forma de rebaixar os salários. Apesar da melhoria da
rentabilidade de alguns setores empresarias, a terceirização não conseguiu impedir a queda da
massa total de mais-valia. A partir daí, a velocidade com que as tecnologias inovadoras
tornavam não-rentável contingentes de força de trabalho, não era compensada pela novas
formas de gestão e extração e mais-valia ancoradas na
terceirização, mesmo
levando ao extremo a intensificação e exploração do trabalho.
O trabalho improdutivo não gerador de mais-valia,
relacionado com as atividades administrativas e burocráticas das empresas, ao ser
terceirizado e transformado em trabalho produtivo de capital por passar a
produzir mais-valia, não pode
compensar a expulsão do
trabalho produtivo pela introdução de novas tecnologias nas linhas de produção, forçada pela concorrência empresarial e entre nações. Isso fez com que a
rentabilidade continuasse em queda quando vista no conjunto em uma série histórica, e que o capital fictício fosse crescentemente
mobilizado com a criação das
chamadas inovações da “indústria financeira”, como os derivativos, e pela
injeção de uma
grande quantidade de capital monetário na economia, onde se destaca o uso desse capital
na aquisição,
modernização e
vendas de empresas, num processo especulativo que faz crescer o estoque de
capital fictício. Ao
mesmo tempo amplia-se o consumo pela expansão do crédito, mantendo com isso uma aparente normalidade da
acumulação.
Manifestações esparsas da crise se fez
presente em todo mundo, principalmente na América Latina nos anos 80 que ficou conhecida como crise
da dívida, na Ásia com destaque para o Japão nos anos 90 cujo longo período de deflação se mantém como uma ameaça constante, até o estouro das bolhas do
ponto.com em 2000 e do crédito
imobiliário em
2007/2008, da qual os centros imediatamente atingidos foram os EUA e Europa.
Mas, contrariamente as crises
do passado quando o capital fictício era expurgado e a acumulação retomava em outros
patamares, nos momentos da crise que teve início nos anos 70 do século do Século XX, o capital fictício não só se manteve em movimento e movimentando a economia em
todas as suas dimensões, como,
com ajuda do Estado e de seus bancos centrais, vem se expandido a perder de
vista na tentativa de compensar a incapacidade de valorização na chamada economia real.
Quando os bancos centrais americano, japonês e agora o europeu põe em prática o “afrouxamento quantitativo” nada mais fazem do que
imprimir dinheiro para comprar títulos podres, ou seja, buscam com isso valorizar
artificialmente papéis sem
valor no mercado. O termo “afrouxamento monetário quantitativo” não passa de um eufemismo para
esconder o verdadeiro sentido do que vem fazendo os bancos centrais: impressão de dinheiro fictício. Buscam apagar o fogo da
crise financeira com o combustível que lhe deu origem.
No entanto, nuvens carregadas
de capital fictício começam a se acumular no horizonte
numa velocidade inesperada além da competência do Estado e do mercado administrar os excessos, e
logo farão desabar
raios de destruição sobre
a economia mundial. Outra crise financeira na situação atual da economia com
problemas em todo globo, temperada pela violência e instabilidade política geral, pode levar a uma grave depressão com conseqüências imprevisíveis.
A outra estratégia para sair da crise foi o
deslocamento da produção para os
países periféricos, onde se pagava salários de até um vigésimo dos países do centro, que tinha como
objetivo suprir com produtos baratos os mercados dos países desenvolvidos. A partir dos
anos 80 formou-se um enorme circuito deficitário entre a Ásia e os países centrais, tendo a China no transcorrer dos anos se
consolidado como o principal País exportador. Os dois grandes países em polos opostos desse
circuito, a China detentora do maior superávit da história das relações comerciais e os EUA do maior déficit, tem as economias tão interligadas, que a crise
financeira de 2007/2008, ao paralisar a economia americana, abalou
profundamente os alicerces da economia chinesa. A China que foi obrigada então redirecionar suas atividades econômicas para o mercado interno
sem está
preparada para isso, não
"cavando buracos" como propunha Keynes, mas construindo cidades
fantasmas e trens-balas que se deslocam pra lugar nenhum.
Esse gigantesco volume de
capital "congelado" na infraestrutura, mas principalmente em prédios vazios, tende a se
desvalorizar rapidamente e jogar a China em recessão com deflação, agora sem poder ser
socorrida pelo mercado externo para escoar a produção de suas mercadorias e fazer
dinheiro. Portanto, esgotada as possibilidades dos investimentos internos, que
na verdade foi uma forma de queima de capital pela crise sem que seus
governantes tivessem clara consciência, a China se depara com uma montanha de dívidas podres prestes a se
desvalorizarem, que deve afundar seu mercado financeiro já frágil e abalado pelo espectro do
mercado paralelo que cresceu rapidamente em cima das empresas e dos governos
das províncias que,
em dificuldades, buscam liberação fácil de empréstimos a juros exorbitantes. Produção industrial e de construção em crise, e mercado
financeiro com as bolhas de crédito preste a explodir, deve ser uma grande dor de
cabeça para a
burocracia chinesa e para os dirigentes dos países a ela associados nas relações comerciais.
Com o fim do circuito deficitário que alimentava o
crescimento do capitalismo chinês, à medida que os governos provinciais e as empresas
passaram a ter dificuldades, recorreram cada vez mais ao dinheiro fácil de pegar e difícil de pagar do mercado
financeiro paralelo. O crescimento desse mercado, livre de controles e
desregulamentado, mas consentido, é um grave sinal da saúde e de como anda o endividamento das empresas
chinesas e seus sócios, os
governos das províncias que
são parte
importante dessa economia onde mercado e Estado costumam dançar em harmonia um mesmo tango.
À medida
que o colapso da economia chinesa já não é mais uma miragem, surgiram dois importantes
desdobramento: um prático, que
vem puxando para o precipício os países exportadores de commodities
de baixo valor agregado, como o Brasil e outros que dependem desse mercado. A
situação da
China tende ainda agravar a recessão na Europa e abalar o crescimento dos EUA por
interrupção de negócios e interligação dessas economias. Outro de
ordem teórica: se
2008 foi à vez dos
intervencionistas com dedo em riste ameaçarem jogar no lixo da história a produção dos teóricos do mercado, agora é a vez dos estatistas prestarem
contas aos seus adversários,
pela incapacidade dos estados responderem as questões postas pela crise.
Ao tratarem mercado e Estado
como entes de mundos diferentes, e não como categorias do capital, os adversários equivocam-se em suas análises. A crise do capitalismo é categorial. Portanto, a solução para crise não está no Estado e no mercado, pois
enquanto categorias da forma de produção capitalista são parte dela.
No Brasil estamos a assistir
um enorme fuzuê num
mesmo governo que de uma política reclamada como intervencionista sem os resultados
esperados, dá uma
guinada e cai nos braços dos
antes inimigos homens do mercado, apesar das juras contrárias de campanha. Isso me lembra
dum amigo de juventude ao justificar, apertado por outros jogadores, dois gols
contra em uma pelada de várzea: “agora eu sou a favor do contra,
pronto.” A perda
de norte do governo brasileiro mostra as dificuldades de se lidar com uma crise
que foge ao controle das soluções acadêmicas de todas as escolas. Portanto, se uma não deu certo, testa-se a outra
que provavelmente não
desvendará o
enigma.
Quanto à expansão do comércio exterior nos últimos 30 anos, tido como um
indicador importante da economia mundial, utilizado como argumento de que
apesar de tudo o capitalismo segue muito bem, é necessário considerar que a integração da produção a nível global e o constante
deslocamento de empresas em busca da redução de custos, levou a uma movimentação de mercadorias, produtos e
componentes, jamais visto na história da humanidade. Para produção em escala de mercadorias é sempre considerado os salários, e certas condições como infraestrutura,
qualificação da mão de obra e logística. O mercado interno dos países produtores/exportadores e
os custos de deslocamento das mercadorias para os grandes centros contavam
pouco, pois os baixos salários
compensavam.
No entanto, à medida que a tecnologia avançava na produção, os custos da mercadoria força de trabalho vão se tornando sem importância. A logística, em particular o que diz
respeito ao armazenamento e distribuição das mercadorias, passa agora a ser considerada nos
custos finais. Produzir em indústrias automatizadas, muda muito pouco os custos da
força de
trabalho se a fábrica está operando em solo chinês, americano ou europeu. Passa
fazer diferença,
tornando a produção das
empresas e países mais
competitiva, a queda dos custos com transporte e armazenamento das mercadorias,
ao se produzir nos grandes mercados consumidores ou em suas imediações em fábricas automatizadas, em condições de operar 24 horas
ininterruptas, e capazes de adaptarem rapidamente a produção à demanda sem desperdícios e superprodução.
Várias indústrias instaladas na Ásia com a produção direcionada para exportação estão retornando ou mostram intenção em retornar ao solo pátrio, pois já não precisam como antes de força de trabalho barata e vão economizar em logística. Por outro lado, o
encarecimento do trabalho nos países asiático deixa-os menos atrativos para as empresas que
produzem para exportar, que entre o uso intensivo de força de trabalho e automação, estão optando pela segunda com
incentivos dos governos dos países de origem.
No entanto, se a automação pode ser a saída para parte das empresas na
concorrência
global, mesmo aumentando a produção e reduzindo inclusive os preços das mercadorias pelo aumento
da produtividade, faz cair à acumulação da "riqueza abstrata", que é o objetivo final da produção capitalista, pela expulsão da substância do valor, o trabalho. E o
que à superfície aparenta uma solução, tende aprofundar a crise da
forma de produção
capitalista e do dinheiro.
23.02.2015
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