Rall
Apesar de todas as medidas de segurança
tomadas pelos países do centro do capitalismo, os atos de violência vão se
consumando sem que o Estado seja capaz de preveni-los. A descrição das ações
como ato de “lobos solitários”, serve mais para esconder a incompetência dos
órgãos de segurança do que como análise séria. É claro que isso não seria
possível sem apoios internos e externos, material e ideológico. Busca-se
afirmar que esse tipo de violência restringe-se ao sectarismo religioso e nada
mais. Mas o discurso contra a barbárie usado dessa forma esquece o substrato
real gerado pelas relações sociais, parte essencial do ser sectário. E aí a
sociedade capitalista tem que se explicar.
O apelo oficial pela
união de todas as forças contra o terrorismo, que deve ser repudiado e
combatido, em defesa dos valores universais da sociedade burguesa, é como se
dissesse: “olha, aqui está tudo bem, o problema são os inimigos externo”. Ou
como propõe a extrema direita em seu discurso belicoso, uma verdadeira cruzada
capaz empurrar o islã além das fronteiras européia. Nenhuma palavra por que
milhares de jovens nascidos na Europa engajaram-se na insana aventura de grupos
sectários fascistoide que cultuam a morte. E agora trazem a experiência de lidar
com armas pesadas e matam brutalmente dentro de seus países, não importa o
preço que tenham a pagar.
É preciso condenar os atos de barbárie, mas também
reconhecer que a dinâmica do capitalismo em crise, com a crescente massa de
força de trabalho supérflua, fornece aos grupos sectários, braços e corpos,
para apertar o gatilho ou explodir contra pessoas desarmadas. É bom lembrar que a razão iluminista trazida à memória em momentos como estes, serviu e serve
para justificar em nome da modernidade, massacres de cidadãos não europeus, fora e dentro de suas fronteiras, na expansão e
consolidação do capitalismo mundial e agora no seu ocaso. A primeira e a segunda
guerra mundial, e as guerras regionais que se seguiram ao período do pós-guerra,
seguem a lógica cega e androcêntrica do capital, que para o indivíduo ser
produtivo de mais-valia, os sentimentos são brutalmente reprimidos e extirpados
para que possam atender ao mercado e ao Estado armado. O que resta é um ser abstrato, destituída do sensível, que vagam como mônoda no automático da
valorização do capital.
Num mundo fetichizado sob o domínio do dinheiro, o sectarismo
religioso não flutua nas nuvens, no Empíreo dos deuses, independente deste. Uma
simples análise das guerras sectárias no Iraque, na Líbia e na Síria, só para
citar algumas do presente aonde essa questão mantém-se em pauta, veremos que os
interesses econômicos subjazem a luta fratricida. É claro que os sistemas de
crenças torna tudo isso mais brutal, na medida em que a dinâmica própria destes
mobiliza e justifica a violência perante seus seguidores.
Não adianta culpar o outro ou justificar que assistimos um choque de civilização entre o Ocidente e Oriente, e se ausentar do problema. Não há
muito, se considerarmos os intervalos de tempo da história, em plena Europa foi
estabelecida a barbárie nazista do holocausto, cujas justificativas eram
plenamente aceitas por povos ditos civilizados. Movimento que começou de forma
muito parecida como o que estamos assistindo agora: grupos autoritários
recrutando entre os marginalizados, pessoas dispostas a se utilizar da
violência para impor uma visão de mundo que acreditavam ser a verdadeira. Só
diferem porque a Pátria-mãe dos nazistas oferecia o paraíso na terra e os
grupos religiosos sectários no Céu, tornando a questão da vida para os seus
seguidores mais banal ainda, já que a morte é vendida como a chave para abrir a
porta do paraíso celeste.
Apesar desse tipo de violência exigir manifestações clara de
repúdio, não se pode esquecer a lógica destrutiva da sociedade burguesa e de sua
forma de produção. Mas mesmo reconhecendo a existência de condicionantes muito
fortes nesta sociedade, os indivíduos não estão isentos de responsabilidade, podem
resistir e se manifestar em relação a determinados fatos. É hora de saber até
aonde vai à tolerância religiosa de todos os credos ao se manifestarem sobre o
episódio que matou jornalistas, cartunistas e outras pessoas, já que se sentiram
atingidos pelas charges irreverentes da revista francesa. A afirmação é também válida
para grupos militantes e partidos políticos. Mesmo reconhecendo o direito de
discordar e de protestar contra as publicações, em momentos como este não se
pode aceitar de qualquer instituição ou personagem a omissão ou declarações
dúbias, que alimentem o germe da violência e da destruição presente no
substrato introjetado sem cessar nos corações e mentes.
12.01.2015
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