Rall
A vitória de Trump traz à
tona a questão do desemprego e do subemprego nas áreas antes industrializadas
dos EUA e de outras partes do mundo. Ao sentir-se cada vez mais supérfluo com
automação da produção, os trabalhadores americanos reagiram contribuindo
massivamente para eleição de um candidato que soube manipular os sentimentos de
medo e de insegurança que dominam as regiões em acelerada desindustrialização e
empobrecidas. A responsabilidade pela crise do emprego é atribuída de forma
simplista a deslocação da indústria americana para o Sudoeste Asiático, México
e, principalmente, para China. Os imigrantes latinos são acusados de competir
de forma desigual com os trabalhadores brancos nativos e de disseminarem a
violência, sendo
os mexicanos o principal alvo.
A aparência manifestada pela
crise do capitalismo é tomada como sua essência, inclusive por analistas que se
opõem a Trump por outros motivos. Em nenhum momento a questão fundamental da crise
da mercadoria, da valorização, da acumulação de “riqueza abstrata” (Marx), do
dinheiro é considerada. É preciso entender como o aumento da produtividade pela
cientifização e automação da produção, que há décadas vem tornado o trabalho
(substância do valor) supérfluo, afetando a formação de “riqueza abstrata”, é
determinante para as questões abordadas.
Esse novo momento de desemprego
ascendente, o que ainda resta de postos de trabalho são precarizados e os
salários rebaixados numa espiral sem fim, para sustentar um anêmico crescimento
que se fundamenta
na desigualdade e na geração de capital fictício. A abundante oferta de
mão de obra no globo tende a segurar a difusão de novas tecnologias nos setores
mais atrasados da economia que se beneficiam dos baixos salários. Daí resulta
uma grande assimetria no crescimento da produtividade, com setores da produção
e países diferenciando-se, enquanto em outras regiões os baixos salários ainda
compensam o não investimento na automação ou nem mais interessam ao mercado
capitalista. Essa assimetria pode levar, momentaneamente, a uma queda da média
da produtividade a nível global, principalmente nos momentos de agudização da
crise.
Por isso a grande diferença
no aumento da produtividade, quando comparados setores mais dinâmicos com os
mais atrasados: “Enquanto a centena de indústrias que se encontram naquilo que
a OCDE define como a fronteira global da inovação aumentaram a produtividade do
trabalho a um ritmo de 3,5% ao ano, desde o início do milênio, a média do setor
não foi além de 1,7% anuais. No setor de serviços a distância é ainda maior: 5%
para as companhias mais avançadas e 0,3% para o conjunto” (Ricardo Abramovay –
“Desigualdade e produtividade” - Jornal Valor Econômico, 01.09.2016).
No entanto, essa freada na
produtividade média em conjuntura de crise, pode ser revertida na medida em que
a nível global aumentar a concentração do capital e que continue em queda o
preço das máquinas e das tecnologias de automação, compensando a substituição
da força de trabalho, e a concorrência forçar os países e setores da economia
poucos produtivos que usam mão de obra intensiva, movimentarem-se para não
serem expulsos por empresas mais produtivas detentoras de tecnologias
avançadas. A avidez de China pela compra de empresas europeias e americanas de
tecnologia de ponta é um indicador importante desse movimento.
Por outro lado, com os
avanços tecnológicos e automação que possibilita as indústrias com plataformas
4.0 funcionarem 24 horas praticamente sem trabalhadores, empresas americanas e
europeias instaladas em outros países, atraídas pela abundância de força de
trabalho e baixos salários, e que produzem para exportar para os mercados de
origem, já começam a fazer o caminho de volta sem, no entanto, gerar empregos
como pretende o Sr. Trump e seus iludidos seguidores.
Nessa conjuntura assimétrica
quanto ao uso de tecnologias na produção, os setores mais dinâmicos tendem
concentrar mais riqueza abstrata, beneficiando-se inclusive da transferência do
que ainda resta de mais-valia produzida nos setores e regiões atrasadas, que
aos pouco vão se descolando da produção capitalista, transformando-se em terras
arrasadas onde o Estado não mais funciona e o que resta é disputado a tiros por
gangues armadas. Situação que atinge países inteiros ou bolsões de miséria,
inclusive dos mais ricos. Essa é talvez a principal causa das grandes
desigualdades entre países, e nestes entre suas populações, sem solução à
vista.
Nos setores mais produtivos,
transitam os trabalhadores com salários diferenciados. No entanto, com o avanço
das tecnologias da informação, num aparente paradoxo, o tempo de trabalho vem
se prolongando, desmentindo as teorias de que com a automação e aumento da
produtividade é possível a redução do tempo nas jornadas de trabalho. Ao
contrário, é cada vez mais comum os trabalhadores ao deixarem o ambiente
empresarial, continuarem com atividades relacionadas ao trabalho em suas
residências e ocupando o chamado tempo livre, que já não é tão livre.
A queda observada nos custos
de incorporação de novas tecnologias à produção, não significa prescindir do
capital financeiro. Os enormes agregados de capitais, há muito deixaram de ser
financiáveis apenas com capitais próprios. Duas questões devem ser
consideradas: na medida em que o capital na concorrência global é forçado a se
concentrar, torna mais caro o financiamento de sua expansão pela dimensão das
operações. Segundo, as tecnologias incorporadas nesse processo tendem a
impactar negativamente na massa de mais-valia pela redução do consumo de “trabalho
abstrato” e, consequentemente, na rentabilidade, levando esses agregados a
recorrerem cada vez mais ao capital financeiro especulativo para turbinar seus
lucros que perderam o brilho na economia real.
Portanto, o que se costuma
chamar de "financeirização da economia", não é um fenômeno que tem
origem no capital financeiro e pronto. Fundamenta-se na crise de valorização do
capital na economia real, que para aparentar “ rentável”
necessita operar nos espaços do capital financeiro, gerando capital fictício em
aplicações especulativas que retorna as empresas contabilizado como aparente
lucro, e na necessidade do financiamento dos investimentos. Com isso o capital
financeiro passou a crescer de forma exponencial e ter uma importância grande
no funcionamento e manutenção da economia global moribunda.
Quando os mecanismos de gerar
capital fictício no mercado para financiar a economia falham, como observado na
crise de 2007/ 2008, o Estado assume a função de credor de última instância,
através da impressão de dinheiro (sem substância), compra de papéis podre de crédito privado e juros negativos para
lubrificar a economia real e fazê-la andar, até que os mecanismos do mercado
geradores de capital fictício voltem a funcionar e logo desemboque
inevitavelmente em uma nova crise financeira de proporção bem maior que a
anterior, como vem acontecendo. Muito mais importante que a inflação e o
desemprego, o que o Fed (banco central americano) hoje avalia é se o mercado
financeiro consegue se manter sozinho nas alturas com as próprias pernas,
gerando capital fictício suficiente para que a economia real não entre de vez
em colapso. Esses círculos de crises financeiras cada vez mais curtos é um
sintoma do “limite absolutos da valorização do capital” (Kurtz), prenunciado
por Marx.
No caminhar da Terceira
Revolução Industrial (ou quarta, como passou a ser chamado esse novo momento do
capitalismo), depois da automação da indústria e da agricultura ainda em
processo, os sinais de um grande salto vêm sendo observado nas inovações
tecnológicas que permitem comunicação em tempo real entre objetos domésticos,
equipamentos, máquinas e homens. Impactantes também são as tecnologias
desenvolvidas para os serviços oferecidos pelo setor terciário,
principalmente para os relacionados diretamente à produção de bens tangíveis e
intangíveis como logística, contabilidade, vendas, pós-vendas e atenção ao
consumidor. Não se tem claro os números de postos de trabalho que serão
fechados nos próximos anos com essa nova onda de automação e utilização em
larga escala de tecnologia de informação que atingirá a produção e a circulação
das mercadorias, mas sabe-se que vai ser bem superior ao até agora assistido.
O contingente de
desempregados resultante dessas mudanças, são presas fáceis dos discursos
demagógicos que apontam soluções mágicas para um cotidiano devastado e sem perspectiva,
mantido sobre lógica da valorização com custos humanos e ambientais terríveis.
Novos Trumps e Brexits devem aflorar mundo à fora. Mesmo que se fechem todas as
fronteiras e se desfaçam todos os acordos comerciais, não vai mudar a lógica
implacável do capital que movido pela concorrência brutal tende se expandir sem
reconhecer fronteiras, e cada vez mais busca o aumento da produtividade, como
forma de racionalizar custos e se tornar rentável num senário desfavorável,
dispensando força de trabalho, mesmo que isso possa leva-lo ao juízo final.
Se o neoliberalismo era uma
tentativa de limpar os “entulhos” à valorização, deixando livre o caminho para
o movimento sem peias do capital, num esforço para transformar até o ar que
respiramos em mercadorias e de empurra para frente os impasses da crise que não
consegue solucionar, o seu fracasso pariu um disforme nacionalismo, com um discurso
preso ao pior da política da qual diz querer se livrar. Em defesa do mercado
interno e da geração de empregos, Trump promete criar empecilhos capazes de
dificultar a forma como o capitalismo avança e, ao mesmo tempo, se aproxima de seu
ponto de inflexão. Apesar da tarefa não ser fácil, a violência de uma gestão
autoritária com arroubos de que tudo é possível, pode descarrilhar de vez o
trem sem rumo do capital.
25.11.2016